Quinta-feira, 19 de maio de 2016
STF suspende eficácia da lei que autoriza uso da fosfoetanolamina
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STF suspende eficácia da lei que autoriza uso da fosfoetanolamina
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) deferiu nesta quinta-feira (19) medida liminar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5501 para suspender a eficácia da Lei
13.269/2016 e, por consequência, o uso da fosfoetanolamina sintética,
conhecida como “pílula do câncer”. A lei autoriza o uso da substância
por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
A Associação Médica Brasileira (AMB), autora da ação, sustenta que
diante da ausência de testes da substância em seres humanos e de
desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos
colaterais, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais
fundamentais como o direito à saúde (artigos 6° e 196), o direito à
segurança e à vida (artigo 5°, caput), e o princípio da dignidade da
pessoa humana (artigo 1°, inciso III).
Voto do relator
“Ao suspender a exigibilidade de registro sanitário da
fosfoetanolamina sintética, o ato atacado discrepa das balizas
constitucionais concernentes ao dever estatal de reduzir o risco de
doença e outros agravos à saúde dos cidadãos”, disse o relator, ministro
Marco Aurélio, em seu voto (leia a íntegra) pelo deferimento da liminar para suspender a eficácia da lei até o julgamento definitivo da ação.
O relator ressaltou que, ao dever do Estado de fornecer medicamentos à
população, contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela
qualidade e segurança dos produtos em circulação. O Congresso Nacional,
para o ministro, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle
prévio de viabilidade sanitária pela Anvisa, não cumpriu com o dever
constitucional de tutela da saúde da população. “O direito à saúde não
será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de
assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante
rigoroso crivo científico, apto a afastar desenganos, charlatanismos e
efeitos prejudiciais ao ser humano”.
Neste ponto, de acordo com o relator, há ofensa ao postulado da
separação de Poderes, uma vez que não cabe ao Congresso Nacional
viabilizar a distribuição de qualquer medicamento, mas sim, à Anvisa. O
ministro salienta que a aprovação do produto pela agencia é condição
para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais,
segundo o artigo 12 da Lei 6.360/1976. “Ante a ausência do registro, a
inadequação é presumida”.
“É no mínimo temerária – e potencialmente danosa – a liberação
genérica do medicamento sem a realização dos estudos clínicos
correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos
técnicos assertivos da viabilidade da substância para o bem-estar do
organismo humano. Salta aos olhos, portanto, a presença dos requisitos
para o implemento da medida acauteladora”, concluiu o relator.
Primeiro a acompanhar o relator, o ministro Luís Roberto Barroso
entendeu que a autorização de uso da fosfoetanolamina sintética
anteriormente à realização de testes necessários para comprovar que o
composto seja seguro e eficaz coloca em risco a saúde, o bem-estar e a
vida das pessoas, “em clara afronta ao direito à saúde”. Segundo ele,
também há, na hipótese, violação à reserva de administração, uma vez
que, ao autorizar o uso da fosfoetanolamina sem cumprimento das
exigências legais de realização de testes clínicos e de registro
sanitário, “o Poder Legislativo substitui o juízo essencialmente técnico
da Anvisa, por um juízo político, interferindo de forma indevida em
procedimento de natureza tipicamente administrativo”.
De acordo com o ministro Teori Zavascki, a atividade em questão
pertence ao Poder Executivo, por essa razão ele considerou relevante a
alegação de inconstitucionalidade. “É certo que o legislador pode
disciplinar a matéria. O Sistema Único de Saúde (SUS) atua nos termos da
lei, todavia, não parece constitucionalmente legítimo que o legislador,
além de legislar, assuma para si uma atividade tipicamente executiva”,
disse o ministro, ao votar pela concessão da liminar.
No mesmo sentido, votou o ministro Luiz Fux. Ele observou que a
utilização do composto pode apresentar um perigo inverso, uma vez que
não há uma aferição exata das consequências do uso dessa substância, com
possível violação ao direito à saúde e a uma vida digna. O ministro
citou parecer da Anvisa, segundo o qual, o uso da fosfoetanolamina pode
favorecer o abandono de tratamentos prescritos pela medicina
tradicional, os quais podem beneficiar ou curar a doença.
A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o relator. De acordo
com ela, os médicos são unânimes no sentido de que há riscos na
utilização do composto e alegam que ainda não se conhecem os seus
efeitos colaterais. “Acho que a interpretação conforme a Constituição
liberaria de forma ampla e geral [o uso da substância] e sem os cuidados
previstos pela Resolução nº 38, da Anvisa, que estabelece como um dever
da própria agência a verificação de quais pacientes podem se submeter
ao uso desse medicamento”, ressaltou a ministra, ao acrescentar que a
concessão da liminar é “para que não se veja na pílula do câncer mais
uma pílula de engano para quem já está sofrendo com o desengano”.
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, uniu-se à maioria
pelo deferimento da liminar. Segundo ele, permitir ao parlamento
legislar na área da farmacologia abre um precedente “extremamente
perigoso”, que coloca em risco a própria saúde da população. “Não me
parece admissível que hoje o Estado – sobretudo no campo tão sensível
que é o campo da saúde, que diz respeito à vida e à dignidade da
pessoa – possa agir irracionalmente, levando em conta razões de ordem
metafísica ou fundado em suposições que não tenham base em evidências
científicas”, destacou.
Divergência
Para o ministro Edson Fachin, o primeiro a divergir da conclusão do
relator, na dimensão estrita do estágio terminal, a lei em questão é
aplicável quando não houver outras opções eficazes. “Em tais casos, pode
o Congresso Nacional, no exercício da sua competência privativa para
regular o funcionamento do Sistema Único de Saúde, reconhecer o direito
de pacientes terminais agirem, ainda que tendo que assumir riscos
desconhecidos, em prol de um mínimo de qualidade de vida”, afirmou.
Segundo Fachin, a Anvisa não detém competência privativa para
autorizar a comercialização de toda e qualquer substância. O ministro
entende que o Congresso pode autorizar a produção dispensando o registro
em situações excepcionais. O ministro votou pela concessão parcial do
pedido, a fim de dar interpretação conforme a Constituição Federal ao
artigo 2º da Lei 13.269/2016 e reconhecer o uso da fosfoetanolamina
sintética por pacientes terminais.
A ministra Rosa Weber acompanhou a divergência, votando pela
concessão parcial da medida liminar, para conceder ao tema interpretação
conforme a Constituição, a fim de que fosse liberada a utilização do
composto nos casos de pacientes terminais. “Essa questão, em última
análise, envolve alguns casos nos quais será retirada a última esperança
de quem tem tão pouca esperança”, disse, ao acrescentar que, por vezes,
uma esperança de cura leva a resultados satisfatórios, pelo menos no
que diz respeito à qualidade de vida.
O ministro Dias Toffoli também votou pela possibilidade de permitir o
acesso ao medicamento para os pacientes terminais. Conforme o ministro,
o mérito administrativo de segurança e eficácia, que é da Anvisa, não
pode ser invadido pelo Poder Judiciário. “Nós não temos competência para
avaliar se um medicamento é seguro ou eficaz”, avaliou o ministro.
Em seguida, da mesma forma, votou o ministro Gilmar Mendes. “Não vejo
aqui, como plausível, o argumento da violação da reserva de iniciativa e
nem a prerrogativa do Executivo para legislar sobre a matéria, tanto é
que essa legislação toda que hoje disciplina o SUS pode ser alvo de
alteração por parte do legislador ordinário, inclusive no que diz
respeito à iniciativa”, destacou. Ele considerou que o Supremo, ao
suspender a norma questionada, pode estar produzindo uma situação que
vai estimular a judicialização da questão.
SP,EC/CRLeia mais:
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