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sábado, 4 de setembro de 2021

STJ: Informativo nº 0703 Publicação: 9 de agosto de 2021.

 Informativo nº 0703

RECURSOS REPETITIVOS
Processo

REsp 1.777.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 26/05/2021, DJe 01/07/2021. (Tema 1000)

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Cominação de astreintes na exibição de documentos requerida contra a parte ex adversa. Cabimento na vigência do CPC/2015. Necessidade de prévio juízo de probabilidade e de prévia tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva. Tema 1000/STJ.

DESTAQUE

Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata a controvérsia sobre a possibilidade de cominação de multa em ação de exibição incidental ou autônoma de documentos requerida contra a parte ex adversa em demanda de direito privado.

O procedimento da exibição de documentos encontra-se disciplinado nos arts. 396 a 404 do CPC/2015, sendo que o pagamento de multa somente foi previsto na exibição contra terceiro (art. 403), não tendo havido semelhante previsão do art. 400, que trata da exibição deduzida contra a parte.

Sobre o tema, vale dizer que a presunção de veracidade seria insuficiente para compelir a parte a atender à ordem de exibição, pois entre o mero risco de sucumbência (no caso de recusa de exibição) e a certeza da derrota (no caso de exibição do documento essencial para o desfecho do litígio), a parte tenderia a assumir a primeira postura, recusando-se a exibir o documento pretendido.

Sob a ótica da ampla defesa e o dever de cooperação, a cominação de astreintes seria cabível na exibição de documentos, pois aumenta-se a probabilidade de sucesso da ordem de exibição.

Por outro lado, o direito de não produzir prova contra si mesmo se restringe à não autoincriminação em matéria penal, prevalecendo no âmbito do direito privado garantia da ampla defesa conjugada com o dever de cooperação das partes com a instrução probatória.

Sob perspectiva histórica, verifica-se que o avanço em termos de efetividade dos provimentos jurisdicionais serviu de norte para o novo codex, como bem apontou a DPU, de modo que esse norte interpretativo conduz ao entendimento de que a previsão do gênero "medidas coercitivas" no art. 400, parágrafo único, também abrange a multa pecuniária, pois essa interpretação confere maior eficácia à ordem de exibição.

Ainda, vale destacar que não se trata de silêncio eloquente do artigo 400, mas sim de excesso de zelo do legislador no artigo 403 ao ressaltar a possibilidade de incidência de multa em desfavor de um terceiro estranho à relação processual, já que, em relação às partes, a aplicação dessa medida coercitiva é natural.

Por fim, não se justifica a impossibilidade de aplicação das astreintes sob o fundamento de que haveria estímulo ao enriquecimento sem causa, pois, se a recusa da parte em exibir o documento for reputada ilegítima (art. 399 do CPC), basta a sua apresentação para que a multa não incida.

Com efeito, firma-se a tese do recurso repetitivo para que, desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada mediante contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa, com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015.

SEGUNDA TURMA
Processo

REsp 1.583.638-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

  • Redução das desigualdades
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF). Previdência Privada. Isenção para proventos de aposentadoria e resgates. Moléstia grave. Art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988, C/C art. 39, § 6º, do Decreto n. 3.000/1999. Modelo PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) ou VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre). Irrelevância.

DESTAQUE

O fato de se pagar parte ou totalidade do IRPF sobre o rendimento do contribuinte ou sobre o resgate do plano e o fato de um plano ser tecnicamente chamado de "previdência" (PGBL) e o outro de "seguro" (VGBL) são irrelevantes para a aplicação da isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988 c/c art. 39, § 6º, do Decreto n. 3.000/1999.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Conforme posicionamento já pacificado por este Superior Tribunal, a extensão da aplicação do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988 (isenção para proventos de aposentadoria ou reforma recebidos por portadores de moléstia grave) também para os recolhimentos ou resgates envolvendo entidades de previdência privada ocorreu com o advento do art. 39, §6º, do Decreto n. 3.000/1999.

Também é de se registrar que esta Corte, por ambas as Turmas de Direito Tributário, compreende que o destino tributário dos benefícios recebidos de entidade de previdência privada não pode ser diverso do destino das importâncias correspondentes ao resgate das respectivas contribuições. Desse modo, se há isenção para os benefícios recebidos por portadores de moléstia grave, que nada mais são que o recebimento dos valores aplicados nos planos de previdência privada de forma parcelada no tempo, a norma também alberga a isenção para os resgates das mesmas importâncias, que nada mais são que o recebimento dos valores aplicados de uma só vez.

Para a aplicação da jurisprudência é irrelevante tratar-se de plano de previdência privada modelo PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) ou VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), isto porque são apenas duas espécies do mesmo gênero (planos de caráter previdenciário) que se diferenciam em razão do fato de se pagar parte do IR antes (sobre o rendimento do contribuinte) ou depois (sobre o resgate do plano).

O fato de se pagar parte ou totalidade do IR antes ou depois e o fato de um plano ser tecnicamente chamado de "previdência" (PGBL) e o outro de "seguro" (VGBL) são irrelevantes para a aplicação da leitura que este Superior Tribunal de Justiça faz da isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88 c/c art. 39, §6º, do Decreto n. 3.000/99. Isto porque ambos os planos irão gerar efeitos previdenciários, quais sejam: uma renda mensal - que poderá ser vitalícia ou por período determinado - ou um pagamento único correspondentes à sobrevida do participante/beneficiário.

TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.924.526-PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 22/06/2021, DJe 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Plano de saúde coletivo empresarial. Operadora. Resilição unilateral. Legalidade. Beneficiário idoso. Migração para plano individual. Impossibilidade. Modalidade não comercializada. Portabilidade de carências. Admissibilidade.

DESTAQUE

A operadora que resiliu unilateralmente plano de saúde coletivo empresarial não possui a obrigação de fornecer ao usuário idoso, em substituição, plano na modalidade individual, nas mesmas condições de valor do plano extinto.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na hipótese de cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deve ser permitido que os empregados ou ex-empregados migrem para planos individuais ou familiares, sem o cumprimento de carência, desde que a operadora comercialize esses planos (arts. 1º e 3º da Res.-CONSU n. 19/1999).

Nesse passo, cabe asseverar não ser ilegal a recusa de operadoras de planos de saúde de comercializarem planos individuais por atuarem apenas no segmento de planos coletivos. De fato, não há nenhuma norma legal que as obrigue a atuar em determinado ramo de plano de saúde.

No caso, o ato da operadora de resilir o contrato coletivo não foi discriminatório, ou seja, não foi pelo fato de a autora ser idosa ou em virtude de suas características pessoais. Ao contrário, o plano foi extinto para todos os beneficiários, de todas as idades, não havendo falar em arbitrariedade, abusividade ou má-fé.

Ademais, a situação de usuário sob tratamento médico que deve ser amparado temporariamente, pela operadora, até a respectiva alta em caso de extinção do plano coletivo não equivale à situação do idoso que está com a saúde hígida, o qual pode ser reabsorvido por outro plano de saúde (individual ou coletivo) sem carências, oferecido por empresa diversa.

Desse modo, não se revela adequado ao Judiciário obrigar a operadora de plano de saúde que, em seu modelo de negócio, apenas comercializa planos coletivos, a oferecer também planos individuais, tão somente para idosos e com valores de mensalidade defasados, de efeito multiplicador, e sem a constituição adequada de mutualidade: esses planos não sobreviveriam.

Por outro lado, a operadora também não pode ser compelida a criar um produto único e exclusivo para apenas uma pessoa, (REsp 1.119.370/PE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 17/12/2010, e REsp 1.736.898/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 20/09/2019).

É dizer, o art. 31 da Lei n. 9.656/1998 não pode ser aplicado, no ponto, por analogia, e até iria de encontro ao princípio da proporcionalidade, não passando pelos critérios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Aliás, a função social do contrato não pode ser usada para esvaziar por completo o conteúdo da função econômica do contrato. Um cenário de insolvência de operadoras de plano de saúde e de colapso do setor da Saúde Suplementar é que não seria capaz de densificar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, o instituto da portabilidade de carências (RN-ANS nº 438/2018) pode ser utilizado e mostra-se razoável e adequado para assistir a população idosa, sem onerar em demasia os demais atores do campo da saúde suplementar.

Nas situações de denúncia unilateral do contrato de plano de saúde coletivo empresarial, é recomendável ao empregador promover a pactuação de nova avença com outra operadora, evitando-se prejuízos aos seus empregados (ativos e inativos), que não precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração a planos individuais, de custos mais elevados. Aplicabilidade do Tema Repetitivo-STJ n. 1.034.

Ainda, mesmo havendo a migração de beneficiários do plano coletivo empresarial para o plano individual, não há falar na manutenção do valor das mensalidades em virtude das peculiaridades de cada regime e tipo contratual (atuária e massa de beneficiários), pois geram preços diferenciados. O que deve ser evitado é a onerosidade excessiva. Por isso é que o valor de mercado é empregado como referência, de forma a prevenir eventual abusividade.

Processo

RMS 64.894-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/08/2021, DJe de 9/8/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Intimação pessoal da parte assistida pela Defensoria Pública. Extensão da prerrogativa ao defensor dativo. Possibilidade. Interpretação sistemática e teleológica do art. 186, §2º, do CPC/2015.

DESTAQUE

É admissível a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, §2º, do CPC ao defensor dativo nomeado em razão de convênio entre a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A interpretação literal das regras contidas do art. 186, caput, § 2º e § 3º, do CPC/2015, autoriza a conclusão no sentido de que apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos prevista no caput seria extensível ao defensor dativo, mas não a prerrogativa de requerer a intimação pessoal da parte assistida quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada.

Esse conjunto de regras, todavia, deve ser interpretado de modo sistemático e à luz de sua finalidade, a fim de se averiguar se há razão jurídica plausível para que se trate a Defensoria Pública e o defensor dativo de maneira anti-isonômica nesse particular.

Dado que o defensor dativo atua em locais em que não há Defensoria Pública instalada, cumprindo o quase altruísta papel de garantir efetivo e amplo acesso à justiça àqueles mais necessitados, é correto afirmar que as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, experimentadas pela Defensoria Pública e que justificaram a criação do art. 186, §2º, do CPC/2015, são igualmente frequentes em relação ao defensor dativo.

É igualmente razoável concluir que a altíssima demanda recebida pela Defensoria Pública, que pressiona a instituição a tratar de muito mais causas do que efetivamente teria capacidade de receber, também se verifica quanto ao defensor dativo, especialmente porque se trata de profissional remunerado de maneira módica e que, em virtude disso, naturalmente precisa assumir uma quantidade significativa de causas para que obtenha uma remuneração digna e compatível.

A interpretação literal e restritiva da regra em exame, a fim de excluir do seu âmbito de incidência o defensor dativo, prejudicará justamente o assistido necessitado que a regra pretendeu tutelar, ceifando a possibilidade de, pessoalmente intimado, cumprir determinações e fornecer subsídios, em homenagem ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual deve ser admitida a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública no art. 186, § 2º, do CPC/2015, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria.

Processo

REsp 1.937.516-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Recuperação judicial. Crédito reconhecido judicialmente. Ação que demandava quantia ilíquida. Cumprimento de sentença. Submissão aos efeitos do processo de soerguimento. Ausência de recusa voluntária ao adimplemento da obrigação. Multa do art. 523, § 1º, do CPC/2015. Não incidência.

DESTAQUE

Não incide a multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 sobre o crédito sujeito ao processo de recuperação judicial, decorrente de ação que demandava quantia ilíquida.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido (ainda que não vencidos), sendo certo que a aferição da existência ou não do crédito deve levar em consideração a data da ocorrência de seu fato gerador (fonte da obrigação).

Tratando-se, contudo, de crédito derivado de ação na qual se demandava quantia ilíquida, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas estabelece que ele somente passa a ser passível de habilitação no quadro de credores a partir do momento em que adquire liquidez, de modo que o prosseguimento da execução singular, desse momento em diante, deve ficar obstado (inteligência do art. 6º, § 1º, da Lei n. 11.101/2005).

Por outro lado, e como é cediço, o art. 59, caput, da LFRE, prevê que o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos.

Destarte, o adimplemento das dívidas da recuperanda deverá seguir as condições pactuadas entre os sujeitos envolvidos no processo de soerguimento, sempre respeitando-se o tratamento igualitário entre os credores de cada classe. Fica claro que, na espécie, a satisfação do crédito objeto da ação indenizatória deverá ocorrer, após devidamente habilitado, de acordo com as disposições do plano de recuperação judicial.

Nesse contexto, não se pode considerar que a causa que dá ensejo à aplicação da penalidade prevista no § 1º do art. 523 do CPC/2015 - recusa voluntária ao adimplemento da obrigação constante de título executivo judicial - tenha se perfectibilizado na hipótese.

Vale dizer, não há como fazer incidir à espécie a multa estipulada no dispositivo legal precitado, uma vez que o pagamento do valor da condenação - por decorrência direta da sistemática prevista na Lei n. 11.101/2005 - não era obrigação passível de ser exigida nos termos da regra geral da codificação processual.

Ademais, estando em curso processo recuperacional, a livre disposição, pela devedora, de seu acervo patrimonial para pagamento de créditos individuais sujeitos ao plano de soerguimento violaria o princípio (comum a toda espécie de procedimento concursal) segundo o qual os credores devem ser tratados em condições de igualdade dentro das respectivas classes.

Processo

REsp 1.931.633-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Recuperação judicial. Habilitação de crédito. Multa administrativa. Natureza não tributária. Fazenda Pública. Concurso de credores. Não sujeição.

DESTAQUE

O crédito fiscal não tributário não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial do devedor todos os créditos existentes na data do pedido (ainda que não vencidos), sendo certo que a aferição da existência ou não do crédito deve levar em consideração a data da ocorrência de seu fato gerador (fonte da obrigação).

O art. 187, caput, do Código Tributário Nacional exclui os créditos de natureza tributária dos efeitos da recuperação judicial do devedor, nada dispondo, contudo, acerca dos créditos de natureza não tributária.

A Lei n. 11.101/2005, ao se referir a "execuções fiscais" (art. 6º, § 7º-B), está tratando do instrumento processual que o ordenamento jurídico disponibiliza aos respectivos titulares para cobrança dos créditos públicos, independentemente de sua natureza, conforme disposto no art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.830/1980.

Desse modo, se, por um lado, o art. 187 do CTN estabelece que os créditos tributários não se sujeitam ao processo de soerguimento - silenciando quanto aqueles de natureza não tributária -, por outro lado verifica-se que o próprio diploma recuperacional e falimentar não estabeleceu distinção entre a natureza dos créditos que deram ensejo ao ajuizamento do executivo fiscal para afastá-los dos efeitos do processo de soerguimento.

Ademais, a própria Lei n. 10.522/2002 - que trata do parcelamento especial previsto no art. 68, caput, da LFRE - prevê, em seu art. 10-A, que tanto os créditos de natureza tributária quanto não tributária poderão ser liquidados de acordo com uma das modalidades ali estabelecidas, de modo que admitir a submissão destes ao plano de soerguimento equivaleria a chancelar a possibilidade de eventual cobrança em duplicidade.

Tampouco a Lei n. 6.830/1980, em seus artigos 5º e 29, faz distinção entre créditos tributários e não tributários, estabelecendo apenas, em sentido amplo, que a "cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento".

Esta Corte Superior, ao tratar de questões envolvendo a possibilidade ou não de continuidade da prática, em execuções fiscais, de atos expropriatórios em face da recuperanda, também não se preocupou em diferenciar a natureza do crédito em cobrança, denotando que tal distinção não apresenta relevância para fins de submissão (ou não) da dívida aos efeitos do processo de soerguimento.

Assim, em que pese a dicção aparentemente restritiva da norma do caput do art. 187 do CTN, a interpretação conjugada das demais disposições que regem a cobrança dos créditos da Fazenda Pública insertas na Lei de Execução Fiscal, bem como daquelas integrantes da própria Lei n. 11.101/2005 e da Lei n. 10.522/2002, autorizam a conclusão de que, para fins de não sujeição aos efeitos do plano de recuperação judicial, a natureza tributária ou não tributária do valor devido é irrelevante.

QUARTA TURMA
Processo

REsp 1.911.099-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 29/06/2021, DJe 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Adoção personalíssima. Intrafamiliar. Parentes colaterais por afinidade. Habilitação junto ao Cadastro Nacional de Adoção. Menor colocado em estágio de convivência em família substituta no curso do procedimento. Insurgência dos pretendentes à adoção intrafamiliar e do casal terceiro prejudicado (família substituta). Conceito de família amplo. Afeto e afinidade. Colocação em família substituta. Excepcionalidade.

DESTAQUE

Atende ao melhor interesse da criança a adoção personalíssima intrafamiliar por parentes colaterais por afinidade, a despeito da circunstância de convivência da criança com família substituta, também, postulante à adoção.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se de ação de adoção personalíssima ajuizada pelos pretendentes à adoção intrafamiliar - parentes colaterais por afinidade da criança - que estavam com a guarda de fato do menor desde o seu nascimento, não se tendo notícia de que faltassem aos cuidados necessários e adequados ou negligenciassem o infante, somando-se os fatos incontroversos segundo os quais: a) não ocorreu a adoção à brasileira; b) os insurgentes são habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção; c) a criança fora lançada para estágio de convivência com guarda precária deferida em favor de família substituta, sem que fossem os autores comunicados e, ainda, em momento anterior ao próprio julgamento do recurso de apelação contra a sentença de extinção da adoção personalíssima intrafamiliar.

A Constituição Federal de 1988 rompeu com os paradigmas clássicos de família consagrada pelo casamento e admitiu a existência e a consequente regulação jurídica de outras modalidades de núcleos familiares (monoparental, informal, afetivo), diante das garantias de liberdade, pluralidade e fraternidade que permeiam as conformações familiares, sempre com foco na dignidade da pessoa humana, fundamento basilar de todo o ordenamento jurídico.

O legislador ordinário, ao estabelecer no artigo 50, § 13, inciso II, do ECA que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação (se aos consanguíneos em linha reta, aos consanguíneos colaterais ou aos parentes por afinidade), a denotar, por esse aspecto, que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, bem como quando atendidos os demais requisitos autorizadores para tanto.

Em razão do novo conceito de família - plural e eudemonista - não se pode, sob pena de desprestigiar todo o sistema de proteção e manutenção no seio familiar amplo preconizado pelo ECA, restringir o parentesco para aquele especificado na lei civil, a qual considera o parente até o quarto grau.

Isso porque, se a própria Lei n. 8.069/1990, lei especial e, portanto, prevalecente em casos dessa jaez, estabelece no § 1º do artigo 42 que "não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando", a única outra categoria de parente próximo supostamente considerado pelo ditame civilista capacitado legalmente à adoção a fim de que o adotando permanecesse vinculado à sua "família" seriam os tios consanguíneos (irmãos dos pais biológicos), o que afastaria por completo a possibilidade dos tios colaterais e por afinidade (cunhados), tios-avós (tios dos pais biológicos), primos em qualquer grau, e outros tantos "parentes" considerados membros da família ampliada, plural, extensa e, inclusive, afetiva, muitas vezes sem qualquer grau de parentalidade como são exemplos os padrinhos e madrinhas, adotarem, o que seria um contrassenso, isto é, conclusão que iria na contramão de todo o sistema jurídico protetivo de salvaguarda do menor interesse de crianças e adolescentes.

Em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos previstos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem estar, da vida com dignidade do menor, recordando-se, a esse propósito, que no caso sub judice, além dos pretensos adotantes estarem devidamente habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção, são parentes colaterais por afinidade do menor "(...) tios da mãe biológica do infante, que é filha da irmã de sua cunhada" e não há sequer notícias de que membros familiares mais próximos tenham demonstrado interesse no acolhimento familiar dessa criança.

Este Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a relativização de regras previstas no ECA, em atenção à primazia dos interesses do menor tutelado, sendo permitido, excepcionalmente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, que o adotante seja pessoa não inscrita previamente no cadastro e, ainda, não raro, seja "escolhida" pelos pais do adotando na chamada adoção intuitu personae.

Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ, a ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar (HC 468.691/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 11/03/2019).

Processo

REsp 1.828.248-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 05/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Recuperação judicial. Cláusula de supressão de garantias reais e fidejussórias. Decisão da assembleia-geral. Extensão aos credores ausentes ou divergentes. Descabimento. Impacto negativo nos mercados de crédito e de fornecimento de insumos e mercadorias.

DESTAQUE

A supressão de garantias reais e fidejussórias decididas em assembleia-geral de credores de sociedade submetida a regime de recuperação judicial não pode ser estendida aos credores ausentes ou divergentes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Lei n. 11.101/2005, nos arts. 49, §§ 1º e 3º, e 50, § 1º, é expressa ao dispor que a alienação de bem objeto de garantia real, a supressão de garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

É de se notar, porém, que o art. 49, § 2º estatui que "as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial".

Todavia, essa parte final da norma há de ser interpretada em harmonia com a regra do já citado artigo 50, § 1º a qual, seguindo o critério da especialidade, trata de modo específico e inequívoco acerca da subordinação da deliberação assemblear de supressão ou substituição da garantia à concordância expressa do credor titular da respectiva garantia.

Sob a ótica do mercado, é evidente que a supressão de garantias reais e fidejussórias contra a vontade dos credores dissidentes traria evidente insegurança jurídica e profundo abalo ao mercado de crédito, essencial para o financiamento do setor produtivo da economia, fornecedor de imprescindível apoio à continuidade e expansão das atividades das sociedades empresárias saudáveis, assim como para o saneamento financeiro e revitalização das próprias sociedades em recuperação judicial.

De fato, enquanto se perceberem dotados de garantias sólidas quanto ao retorno de seus aportes e investimentos, os financiadores da atividade produtiva, integrantes do mercado financeiro, fornecedores de insumos ou de bens de capital, sentirão segurança em disponibilizar às empresas tomadoras capital mais barato, com condições mais favoráveis e prazos mais longos, o que, até mesmo, contribui para a atração de investimentos e de capitais estrangeiros, cuja falta é sentida na economia nacional.

Ao contrário, o desprestígio das garantias será danoso para toda a atividade econômica do país, trazendo insegurança jurídica e econômica, com a elevação dos juros e do spread bancário, especialmente para aqueles submetidos justamente ao regime de recuperação judicial.

Deveras, é de se lembrar que a dificuldade de financiamento para os empresários submetidos à recuperação judicial, no concernente à concessão de crédito, a prazos para amortização de empréstimos, à taxas de juros, à garantias e outras condições, mereceu recente atenção do legislador pátrio, induzindo-o a alterar a legislação específica, a Lei n. 11.101/2005, pelo advento da Lei n. 14.112/2020, atendendo a valiosas recomendações de toda a comunidade jurídica e empresarial envolvida no processo de modernização do microssistema de recuperação judicial.

A novidade, sob esse ângulo, consagra forte marco teórico-filosófico da percepção de que o afã pela supressão de garantias nos processos de recuperação judicial é sintoma da crônica carência de financiamento da atividade econômica nacional, que apenas se agudiza com o pedido de recuperação judicial e a fragilização das garantias dos credores.

Essa posição, coloca-se em linha com a vigorosa atualização da Lei n. 11.101/2005 promovida pela Lei n. 14.112/2020, em especial, com a previsão dos modernos institutos de financiamento das pessoas jurídicas recorrentes à recuperação judicial.

No ponto, o financiamento da sociedade em recuperação judicial é tão vital para o sucesso do fortalecimento da atividade produtiva no País, que a Lei n. 14.112/2020, ao modificar a Lei n. 11.101/2005, concebeu modalidade específica de financiamento aos recuperandos, introduzindo no Direito Pátrio os institutos do "Dip (debtor-in-possession) Finance" e do "Credor Parceiro". De fato, a nova redação do parágrafo único do art. 67 da Lei n. 11.101/2005, prestigia o chamado "Credor Parceiro" ou "Credor Estratégico", que é aquele que recebe vantagens e privilégios caso continue a fornecer insumos, mercadorias, créditos ou que adquira papéis e debêntures da recuperanda.

A preservação da atividade produtiva, um dos principais objetivos da recuperação judicial, necessita, assim como o enfermo de oxigênio, da continuidade da cadeia de fornecimento de insumos, mercadorias e crédito. Em troca, se deve assegurar condições diferenciadas de pagamento e fortalecimento de garantias a tais credores e fornecedores, essenciais à continuidade da atividade produtiva, atribuindo-se-lhes a natureza de parceiros essenciais.

As assinaladas vantagens e privilégios podem compreender melhores condições para recebimento dos créditos, menores deságios do que aqueles impostos aos demais credores, ou mesmo, tudo "ad exemplum", a redução das parcelas de resgate do crédito. A permissão legal para essas negociações acarreta significativa melhora nos relacionamentos no ambiente empresarial.

Na mesma esteira, outra essencial inovação foi inserida na Lei n. 11.101/2005, pela Lei n. 14.112/2020, com os arts. 69-A e seguintes. Trata-se do instituto, de comum aplicação no direito estadunidense, do "Dip (debtor-in-possession) Finance", o que revela a hercúlea preocupação do legislador com a continuidade do fluxo de caixa e de novos financiamentos (Fresh Money) para a recuperação judicial.

Segundo a doutrina mais especializada e moderna da matéria, "nesta modalidade de financiamento, a recuperanda mantém a posse e controle dos bens ou direitos dados em garantia, para que a empresa possa se manter operante. Com isso, é possível suprir a falta de fluxo de caixa para cobrir as despesas operacionais, de reestruturação e de preservação do valor dos ativos".

Assim, o Dip Finance permite que o juiz, eventualmente, depois de ouvir o comitê de credores, caso constituído, autorize a contratação de novos financiamentos pela recuperanda, que sejam garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, próprios (pertencentes ao ativo não circulante do devedor) ou de terceiros, desde que o "dinheiro novo" (Fresh Money) seja utilizado para financiar as atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos da recuperanda.

Desse modo, pode-se concluir que a manutenção das garantias reais e fidejussórias em favor do credor dissidente é pilar da economia de mercado, assentada na ponderação de oportunidade e risco feita pelo financiador da atividade produtiva, seja na época de fartura, seja em momento de dificuldade. Outrossim, os institutos do Dip Finance e do Credor Parceiro são a viga mestra (chão da fábrica) da recuperação judicial, sem quebra das garantias dos investidores e sem abalo do mercado de crédito.

De outro modo, a extensão da supressão das garantias ao credor discordante impacta negativamente o ambiente econômico empresarial, especialmente os mercados de crédito e de fornecimento de insumos e mercadorias, que, junto à força de trabalho, representam os elementos mínimos para a continuidade da atividade produtiva, um dos princípios fundantes do processo de recuperação judicial.

Processo

REsp 1.418.771-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Liquidação de sentença coletiva. Transação homologada em juízo. Coisa julgada material. Inocorrência.

DESTAQUE

Não há que se falar em coisa julgada material contra transação homologada em juízo pactuada entre a associação e entidade previdenciária para liquidação de sentença coletiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, a associação, representando os participantes e assistidos de plano de benefícios de previdência complementar administrado pela GEAP, ajuizou previamente ação coletiva vindicando a restituição de valores vertidos a título de pecúlio, tendo sido o pedido acolhido pelas instâncias ordinárias - decisão transitada em julgada.

Conforme apurado pela Corte local, na fase de liquidação, "diante da dificuldade e da complexidade de efetuarem-se os cálculos, relativos à liquidação do julgado (quantum debeatur), as próprias partes, de comum acordo, transigiram, de forma a advir o 'termo de acordo e quitação mútua', homologado pelo ilustre juiz da Nona Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília".

Quanto ao mérito do recurso, parece mesmo incorreta a invocação, pela Corte local, da coisa julgada material, pois sentença que se limita a homologar transação constitui mero juízo de delibação, nem sequer sendo, pois, sujeita à impugnação em ação rescisória.

De todo modo, isso não tem o condão de alterar o decidido, pois, malgrado não se possa falar em coisa julgada material, segundo a doutrina "o ato jurídico perfeito e a coisa julgada podem ser reconduzidos ao conceito de direito adquirido, que abrange os outros dois institutos".

Está presente o ato jurídico perfeito, consubstanciado em contrato de transação firmado entre as partes (legitimado, reconhecido pela lei como idôneo para defesa dos interesses individuais dos associados), com expressa e incontroversa cláusula de quitação geral.

Nessa linha de intelecção, é de todo oportuno salientar que a associação ajuizou uma nova ação condenatória referente à restituição de pecúlio, malgrado apenas mediante ação anulatória, embasada no artigo 486 do CPC/1973 (diploma aplicável ao caso), é que se poderia cogitar a desconstituição do acordo homologado por sentença. Vale conferir a redação: "[O]s atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

É que o art. 966, § 4º, do CPC/2015 também dispõe que os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

Por fim, a Segunda Seção, em decisão unânime, perfilhou o entendimento de que, em havendo transação, o exame do juiz deve se limitar à sua validade e eficácia, verificando se houve efetiva transação, se a matéria comporta disposição, se os transatores são titulares do direito do qual dispõem parcialmente, se são capazes de transigir - não podendo, sem que se proceda a esse exame, ser simplesmente desconsiderada a avença (AgRg no AREsp 504.022/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 10/09/2014, DJe 30/09/2014).

Processo

REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 29/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Redução das desigualdades
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Crédito constituído em favor de instituição financeira. Auxílio emergencial. Covid-19. Impenhorabilidade.

DESTAQUE

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

As regras relativas às medidas executivas, notadamente com relação à interpretação das impenhorabilidades, devem ser interpretadas à luz da Constituição, seja porque se voltam à realização de direitos fundamentais, seja porque, na sua efetivação, podem atingir direitos fundamentais.

O auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal (Lei n. 13.982/2020) destinado a garantir a subsistência do beneficiário no período da pandemia pela Covid-19 é verba impenhorável, tipificando-se no rol do art. 833, IV, do CPC/2015.

A regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos, dos subsídios, dos soldos, dos salários, das remunerações, dos proventos de aposentadoria, das pensões, dos pecúlios e dos montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2°, do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvadas eventuais particularidades do caso concreto. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.

As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2°), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.

No caso, trata-se de execução de dívida não alimentar (cédula de crédito) proposta por instituição financeira cuja penhora, via Bacenjud, recaiu sobre verba salarial e de verba oriunda do auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal em razão da COVID-19, tendo o Juízo determinado a restituição dos valores em razão de sua impenhorabilidade. Assim, tendo-se em conta que se trata de auxílio assistencial, que a dívida não é alimentar e que os valores são de pequena monta, seja com fundamento no art. 833, IV e X do CPC, seja pelo disposto no art. 2º, § 3º, da Lei n. 13.982/2020, a penhora realmente deve ser obstada.

A verba emergencial da covid-19 foi pensada e destinada a salvaguardar pessoas que, em razão da pandemia, presume-se estejam com restrições em sua subsistência, cerceadas de itens de primeira necessidade; por conseguinte, é intuitivo que a constrição judicial sobre qualquer percentual do benefício, salvo para pagamento de prestação alimentícia, acabará por vulnerar o mínimo existencial e a dignidade humana dos devedores.

Processo

REsp 1.543.826-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 05/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO REGISTRAL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO MARCÁRIO

  • Saúde e Bem-Estar
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Propriedade industrial. Patente de fármacos. Art. 229-C da Lei n. 9.279/1996. Anuência prévia da ANVISA. Manifestação quanto ao eventual risco à saúde pública e aos requisitos de patenteabilidade. Necessidade.

DESTAQUE

Em se tratando de pedido de patente de fármacos, compete à Anvisa analisar - previamente à análise do INPI - quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos - ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) - que lhe permitam inferir se a outorga de direito de exclusividade (de produção, uso, comercialização, importação ou licenciamento) poderá ensejar situação atentatória à saúde pública.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito aos "limites da análise" a ser efetuada pela agência reguladora para fins da anuência prévia imposta pelo artigo 229-C da Lei de Propriedade Industrial, ou seja: deve ficar adstrita a certificar se os produtos ou os processos farmacêuticos - objetos do pedido de patente - apresentam ou não potencial risco à saúde ou lhe é permitido adentrar os requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial -, cuja análise técnica, em linha de princípio, compete ao INPI.

Nos termos do artigo 6º da Lei da Anvisa, sua finalidade institucional consiste em promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

Entre outras competências previstas no artigo 7º da lei, destaca-se a voltada à correção de falhas de mercado do setor de fármacos, mediante o monitoramento da evolução dos preços de medicamentos, podendo a agência reguladora, para tanto, requisitar informações, proceder ao exame de estoques ou convocar os responsáveis para explicarem conduta indicativa de infração à ordem econômica, tais como a imposição de preços excessivos ou aumentos injustificados (inciso XXV).

O relevante papel desempenhado pela Anvisa na esfera da regulação econômico-social do setor extrai-se, ainda, do fato de exercer a Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial criado pela Lei n. 10.742/2003 - integrado pelos Ministros da Saúde, da Casa Civil, da Fazenda, da Justiça e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - e que tem por objetivos a adoção, a implementação e a coordenação de atividades destinadas a promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta dos produtos e a competitividade entre os fornecedores.

Assim, conquanto não se possa descurar das atribuições legais do INPI - principalmente a execução, no âmbito nacional, de normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica -, em relação às patentes de fármacos, não há falar em invasão institucional por parte da Anvisa, quando a recusa da anuência prévia estiver fundamentada em qualquer critério demonstrativo do impacto prejudicial da concessão do privilégio às políticas de saúde pública, que abrangem a garantia de acesso universal à assistência farmacêutica integral.

Isso porque a diferença das perspectivas de análise das referidas autarquias federais sobre o pedido de outorga de patente farmacêutica afasta qualquer conflito de atribuições.

Com efeito, é certo que o INPI, vinculado atualmente ao Ministério da Economia, tem por objetivo garantir a proteção eficiente da propriedade industrial e, nesse mister, parte de critérios fundamentalmente técnicos, amparados em toda a sua expertise na área, para avaliar os pedidos de patente, cujo ato de concessão consubstancia ato administrativo de discricionariedade vinculada aos parâmetros abstratos e tecnológicos constantes da lei de regência e de seus normativos internos.

Por outro lado, a Anvisa, detentora de conhecimento especializado no setor de saúde, no exercício do "ato de anuência prévia", deve adentrar quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos - ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) - que lhe permitam inferir se a outorga do direito de exclusividade representará potencial prejuízo às políticas públicas do SUS voltadas a garantir a assistência farmacêutica à população.

A atuação da agência reguladora, no caso, traduz, marcadamente, uma função redistributiva, na qual se procura conciliar o interesse privado - direito de exclusividade da exploração lucrativa da invenção - com as metas e os objetivos de interesses públicos encartados nas políticas de saúde.

A tese ora proposta, portanto, decorre da interpretação sistemática das normas contidas no inciso I do artigo 18 da Lei de Propriedade industrial - proibição de outorga de patentes a invenções contrárias à saúde pública - e nas Leis n. 9.782/1999 e 10.742/2003, que delineiam as funções institucionais e as competências expressamente atribuídas à Anvisa no sentido de resguardar a viabilidade das políticas de saúde consideradas "de relevância pública" pela Constituição de 1988.

Nessa perspectiva, a estipulação da "anuência prévia" da autarquia especial, como condição para a concessão da patente farmacêutica, tem por base o seu papel de regulação econômico-social - ou socioeconômica - do setor de medicamentos, que se justifica pelos mandamentos extraídos da Carta Magna, no sentido da necessária harmonização do direito à propriedade industrial com os princípios da função social, da livre concorrência e da defesa do consumidor, assim como o interesse social encartado no dever do Estado de, observada a cláusula de reserva do possível, conferir concretude ao direito social fundamental à saúde (artigos 5º, incisos XXIII, XXIX, 6º, 170, incisos III, IV e V, e 196).

Em acréscimo, ressalta-se que, à luz da norma legal analisada (artigo 229-C da Lei n. 9.279/1996), a exigência de anuência prévia da Anvisa constitui pressuposto de validade da concessão de patente de produto ou processo farmacêutico - o que, por óbvio, decorre da extrema relevância dos medicamentos para a garantia do acesso universal à assistência integral à saúde -, não podendo, assim, o parecer negativo, em casos nos quais demonstrada a contrariedade às políticas de saúde pública, ser adotado apenas como subsídio à tomada de decisão do INPI. O caráter vinculativo da recusa de anuência é, portanto, indubitável.

Nada obstante, eventual divergência entre as autarquias sobre os fundamentos exarados no parecer desfavorável à pretensão patentária, deve ser dirimida sob uma ótica dialética e cooperativa - recomendável no âmbito da Administração Pública -, em que busquem equacionar "o propósito de estímulo da atividade inventiva conducente ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País" e "o interesse social de concretização do direito fundamental à saúde objeto das políticas públicas do SUS".

QUINTA TURMA
Processo

REsp 1.817.416-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Impedir ou embaraçar investigação penal de organização criminosa. Art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013. Crime material.

DESTAQUE

O delito do art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013 é crime material, inclusive na modalidade embaraçar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O tipo penal em questão preconiza: "Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa."

A melhor interpretação para a consumação e tentativa do delito na modalidade embaraçar é de que se trata de crime material.

Sobre o tema, a doutrina sinaliza a existência de três correntes: "Para alguns (1.ª corrente), a tentativa é admissível em qualquer dos seus núcleos, embora seja ela mais difícil de se concretizar no que tange ao verbo embaraçar, porquanto o elemento normativo "de qualquer forma" amplia sobremaneira a possibilidade de consumação. Para outros (2.ª corrente), contudo, a tentativa é admissível apenas quanto ao núcleo impedir - cuja fase executória pode ser fracionada -, sendo impossível na conduta de unissubsistente embaraçar. Ainda, há quem entenda (3.ª corrente) que o tipo penal em caracteriza um crime de atentado ou de empreendimento, sendo, pois, incompatível com a forma tentada. Estes crimes são aqueles em que a lei pune de forma idêntica a consumação e a tentativa, isto é, não há diminuição pena em face do conatus. Para esta corrente, o núcleo embaraçar constituiria, por si impedir. Portanto, se o agente tenta impedir uma investigação infração penal que envolva organização criminosa, mas não logra êxito por circunstâncias alheias à sua vontade, já se poderia vislumbrar uma consumada ação de embaraçamento".

A adoção da corrente que classifica o delito como crime material se explica porque o verbo embaraçar atrai um resultado, ou seja, uma alteração do seu objeto. Na hipótese normativa, o objeto é a investigação que pode se dar na fase de inquérito ou na instrução da ação penal. Ou seja, haverá embaraço à investigação se algum resultado, ainda que momentâneo e reversível, for constatado.


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