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IMUNIDADE RECIPROCA
Entre ás espécies de imunidade convém destacar a
imunidade recíproca. Por ser a mesma a espécie de imunidade defendida para a
empresa prestadora de serviço público postal, dedica-se tópico próprio para
análise específica desta modalidade de imunidade.
A imunidade recíproca está prevista no artigo 150,
inciso VI, alínea “a’ da CRFB, com a redação de que não é permitido instituir
impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros. Em outras
palavras, significa que as pessoas políticas não podem, não tem competência
para cobrar tributos umas das outras, incluindo nesse contexto às autarquias,
as empresas públicas e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.
Por uma melhor compreensão, convém analisar os elementos
sobre os quais não é permitida a instituição de impostos, a saber, patrimônio,
renda e serviço. O primeiro significa
uma universalização de bens móveis e imóveis, direitos e obrigações pertencentes
aos entes políticos, a exemplo de uma empresa pública. A segunda, diz respeito
a todo e qualquer numerário auferido pela venda de um bem, recebimento de um
direito ou pela prestação de serviços públicos. O terceiro elemento se refere a
todos os serviços públicos prestados em favor dos administrados, pelo próprio
Estado ou por quem lhes faça às vezes, a exemplo da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos e o serviço público postal.
Do ponto de vista doutrinário, no entendimento de Costa,
temos as seguintes ponderações:[1]
“deve-se entender por patrimônio uma universalidade de bens,
móveis e imóveis, direitos e obrigações, referida a um titular
[.........]Renda, por sua vez, é todo
rendimento obtido a partir de um bem ou direito.Por fim,há que se entender
que os serviços referidos na norma constitucional são os públicos”
Ora, com base nos preceitos exarados nos dois
parágrafos anteriores, verifica-se que
uma Empresa pública se enquadra no
conceito de patrimônio. Desse modo, a imunidade recíproca protege este
complexo de coisas (empresa) da incidência de qualquer espécie tributária. Destarte, tratando-se de patrimônio público,
não cabe a exigência de qualquer tributo. No mesmo conduto, sobre as rendas e
serviços da empresa não haverá qualquer embaraço tributária, todavia, deve esta
ter como finalidade os fins públicos como forma de prover a sociedade de
serviços públicos essenciais e necessários.
Toda imunidade
tem por fim a realização de finalidades Constitucionais. Assim,a imunidade recíproca está alicerçada em
valores que a Constituição Federal visa resguardar, a exemplo dos direitos
fundamentais e a construção de uma sociedade justa, conseqüentemente,a
erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e a promoção do
bem social.
Nesse esteiro a imunidade recíproca significa dizer que
cada ente político, apesar de possuir competência tributária, não a possui para
imposição, sobre os outros entes, impostos[2].
Em outra forma de expressão, não obstante a previsão
expressa da imunidade recíproca no texto constitucional, sua eventual
inexistência não teria o condão de excluir tal regra do ordenamento jurídico
brasileiro, haja vista a sua intrínseca relação com o princípio federativo[3].
Em consonância com o entendimento doutrinário citado
anteriormente, a imunidade recíproca existiria, mesmo se na Constituição
Federal não houvesse de forma expressa, ainda assim, não teria competência
tributária os entes políticos para tributarem uns aos outros. Tal conclusão se
baseia em princípios constitucionais, a exemplo do Pacto Federativo e Isonomia,
conforme veremos a seguir.
1.1 O
pacto federativo, a isonomia e a imunidade recíproca
O pacto federativo está preceituado no art. 1°, caput,
da Constituição Federal, onde se verifica que a Federação do Brasil, é formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito federal.
Ora, se é uma união indissolúvel, significa que não pode
haver qualquer obstáculo que possa por em risco a unicidade. Assim, nesse
contexto, a competência para instituir tributos, não prospera, ou seja, não há
competência e tampouco capacidade contributiva das pessoas políticas, suas
fundações, autarquias e empresas públicas Delegatárias de serviços públicos.
Na base conceitual de Filho, o pacto federativo se
apresenta na seguinte conjuntura:[4]
“A ordem total, a ordem da Federação, apresenta dois aspecto
diversos embora complementares: um aspecto unitário e um aspecto
societário.Isso corresponde aliás á estrutura íntima do Estado federal que é um
Estado mas composto de Estados.O Estado federal é um Estado e, por isso, apresenta
um aspecto unitário, quer no plano internacional, quer no mero plano interno.No
plano internacional, esse aspecto se
manifesta em sua unidade de personalidade[......]No plano interno essa
unicidade se manifesta antes de mais nada pela existência de um ordenamento
jurídico(constitucional ou não) próprio ao todo, com organização completa,
competente em todo território e sobre todos os habitantes desse
território.Todavia, é também o Estado federal uma sociedade de Estados. Daí
que, no típico Estado federal, os Estados membros de algum modo participam do
governo do todo(seja por existir um órgão no ordenamento total cuja função é
representá-los- um Senado- seja por elegerem eles o chefe de Estado e do
governo”.
Diante de tais ponderações, verifica-se na própria
Constituição Federal, a repartição de competências entre Estados, União e
Municípios, a saber: repartição de competência legislativa, a repartição de
competência administrativa, a repartição de competência tributária e a divisão
de rendas, nos termos dos artigos 21 a 24 da Constituição Federal.
No exercício de tais competências não pode haver
obstáculos de uns para com os propósitos dos outros e, com isso, não poderá
haver qualquer tributação sobre as finalidades dos entes políticos, seja no
patrimônio, na renda ou serviços, haja vista a unicidade de propósitos. Em
suma, as partes não podem prejudicar o todo.
No conduto de Ibanêz,a imunidade recíproca está
fundamentada no seguinte: [5]
“a imunidade recíproca decorre do princípio federativo
porque a federação implica autonomia política, administrativa e legislativa dos
entes federados. A eventual tributação de um ente pelo outro redundaria no exercício
de uma soberania que inexiste na relação harmônica em que não pode haver
ingerência de um na autonomia do outro”
Na conjuntura teórica do Carrazza, a imunidade recíproca
é decorrência dos princípios federativo e da isonomia, nos seguintes termos:[6]
“Este princípio decorre seja do princípio federativo, seja
do principio da isonomia(igualdade jurídica das pessoas políticas).Decorre do
princípio federativo porque, se uma pessoa política pudesse exigir imposto de
outra, fatalmente acabaria por interferir em sua autonomia. Sim porque,
cobrando-lhe impostos, poderia levá-la a situação de grande dificuldade econômica
, a ponto de impedi-la de levar avante seus objetivos institucionais.Ora, isso
a Constituição absolutamente não tolera, tanto que inscreveu nas cláusulas
pétreas que não será sequer objeto de
deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma
federativa de Estado(art.60,§4°,I)”.
Noutra fonte, mais precisamente, Ibanêz, a isonomia
significa que:[7]
Entre as pessoas políticas, reina a absoluta igualdade
jurídica, não havendo a sobreposição de umas sobre as outras, pelo menos não em
termos jurídicos. Assim, evidente que não podem sujeitar-se á incidência de
impostos.Segundo considerável parcela da doutrina, a imunidade tributária
recíproca atende a dois princípios constitucionais:o principio federativo e o
princípio da igualdade, que, na área tributária é examinado de acordo o
critério da capacidade econômica.
Em mais um posicionamento, na baila teórica de Pestana,
verifica-se:[8]
“Prevalece na nossa ordem constitucional à isonomia entre as
pessoas políticas de direito constitucional interno, corolário do regime
federativo brasileiro; não se cogita de distribuição hierárquica entre essas
pessoas, mas, sim, de competências específicas outorgadas pela Carta
Brasileira”.
Portanto, do contexto doutrinário anteriormente
relatado, destacam-se três pontos relevantes, quais sejam: a igualdade
jurídica, a autonomia e a capacidade econômica. O primeiro diz respeito ao
princípio da isonomia, os entes políticos são iguais juridicamente, respeitadas
as desigualdades Constitucionais; o segundo está diretamente ligado ao pacto
federativo e, significa governo de si próprio, delimitado pela Constituição,
sem interferências dos outros entes, porém, em observância ao poder soberano; o
terceiro, diz respeito à capacidade contributiva, a titularidade da riqueza das
pessoas políticas.
Por tudo o exposto, as pessoas políticas não manifestam
capacidade econômica para pagar tributos, os recursos auferidos são para a
realização das suas finalidades, não sendo possível qualquer espécie de
embaraço tributário.
1.2 A
interpretação da imunidade recíproca
O fenômeno da exigência tributária não pode ser imposto
de forma ilimitada, sob pena de afronta a princípios consagrados pela
Constituição Federal. Em outras palavras, a tributação desenfreada e
desordenada não é admitida em nosso ordenamento jurídico.
Diante desse fato, necessário se faz a utilização das
diversas formas de interpretação quando se trata da temática imunidade, haja
vista que não são apenas os princípios explícitos que limitam a ganância
impositiva dos entes políticos em arrecadar cada vez mais. Assim, é primordial
uma interpretação mais abrangente
quando se cuida de limitar o
poder tributante, principalmente em relação a imunidade tributária recíproca,
de modo que o fim social pretendido pela imunidade seja totalmente alcançado.
Pela base teórica de Hugo de Brito, acerca da forma mais
adequada para interpretar as normas jurídicas em geral, a saber:[9]
“sendo possível mais de uma interpretação, todas razoáveis,
ajustadas aos elementos sistemáticos e teleológicos, deve prevalecer aquela que
melhor realize os princípios constitucionais e permita a solução que mais se
aproxime dos valores essenciais que ao Direito Cumpre realizar- a saber, a
segurança e a justiça[......}O elemento literal é de pobreza franciscana, e
utilizado isoladamente pode levar a verdadeiros absurdos, de sorte que o
hermenêutico pode e deve utilizar todos os elementos da interpretação,
especialmente o elemento sistemático, absolutamente indispensável em qualquer trabalho sério de interpretação,
e ainda o elemento teleológico , de notável valia na determinação do
significado das normas jurídicas”.
Na continuidade conceitual, para melhor esclarecimento,
constata-se que existem na doutrina alguns meios de interpretação, com os quais
pode o interprete trabalhar e conhecer
as significações que a leitura dos textos do direito positivo desperta, desse
modo, amplia-se o horizonte, por conseqüência estabelece contatos com valores
intrínsecos ao caso concreto, distancia-se da interpretação literal e consagra
a segurança jurídica.
Nesse esteiro doutrinário, elencam-se algumas formas de
interpretação, qual seja: econômica, literal, benigna, sistemática,
teleológica, histórica e sociológica.
A interpretação econômica considera em primeiro lugar os
efeitos econômicos preceituados pela norma jurídica, ou seja, vislumbra-se o
lado econômico na relação tributária do fisco com o contribuinte.
Na interpretação literal, busca o interprete o
significado gramatical da lei, o que importa é o sentido restrito da palavra,
vale o que está escrito, não leva em cona outros aspectos do ordenamento
jurídico.
Destarte, com relação à interpretação benigna, temos as
diretivas conceituais do artigo 112 do Código Tributário Nacional, onde se
estabelece que a lei tributária que define infrações, ou lhes comina
penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado. Assim sendo,
as dúvidas quando do conflito entre fisco e contribuinte, segundo este conceito
devem ser resolvidas em favor do contribuinte, parte mais frágil na relação,
principalmente, considerando a restrição que a tributação provoca no direito de
propriedade.
Por interpretação
sistemática entende-se o método que se utiliza de todas as possibilidades
existentes no ordenamento jurídico, isto seja não considera apenas a norma
isoladamente no contexto em que ela se insere, mas no todo da qual ela é parte.
Mediante a interpretação teleológica, o intérprete busca
adequar a finalidade da lei ao caso concreto, por conseqüente realizar a
vontade coletiva nela contida, ou seja, na aplicação das normas contidas em uma
lei ou na Constituição Federal, o objetivo maior é a concretização dos fins
sociais a que a regra se dirige e os anseios do bem comum.
No esteiro da interpretação histórica, o intérprete
busca conhecer os motivos que levaram os legisladores a elaborarem a lei,
estuda a relação da lei com o momento de sua edição, isto seja análise do
passado para decidir o caso concreto no presente.
Por outro modo, na conjuntura de elementos da
interpretação sociológica, o intérprete verifica a finalidade social da lei,
analisa-se o aspecto da necessidade social a ser realizada, o fim para o qual a
lei foi criada.
Ora, diante de tais possibilidades
interpretavas,considerando o fim social de toda imunidade, a interpretação que deve
ser dada nos casos de incompetência para tributar será aquela que mais se
aproxime da finalidade coletiva, ou seja, necessário um equilíbrio entre o fim
público almejado com a imunidade e o desejo insaciável de arrecadar.
No pensar doutrinário, precisamente na esteira
conceitual de Hugo de Brito, a imunidade tem abrangência ampla, indo além de
impostos, nos seguintes termos:[10]
“Em edições anteriores afirmamos que a imunidade refere-se
apenas aos impostos. Não aos demais tributos. Hoje, porém, já não pensamos
assim.A imunidade, para ser efetiva, para cumprir suas finalidades, deve ser
abrangente. Nenhum tributo pode ficar de fora de seu alcance”.
Noutra posição doutrinária, no trilhar de Costa,as
imunidades devem ser interpretadas de forma sistêmica e teleológica, com
fundamento em princípios constitucionais, na forma de expressão seguinte:[11]
“As normas imunizantes tem seus objetivos facilmente
identificáveis pelo interprete, porquanto estampados na Constituição, quase
sempre de modo explícito. A partir da identificação do objetivo(ou objetivos)
da norma imunizante, deve o intérprete realizar a interpretação mediante a qual
o mesmo será atingido em sua plenitude, sem restrições ou alargamentos do
espectro eficacional da norma, não autorizados pela própria Lei Maior.Em outras
palavras, a interpretação há de ser teleológica e sistemática- vale dizer,
consentânea com os princípios constitucionais envolvidos e o contexto a que se
refere.Em nosso entender a interpretação da norma imunizante deve ser efetuada
de molde a efetivar o principio ou liberdade por ela densificado. O alcance da
norma há que se conformar com a eficácia do principio ou liberdade.
Portanto,interpretação que não conduza a esse desfecho é inadmissível”.
Dos pontos doutrinários em discussão, extrai-se a idéia
de que a interpretação não deve ser restritiva (literal), tampouco extensiva,
mas um pensar interpretativo que seja na medida certa, no equilíbrio necessário
para a realização dos valores do Estado contido na norma imunizante.
Todavia, surge uma duvida com a leitura do preceito
inserido no artigo 111 do CTN, qual seja:”interpreta-se literalmente a
legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção”. Ora se na isenção
interpreta-se literalmente, na imunidade também será da mesma forma?
Sobre este dispositivo pondera Hugo de Brito, assim,
conforme segue:[12]
“Assim, a regra do artigo 111 do Código tributário Nacional
há de ser entendida no sentido de que as normas reguladoras das matérias ali
mencionadas não comportam integração por equidade. Sendo possível mais de uma
interpretação, todas razoáveis, ajustadas aos elementos sistemáticos e
teleológicos, devem prevalecer aquela que melhor realize os princípios
constitucionais e permita a solução que mais se aproxime dos valores essenciais
que o Direito cumpre relizar- a saber, a segurança e a justiça. È inadequado o
entendimento segundo o qual a interpretação das normas reguladoras das matérias
previstas no art. 111 do Código Tributário não admite outros métodos, ou
elementos de interpretação, além do literal”.
Nessa ordem conceitual, verifica-se que nem mesmo o
preceito estabelecido expressamente no artigo 111 do CTN, de que as isenções
são interpretadas literalmente, tem o condão suficiente de afastar outros
métodos de interpretação da norma. Dessa feita, as isenções quando postas em
análise serão inicialmente verificadas sobre a ótica literal, todavia, possível
é a utilização de outros meios.
No pensar doutrinário de Leopoldo, as isenções são
interpretadas em principio restritivamente, haja vista a regra expressa no
Código Tributário Nacional, enquanto as imunidades, por não estarem no mesmo
regramento e terem por objetivos a proteção de valores políticos, interpreta de
forma ampliativa, conforme se escreve a seguir:[13]
“Não há norma expressa em nosso ordenamento jurídico que
determine o modo como deve ser feita a interpretação das normas de imunidade,
ao contrário das isenções [........]Assim, entende-se que ás isenções cabe
interpretação literal não no sentido de que deve ser utilizado exclusivamente o
método literal de interpretação, mas no sentido de que se inicia o processo exegético a partir da
literalidade(que traduz o conteúdo indisponível daquilo que objetiva
comunicar)mas também de que devem ser levados em consideração os demais métodos(sistemático,
teleológico e histórico) para que o significado da norma não se afaste da
razoabilidade e da harmonia do sistema jurídico pátrio.........Cabe, dessa
forma, ás imunidades, principalmente em razão de sua finalidade, interpretação
ampliativa”.
Do ponto de vista jurisprudencial, no mesmo sentido, o
Supremo tribunal Federal em consonância com o pensamento doutrinário, expressa
que o elemento literal não basta para
solucionar casos concretos de isenções.A construção sistêmica será necessária,
caso a literalidade não seja adequada[14].
Isso posto, significa que as isenções terão uma
interpretação aproximada com o elemento literal, não fugindo do contexto de
outras espécies de interpretação, a exemplo da sistêmica, teleológica e
histórica. Por outro lado, as imunidades, que pela natureza extremamente ligada
a valores sociais e princípios constitucionais, também pela falta de regra
expressa, interpreta-se de modo amplo.
1.3 A
imunidade recíproca aplicada às estatais
As estatais são empresas públicas e sociedade de
economia mista, com personalidade jurídica de direito privado, criadas com o
objetivo de explorarem atividades econômicas em sentido estrito e em sentido
amplo.
Nessa ordem, as atividades econômicas em sentido
estrito, é toda prestação de serviços em concorrência com os particulares, nos
termos do artigo 173 da Constituição Federal. Por outro lado, serviços em
sentido amplo, é toda prestação de serviços públicos, nos termos da
Constituição Federal, artigo 175.
Dessarte,bebendo na fonte doutrinária, nos termos
conceituais de Marcelo Alexandrino e Vicente Paula, as empresas públicas e
sociedades de economia mistas têm as seguintes características:[15]
“As empresas públicas e sociedade de economia mista que
atuam na exploração de atividades econômicas (de produção ou comercialização de
bens ou prestação de serviços de natureza privada) são as entidades que, embora
integrantes da Administração Pública em sentido formal, mais se aproximam das
pessoas privadas. Somente se submetem a preceitos de direito público expressos
no próprio texto constitucional, ou em leis administrativas, desde que, nesse
caso, sejam derivados de normas constitucionais explicitas ou
implícitas.......As empresas públicas e sociedade de economia mista prestadoras
de serviços públicos, embora sejam, pessoas jurídicas de direito privado, estão
sujeitas a diversas regras e princípios de direito público, especialmente como
decorrência do postulado da continuidade dos serviços públicos.....Em face
dessa dualidade de atividades desempenhadas pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia
mista(exploração de atividade econômica ou prestação de serviços públicos)temos
regimes jurídicos distintos, a saber:
a)aquelas que dedicam á exploração de atividades econômicas
sujeitam-se predominantemente, sobretudo no exercício de suas atividades-fim,
ao regime jurídico próprio das empresas privadas, conforme o art. 173 da
Constituição Federal;
b)aquelas que se dedicam á prestação de serviços públicos
sujeitam-se predominantemente, sobretudo no exercício de suas atividades-fins,
ao regime jurídico de direito público,
nos termos do art.175 da Constituição Federal.
Por certo, consoante as preceituações doutrinária, temos
duas situações importantes, a saber: a criação de empresas públicas ou
sociedade de economia mista para prestar serviços públicos, as quais estão
sujeitas ao regime jurídico público, por conseguinte, gozam dos privilégios da
Administração Pública, dentre os quais os benéficos fiscais.
Noutra ponta, as empresas públicas e sociedade de economia
mista, criadas para executarem atividades econômicas de produção ou
comercialização. São regidas pelo direito privado, não gozam dos privilégios da
Administração Pública, participam da livre concorrência e sujeitam-se a mesma
carga tributária das empresas privadas.
Outro ponto que merece destaque diz respeito à forma
descentralizada de prestação dos serviços públicos, que nos termos do artigo
175 da Constituição Federal temos a concessão e a permissão, sempre através de
licitação (delegação). Também existe a autorização, nos termos do artigo 21,
incisos XI e XII, do mesmo diploma legal. Todavia, daremos ênfase a delegação e
outorga.
Nesse sentido, em conformidade a Alexandrino e Vicente,
na forma descentralizada os serviços serão prestados mediante outorga e
delegação, expressos da seguinte maneira:[16]
“[....] há criação por lei,ou autorização legal para
instituição, de uma entidade com personalidade jurídica própria, á qual é atribuída a titularidade da prestação
daquele serviço.Esta entidade pode ser uma autarquia, uma empresa pública, uma
sociedade de economia mista ou uma fundação pública.No caso de serviços
prestados por entidades da administração indireta, diz-se que há outorga do
serviço. A outorga será feita pela lei específica que crie ou autorize a
criação da entidade;a lei, desde logo, enumera as competências da entidade que
está sendo instituída , ou cuja criação está sendo autorizada.São exemplos de
serviços descentralizados prestados pela administração indireta:o serviço de
transporte ferroviário urbano prestado pela TRENSURB, empresa pública federal,o
serviço postal prestado pela ECT, empresa pública federal,os serviços de
abastecimento de água prestados por empresas públicas estaduais etc[....]A
delegação consiste em transferir ao particular, sempre temporariamente, a
incumbência de prestar, mediante remuneração, determinado serviço público. A
titularidade do serviço, em qualquer hipótese, permanece sendo do Poder
Público, que possui o poder dever de fiscalização da adequada prestação do serviço,
podendo, sempre que verificada alguma falta, nele intervir de diversas formas,
inclusive decretando a caducidade da
delegação, o que acarreta a reversão do serviço para ele, Poder Público.
Por último, eles enfatizam, nos seguintes termos:[17]
“Em síntese, entendemos que as empresas públicas e
sociedades de economia mista cuja criação tenha sido autorizada em lei para a
prestação de determinado serviço público prestam-no como titulares;receberam da
lei o serviço, por outorga; não são, nem
podem ser, concessionária ou permissionária desse mesmo serviço”
Assim, depois da contextualização doutrinária acerca dos
meios e formas de prestação de serviços públicos, fica cristalino o
entendimento de que as empresas públicas que prestam serviços por outorga, fazem
às vezes do Estado nos termos outorgados por lei e, portanto, são regidas pelo
direito público e gozam da imunidade recíproca, desse modo, suas rendas,
serviços e patrimônio não sofrerão qualquer obstáculo tributário.
A imunidade recíproca para as empresas que prestam
serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, é
reconhecida, pela doutrina e pelo Superior Tribunal de Federal(STF). Nesse
sentido, no pensar de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, temos a seguinte
contextualização para o §2° do art 150, da CRFB:[18]
“Em que pese à literalidade do citado §2° do art. 150-que
alude, tão-somente, a autarquias e fundações públicas - nossa Corte
Constitucional, em diversos julgados, decidiu que as empresas públicas e
sociedades de economia mista que prestem serviços públicos de prestação
obrigatória pelo Estado fazem jus á imunidade tributária recíproca. Essa
orientação – algo surpreendente – reforçou sobremaneira a constatação de que as
empresas públicas e sociedades de economia mista estão sujeitas a regimes
jurídicos significativamente distintos, conforme o seu objeto.
Sem dúvidas, a imunidade recíproca para as empresas
delegatárias(tem a outorga por lei) de serviços públicos, está em consonância
com os anseios sociais, preceitos e princípios consagrados pela Carta Maior,
visa prover a sociedade de serviços públicos essenciais e necessários.
Nessa esteira, a riqueza estatal está direcionada para
atingir fins públicos, não pode os entes políticos embaraçar os objetivos uns
dos outros com a exigência tributária, mesmo que a riqueza seja uma empresa que
faça às vezes do Estado e integre o patrimônio deste. Desse modo, abrangida
pela Imunidade recíproca está todas as empresas públicas e sociedade de
economia mista prestadoras de serviços públicos obrigatórios.
A expressão teórica de Sant Anna,justifica a imunidade
das delegatárias de serviços públicos, conforme se extrai das seguintes
considerações:[19]
“Portanto, o fato de serem entes estatais já garante á
imunidade recíproca a suas finalidades. Precisamente as dúvidas residem em quem
estará executando o serviço, auferindo renda, ou constituindo patrimônio não
for o ente político, mas entidades da administração indireta. Dessa forma, como
se compreende bens como as coisas de propriedade pública e integrantes do
serviço público, móveis e imóveis, corpóreos
ou não, inclusive complexos de coisas, como uma empresa ou um
estabelecimento, se quer que a imunidade tenha exatamente esse
alcance{......}Enfim, todos os meios de execuções operadas por essas pessoas ,
sob várias modalidades, para realização dos fins que a Constituição expressa ou
implicitamente comete, serão abrangidas pela imunidade recíproca”.
Dessa arte,diante do fato de serem entes estatais e
todas a ações estarem direcionadas para consecução dos fins públicos, oportuno
destacar que mesmo que tais empresas ou sociedades de economia mistas, que tem
a outorga para fazer as vezes do Estado, venham a prestarem algum outro serviço
que tenha natureza econômica,não preponderante,autorizado em lei, não deverão
sofrer qualquer embaraço tributário .A atividade preponderante é o serviços
público, uma minoria de outros serviços não desqualifica a condição de
outorgada e de imune.
Ora, se o texto Constitucional, no artigo 150,§3°,
expressa que não se aplicam as vedações ao patrimônio, á renda e aos serviços,
relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas
aplicáveis a empreendimentos privados, logo, por meio de uma interpretação
sistemática e sociológica, conclui-se que tem atividades econômicas regidas por
normas aplicáveis a empreendimentos públicos, desse modo, para estas situações
aplica-se a imunidade.
Em outra ponta de
explicação, a lei que outorga o serviço obrigatório, de modo a facilitar o
ônus, também autoriza outros serviços, desse modo, são tais situações regidas
pelo direito público, portanto, alcançadas pela imunidade recíproca.
O ponto de vista expresso anteriormente beseia-se nas
seguintes palavras do Carrazza:[20]
“Portanto, não é dado a uma pessoa política, por meio de
impostos, criar embaraços ou anular a ação de outra. E esta vedação cobre a
universalidade de seus bens, aí compreendidas as rendas advindas até mesmo de
preços públicos, bastando que sejam carreadas para a realização dos objetivos
que a Constituição lhe comete”
Por fim, a imunidade recíproca para as estatais
prestadoras de serviços públicos, como exemplo a ECT, se justifica por vários
motivos, dentre tantos, os que se segue:
a)
Não determinam livremente o valor da contraprestação,
que é regulada por lei ou por ato do Poder executivo;
b)
A contraprestação não é suficiente, não há equilíbrio
em muitas situações entre o custo da atuação estatal e o valor cobrado;
c)
Presta serviço por determinação constitucional ou por
força de lei, portanto, um serviço obrigatório, trata-se de um ônus a ser
cumprido com eficiência e continuidade; no caso da ECT, o ônus vai mais além,
necessário uma prestação universal, em todos os cantos do Brasil;
d)
As exigências fiscais acabariam por mutilar em parte, a
renda ou o patrimônio destas empresas, por conseqüência, criaria obstáculo ao
cumprimento das atividades públicas essenciais, pelas quais estas empresas
foram criadas;
e)
A imunidade recíproca para as estatais está em
consonância ao principio da isonomia e do princípio fundamental do pacto
federativo;
f)
Na prestação de serviços público as estatais são
administração pública, estarão sujeita ao regime jurídico administrativo, dessa
feita, tem as despesas fixadas, não gozam da flexibilidade dos particulares,
não almejam lucro como estes.
g)
A prestação do
serviço público visa à concretização de direitos fundamentais, no caso da ECT,
o sigilo da correspondência e a comunicação;
h)
O serviço púbico tem por fundamento a dignidade da
pessoa humana;
i)
O serviço público tem por foco a concretização de objetivos
fundamentais, a saber: garantir o desenvolvimento nacional; redução das
desigualdades sociais e regionais e promoção do bem de todos;
j)
No caso da ECT, a mesma goza da imunidade direta (da
mesma forma que a União) e da indireta (aquela das autarquias e fundações
instituídas e mantidas pelo poder público), nos termos do art. 12, do decreto
lei 509/69.
Nessa ordem de idéias, a Empresas Brasileira de Correios
e Telégrafos (EBCT), empresa pública, prestadora de serviços públicos postal,
nos termos da lei 6538/78 e artigo 21, inciso X da Constituição Federal, por
fazer às vezes do Estado, cujo capital pertence integralmente a União, está
abrangida pela imunidade recíproca, conforme exposições do próximo capítulo.
[1] COSTA. Regina Helena. Imunidades
Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. São Paulo: Editora
Malheiros, 2006, pg. 139
[2] ROCHA,
João Marcelo.Direito Tributário.Rio
de Janeiro:Editora ferreira, 2009, pg.211
[3] IBANÊZ.Andre Pereira.Imunidade
Tributária Recíproca a Experiência do Direito Norte Americano.Porto
Alegre:Livraria do Advogado,2010, pg.45
[4] FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira.Curso de Direito Constitucional.São Paulo:Editora Saraiva,
2007,pg.60 e 61.
[5] IBANÊZ, André Pereira.
Imunidade Tributária Recíproca a Experiência do Direito Norte americano.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010,pg.46
[6] CARRAZZA. Roque Antonio. A
imunidade tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços Públicos.
São Paulo: Editora Malheiros, 2004,pg.27.
[7] IBANÊZ, André Pereira.
Imunidade Tributária Recíproca a Experiência do Direito Norte americano.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010,pg.47
[8] PESTANA, Marcio. O Princípio
da Imunidade Tributária.São Paulo:Editora revistas dos Tribunais,2001,pg.82
[9] MACHADO, Hugo de Brito. Curso
de Direito Tributário. São Paulo: Editora Malheiros, 2010, pg. 121
[10] MACHADO, Hugo de Brito. Curso
de Direito Tributário. São Paulo: Editora Malheiros, 2010, pg. 300
[11] COSTA. Regina Helena. Imunidades
Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. São Paulo: Editora
Malheiros, 2006, pg. 115
[13] LEOPOLDO,Ana Caroline Kruger de Lima.A Interpretação das Imunidades.Porto Alegre:Livraria do Advogado
Editora, 2010,pg. 21
[14] “Em regra, a interpretação da
legislação tributária sobre isenção é restritiva, salvo quando, por construção
sistêmica, tal critério não atenda aos princípios posto no ordenamento jurídico
fiscal”( Recurso Especial N° 85.289\SP, realizado em 05\09\96, nos termos do
voto do Ministro José Delgado, relator).
[15] ALEXANDRINO, Marcelo e
PAULO,Vicente.Direito Administrativo
Descomplicado.São Paulo:Método, 2008,pg.78
[16] ALEXANDRINO, Marcelo e
PAULO,Vicente.Direito Administrativo
Descomplicado.São Paulo:Método, 2008,pg. 572 e 573
[17] ALEXANDRINO, Marcelo e
PAULO,Vicente.Op cit, pg. 84
[18] ALEXANDRINO, Marcelo e
PAULO,Vicente.Direito Administrativo
Descomplicado.São Paulo:Método, 2008,pg. 88
[19] SANT`ANNA, Carlos Soares.Imunidade
de Empresas Públicas Prestadoras de Serviços Públicos.São Paulo:MP Editora,
2005,pg 47.
[20] CARRAZZA. Roque Antonio. A imunidade tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços
Públicos. São Paulo: Editora Malheiros, 2004,pg 30.
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