A
Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a
agravo de um grupo de microempresários, políticos, advogados e policiais
condenados pela Justiça do Trabalho por exploração sexual comercial de
trabalho infantil. O relator, ministro Hugo Carlos Scheuermann, refutou a
alegação do grupo de que a Justiça do Trabalho não seria competente
para julgar o caso, por se tratar de relação de consumo."Lamento muito
ter de relatar um processo dessa natureza, onde se vê a repugnante
exploração sexual de crianças e adolescentes, mas é dever de ofício",
afirmou o relator na sessão de julgamento.
Rede de exploração
Em
ação civil pública, o MPT denunciou 13 pessoas que integrariam uma rede
organizada de exploração sexual infanto-juvenil de meninas de 13 a 17
anos. A rede, baseada na cidade de Sapé (PB), envolvia ainda "uma horda
de clientes, aliciadores e instrumentadores" e atraía pessoas de outras
cidades próximas, com a conivência de motéis da região. O caso foi
objeto também de processo penal deflagrado pelo Ministério Público
Estadual.
Na Justiça do Trabalho, o MPT sustentou que a exploração sexual de crianças e adolescentes é conduta tipificada pela Convenção 182
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil,
como forma de trabalho infantil desumana e cruel, com sérios gravames
não só em relação às vitimas diretas, mas à sociedade de um modo geral.
Ressaltou o impacto coletivo e a natureza transindividual do dano. No
mérito, pedia a condenação solidária de todos os citados no valor de R$
1,5 milhão.
Relação de consumo X trabalho
O
juízo da 1ª Vara do Trabalho de Santa Rita (PB) afastou por duas vezes a
competência da Justiça do Trabalho, e determinou a remessa dos autos
para uma das Varas Cíveis da Comarca de Sapé. A sentença identificava a
existência de relação de trabalho apenas entre a aliciadora e as meninas
exploradas, mas não em relação aos clientes que solicitavam seus
serviços. "Essa relação, embora de objeto ilícito, por se tratar de
prostituição de menores, não é uma relação de trabalho, mas de consumo",
afirmou.
Condenação
O
Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB), ao julgar recurso do
MPT, rechaçou a tese de que se tratava de relações de consumo, "mas
típicas e ilícitas formas de exploração do trabalho sexual infantil da
mulher, em condições análogas às de escravas". Ao reconhecer a
competência da Justiça do Trabalho, o TRT destacou que o Ministério do
Trabalho e Previdência Social (MTPS) incluiu a atividade de prestação de
serviços sexuais no catálogo Classificação Brasileiro de Ocupações
(código 5198-05), reconhecendo-a, portanto, como trabalho. "Os litígios
dela decorrentes, notadamente aqueles que envolvem a exploração do
trabalho sexual infantil, por óbvio, atraem a competência da Justiça do
Trabalho", afirma o acórdão.
O Regional fundamentou a decisão ainda na Convenção 182 da OIT, ratificada pelo Brasil pelo Decreto 3.597/2000.
"A legislação brasileira, ao incorporar a Resolução da OIT, indica como
de ‘trabalho', e não como de ‘consumo', a exploração da prostituição
infantil, o que já atrai a competência da Justiça do Trabalho, senão
pelo inciso I, mas também pelo inciso IX do artigo 114 da Constituição da República", assinalou.
A
condenação baseou-se ainda em depoimentos que revelaram que os réus
poderiam procurar as garotas e pagar-lhes diretamente o preço acertado
pelo serviço sexual prestado. "Levando-se em consideração a gravidade
dos fatos praticados, a idade dos explorados, a modalidade da
exploração, e o indubitável abalo moral e da honra das menores
exploradas, fixo a indenização no valor de R$ 500 mil em desfavor dos
réus, de forma solidária, a ser paga em favor do Fundo Municipal da
Infância e da Juventude de Sapé/PB", concluiu o Regional.
TST
No
recurso ao TST, os condenados insistiram na incompetência da Justiça do
Trabalho. Afirmaram que "nem de longe se visualiza qualquer relação de
trabalho", e que as relações mercantis de cunho sexual "encontram-se bem
mais próximas das relações de consumo".
O
ministro Hugo Scheuermann (foto), porém, rechaçou a argumentação. Ele
destacou que a Convenção 182 da OIT, que conceitua a utilização, o
recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição como uma das
piores formas de trabalho infantil (artigo 3º, alínea "b"), tem status
de norma supralegal, de hierarquia superior, inclusive, ao Código de Defesa do Consumidor.
Scheuermann
citou diversas definições doutrinárias no sentido de que a atividade
sexual explorada comercialmente por terceiros, mediante remuneração,
caracteriza relação de trabalho – "trabalho forçado, diante do vício de
consentimento, ilícito e degradante, mas trabalho", afirmou. Para o
relator, "não há como considerar a exploração sexual de crianças e
adolescentes como uma relação de consumo, sob pena de afronta a
princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana".
O
ministro registrou ainda que a ilicitude do objeto impede o
reconhecimento de vínculo de emprego, mas não afasta a competência da
Justiça do Trabalho. Como exemplo, cita diversas decisões do TST
relativas à prestação de serviços para o jogo do bicho, objeto da Orientação Jurisprudencial 199 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST.
A
decisão foi unânime na Primeira Turma. O presidente do colegiado,
ministro Walmir Oliveira da Costa, chamou atenção para a gravidade dos
fatos. "Não existe relação de consumo, é uma relação de trabalho
promíscua, penalmente punível, vedada tanto pela Constituição quanto
pelo Código Penal", afirmou. O desembargador Marcelo Lamego Pertence
parabenizou o MPT pela iniciativa da propositura da ação e manifestou
surpresa "pela resistência da primeira instância em reconhecer a
competência da Justiça do Trabalho, acolhendo a tese da relação de
consumo".
Após a publicação do acórdão, houve oposição de embargos declaratórios, ainda não examinados pela Turma.
(Carmem Feijó)
O número do processo foi omitido para preservar a intimidade das pessoas envolvidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fale a verdade.