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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

STJ: Informativo nº 724 14 de fevereiro de 2022.

 Informativo nº 724

14 de fevereiro de 2022.
PRIMEIRA SEÇÃO
Processo

CC 174.764-MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 09/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Conflito negativo de competência. Juízos estadual e federal. Ação de improbidade administrativa ajuizada por ente municipal. Prestação de contas de verbas federais. Mitigação das súmulas 208/STJ e 209/STJ. Competência cível da Justiça Federal absoluta em razão da pessoa. Art. 109, I, da CF. Ausência de ente federal em qualquer dos polos da relação processual. Competência da Justiça Estadual.

DESTAQUE

Nas ações de improbidade administrativa, a competência da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da Constituição Federal na relação processual, e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização da Tribunal de Contas da União.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, o ente municipal ajuizou ação de improbidade administrativa, em razão de irregularidades na prestação de contas de verbas federais decorrentes de convênio.

A competência para processar e julgar ações de ressarcimento ao erário e de improbidade administrativa, relacionadas à eventuais irregularidades na utilização ou prestação de contas de repasses de verbas federais aos demais entes federativos, estava sendo dirimida por esta Corte Superior sob o enfoque das Súmulas 208/STJ ("Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal") e 209/STJ ("Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal").

O art. 109, I, da Constituição Federal prevê, de maneira geral, a competência cível da Justiça Federal, delimitada objetivamente em razão da efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual. Estabelece, portanto, competência absoluta em razão da pessoa (ratione personae), configurada pela presença dos entes elencados no dispositivo constitucional na relação processual, independentemente da natureza da relação jurídica litigiosa.

Por outro lado, o art. 109, VI, da Constituição Federal dispõe sobre a competência penal da Justiça Federal, especificamente para os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, entidades autárquicas ou empresas públicas. Assim, para reconhecer a competência, em regra, bastaria o simples interesse da União, inexistindo a necessidade da efetiva presença em qualquer dos polos da demanda.

Nesse contexto, a aplicação dos referidos enunciados sumulares, em processos de natureza cível, tem sido mitigada no âmbito deste Tribunal Superior. A Segunda Turma afirmou a necessidade de uma distinção (distinguishing) na aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, no âmbito cível, pois tais enunciados provêm da Terceira Seção deste Superior Tribunal, e versam hipóteses de fixação da competência em matéria penal, em que basta o interesse da União ou de suas autarquias para deslocar a competência para a Justiça Federal, nos termos do inciso IV do art. 109 da CF. Logo adiante concluiu que a competência da Justiça Federal, em matéria cível, é aquela prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, que tem por base critério objetivo, sendo fixada tão só em razão dos figurantes da relação processual, prescindindo da análise da matéria discutida na lide (REsp 1.325.491/BA, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 05/06/2014, DJe 25/06/2014).

Assim, nas ações de ressarcimento ao erário e improbidade administrativa ajuizadas em face de eventuais irregularidades praticadas na utilização ou prestação de contas de valores decorrentes de convênio federal, o simples fato das verbas estarem sujeitas à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal.

O Supremo Tribunal Federal já afirmou que o fato dos valores envolvidos transferidos pela União para os demais entes federativos estarem eventualmente sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União não é capaz de alterar a competência, pois a competência cível da Justiça Federal exige o efetivo cumprimento da regra prevista no art. 109, I, da Constituição Federal.

Igualmente, a mera transferência e incorporação ao patrimônio municipal de verba desviada, no âmbito civil, não pode impor de maneira absoluta a competência da Justiça Estadual. Se houver manifestação de interesse jurídico por ente federal que justifique a presença no processo, (v.g. União ou Ministério Público Federal) regularmente reconhecido pelo Juízo Federal nos termos da Súmula 150/STJ, a competência para processar e julgar a ação civil de improbidade administrativa será da Justiça Federal.

Em síntese, é possível afirmar que a competência cível da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual, seja como autora, ré, assistente ou oponente e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização da Corte de Contas da União.

No caso, não figura em nenhum dos pólos da relação processual ente federal indicado no art. 109, I, da Constituição Federal, o que afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar a referida ação. Ademais, não existe nenhuma manifestação de interesse em integrar o processo por parte de ente federal e o Juízo Federal consignou que o interesse que prevalece restringe-se à órbita do Município autor, o que atrai a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda.

SEGUNDA SEÇÃO
Processo

Rcl 41.569-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Reclamação. Indeferimento inicial. Comparecimento espontâneo. Angularização. Relação processual. Honorários advocatícios. Cabimento.

DESTAQUE

É cabível condenação em honorários advocatícios no julgamento de reclamação indeferida liminarmente na qual a parte comparece espontaneamente para apresentar defesa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, a jurisprudência se firmou no sentido de que a reclamação possui natureza de ação, prevendo o artigo 989, III, do referido Código, a angularização da relação processual, com a citação do beneficiário, que passou a ter um tratamento semelhante ao da parte, podendo promover a defesa de seus interesses, com a consequente condenação ao pagamento de honorários de acordo com a sucumbência.

Assim, na hipótese de indeferimento inicial da reclamação, é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que a relação processual não se aperfeiçoou, não sendo cabível a condenação em honorários.

É preciso diferenciar, porém, o simples indeferimento da inicial daquelas situações em que o reclamante ingressa com recurso contra a decisão que indefere a petição inicial ou contra a que julga o pedido improcedente liminarmente.

Com efeito, de acordo com o artigo 331 do CPC/2015, nas hipóteses em que a petição inicial é indeferida e contra essa decisão é interposta apelação, não havendo reconsideração, o réu é citado ou, se já tiver comparecido aos autos, é intimado para apresentar defesa e, sendo mantida a decisão, é cabível a condenação em honorários.

Assim, trazendo a situação para a reclamação, uma vez interposto recurso contra decisão que liminarmente indeferiu a petição inicial, não sendo o caso de reconsideração, o beneficiário que comparecer aos autos, apresentando contrarrazões, faz jus ao recebimento de honorários advocatícios.

TERCEIRA SEÇÃO
Processo

RHC 82.233-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 09/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Dados fiscais. Requisição pelo Ministério Público. Autorização judicial. Ausência. Ilegalidade.

DESTAQUE

É ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 1.055.941/SP, em sede de repercussão geral, firmou a orientação de que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional (Tema 990).

Da leitura desatenta da ementa do julgado, poder-se-ia chegar à conclusão de que o entendimento consolidado autorizaria a requisição direta de dados pelo Ministério Público à Receita Federal, para fins criminais. No entanto, a análise acurada do acórdão demonstra que tal conclusão não foi compreendida no julgado, que trata da Representação Fiscal para fins penais, instituto legal que autoriza o compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários após devido procedimento administrativo fiscal.

Assim, a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. Ainda, as poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade.

Em um estado de direito não é possível se admitir que órgãos de investigação, em procedimentos informais e não urgentes, solicitem informações detalhadas sobre indivíduos ou empresas, informações essas constitucionalmente protegidas, salvo autorização judicial.

Uma coisa é órgão de fiscalização financeira, dentro de suas atribuições, identificar indícios de crime e comunicar suas suspeitas aos órgãos de investigação para que, dentro da legalidade e de suas atribuições, investiguem a procedência de tais suspeitas. Outra, é o órgão de investigação, a polícia ou o Ministério Público, sem qualquer tipo de controle, alegando a possibilidade de ocorrência de algum crime, solicitar ao COAF ou à Receita Federal informações financeiras sigilosas detalhadas sobre determinada pessoa, física ou jurídica, sem a prévia autorização judicial.

Assim, é ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais pelo Ministério Público.

Processo

CC 184.269-PB, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 09/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Injúria. Internet. Utilização do instagram direct. Caráter privado das mensagens. Indisponibilidade para acesso de terceiros. Consumação. Local em que a vítima tomou ciência das ofensas.

DESTAQUE

O crime de injúria praticado pela internet por mensagens privadas, as quais somente o autor e o destinatário têm acesso ao seu conteúdo, consuma-se no local em que a vítima tomou conhecimento do conteúdo ofensivo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que no caso de delitos contra a honra praticados por meio da internet, o local da consumação do delito é aquele onde incluído o conteúdo ofensivo na rede mundial de computadores.

Contudo, tal entendimento diz respeito aos casos em que a publicação é possível de ser visualizada por terceiros, indistintamente, a partir do momento em que veiculada por seu autor.

Na situação em análise, embora tenha sido utilizada a internet para a suposta prática do crime de injúria, o envio da mensagem de áudio com o conteúdo ofensivo à vítima ocorreu por meio de aplicativo de troca de mensagens entre usuários em caráter privado, denominado instagram direct, no qual somente o autor e o destinatário têm acesso ao seu conteúdo, não sendo acessível para visualização por terceiros, após a sua inserção na rede de computadores.

Portanto, no caso, aplica-se o entendimento geral de que o crime de injúria se consuma no local onde a vítima tomou conhecimento do conteúdo ofensivo.

SEGUNDA TURMA
Processo

AREsp 1.510.988-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022, DJe 10/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Concessionária de serviço público. Faixa de domínio. Cobrança pelo uso da faixa de domínio por outra concessionária que explora serviço público diverso. Possibilidade. Previsão no contrato de concessão. Imprescindibilidade.

DESTAQUE

As concessionárias de serviço público podem efetuar a cobrança pela utilização de faixas de domínio por outra concessionária que explora serviço público diverso, desde que haja previsão no contrato de concessão.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Primeira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp 985.695/RJ, na qual o acórdão embargado entendera, em razão do Decreto n. 84.398/1980, pela impossibilidade de cobrança de concessionária de distribuição de energia elétrica pelo uso de faixa de domínio de rodovia estadual concedida - concluiu, dando provimento aos Embargos de Divergência, no sentido de que "poderá o poder concedente, na forma do art. 11 da Lei n. 8.987/1995, prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas" (STJ, EREsp 985.695/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe de 12/12/2014), desde que haja previsão no contrato da concessão de rodovia.

Por oportuno, vale destacar que o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 581.947/RO - Tema 261 da Repercussão Geral (STF, RE 581.947/RO, Rel. Ministro Eros Grau, Pleno, DJe de 21/05/2010) -, não tem o condão de alterar o resultado do julgamento do presente feito. Com efeito, o STF delimitou a controvérsia jurídica, esclarecendo que "o decisum dispõe sobre a impossibilidade de cobrança de taxa, espécie de tributo, pelos municípios em razão do uso do espaço público municipal" por concessionária de fornecimento de energia elétrica, reconhecendo a inconstitucionalidade de cobrança da aludida taxa, pelo Município de Ji-Paraná.

No caso, registrou o acórdão recorrido que consta "no edital e contrato de concessão, a possibilidade de 'Cobrança pelo uso da faixa de domínio público, inclusive por outras concessionárias de serviço público, permitida pela legislação em vigor'".

Processo

REsp 1.592.380-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022, DJe 10/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Aposentadoria. Conversão de tempo especial em comum. Certidão do tempo de contribuição do RGPS. Servidor público. Contagem recíproca. Regime próprio de previdência. Até a EC 103/2019. Possibilidade. Tema 942/STF. Juízo de retratação.

DESTAQUE

Até a edição da EC 103/2019, é admissível, aos servidores públicos, a conversão do tempo de serviço especial em comum objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso pretende-se a conversão de tempo especial em comum, com ulterior emissão de certidão por tempo de contribuição, para se utilizar do tempo de serviço exercido no Regime Geral da Previdência Social - RGPS na aposentadoria no Regime Próprio de Previdência Social - RPPS.

Contudo, a jurisprudência do STJ, por meio do julgamento do EREsp n. 524.267/PB, relator Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 24/3/2014, sedimentou o entendimento de que, objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, em razão da expressa vedação legal (arts. 4º, I, da Lei n. 6.226/1975 e 96, I, da Lei n. 8.213/1991).

Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 1.014.286 (Tema 942), com repercussão geral reconhecida, encerrado na sessão de 31/8/2020, enfrentou essa questão jurídica, firmando tese contrária à fixada pela Terceira Seção do STJ, para reconhecer que "até a edição da EC 103/2019, não havia impedimento à aplicação, aos servidores públicos, das regras do RGPS para a conversão do período de trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física em tempo de atividade comum".

Dessa forma, é forçoso realinhar o entendimento desta Corte Superior e, nos termos do art. 1.040 do CPC/2015, fazer a devida adequação ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema n. 942.

TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.966.556-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

  • Igualdade de gênero
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Imóvel em condomínio. Posse direta e exclusiva exercida por um dos condôminos. Privação de uso e gozo do bem por coproprietário em virtude de medida protetiva contra ele decretada. Arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo da coisa pela vítima de violência doméstica e familiar. Descabimento.

DESTAQUE

Incabível o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir a possibilidade de arbitramento de aluguel, pelo uso exclusivo e gratuito de imóvel comum indiviso por um dos condôminos, em favor de coproprietário que foi privado do uso e gozo do bem devido à decretação judicial de medida protetiva em ação penal proveniente de suposta prática de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher.

A jurisprudência desta Corte Superior, alicerçada no art. 1.319 do Código Civil de 2002 (equivalente ao art. 627 do revogado Código Civil de 1916), assenta que a utilização ou a fruição da coisa comum indivisa com exclusividade por um dos coproprietários, impedindo o exercício de quaisquer dos atributos da propriedade pelos demais consortes, enseja o pagamento de indenização àqueles que foram privados do regular domínio sobre o bem, tal como o percebimento de aluguéis.

Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar obrigação pecuniária consistente em locativo pelo uso exclusivo e integral do bem comum, na dicção do art. 1.319 do CC/2002, constituiria proteção insuficiente aos direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade, além de ir contra um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de promoção do bem de todos sem preconceito de sexo, sobretudo porque serviria de desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para rechaçar a violência contra ela praticada, como assegura a Constituição Federal em seu art. 226, § 8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão indenizatória em tais casos.

Ao ensejo, registre-se que a interpretação conforme a constituição de lei ou ato normativo, atribuindo ou excluindo determinado sentido entre as interpretações possíveis em alguns casos, não viola a cláusula de reserva de plenário, consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 572.497 AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau, DJ 11/11/2008, e no RE 460.971, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/3/2007 (ambos reproduzindo o entendimento delineado no RE 184.093/SP, Rel. Moreira Alves, publicado em 29/4/1997).

Outrossim, a imposição judicial de uma medida protetiva de urgência - que procure cessar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e implique o afastamento do agressor do seu lar - constitui motivo legítimo a que se limite o domínio deste sobre o imóvel utilizado como moradia conjuntamente com a vítima, não se evidenciando, assim, eventual enriquecimento sem causa, que legitime o arbitramento de aluguel como forma de indenização pela privação do direito de propriedade do agressor.

Portanto, afigura-se descabido o arbitramento de aluguel, com base no disposto no art. 1.319 do CC/2002, em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor, seja pela desproporcionalidade constatada em cotejo com o art. 226, § 8º, da CF/1988, seja pela ausência de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/2002).

Processo

REsp 1.968.143-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Consumo e produção responsáveis
Tema

Ação de indenização por danos morais e materiais. Ingestão de produto contendo corpo estranho. Fato do produto. Responsabilidade solidária. Inexistência. Acordo celebrado com o comerciante. Extensão às fabricantes. Impossibilidade. Art. 844, § 3º, do Código Civil. Inaplicabilidade.

DESTAQUE

A inexistência de responsabilidade solidária por fato do produto entre os fornecedores da cadeia de consumo impede a extensão do acordo feito por um réu em benefício do outro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se o acordo firmado por um dos réus, em ação indenizatória ajuizada com base no Código de Defesa do Consumidor, deve aproveitar aos demais corréus, a teor do que dispõe o § 3º do art. 844 do Código Civil, ao fundamento de se tratar de responsabilidade solidária.

O caso trata de ingestão parcial de produto contaminado, tendo em vista que a parte consumiu parte de um suco contendo um corpo estranho em seu interior.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que "a presença de corpo estranho em alimento industrializado excede aos riscos comumente esperados pelo consumidor em relação a esse tipo de produto, caracterizando-se, portanto, como um defeito, a permitir a responsabilização do fornecedor. De fato, no atual estágio de desenvolvimento da tecnologia - e do próprio sistema de defesa e proteção do consumidor -, é razoável esperar que um alimento, após ter sido processado e transformado industrialmente, apresente, ao menos, adequação sanitária, não contendo em si substâncias, partículas ou patógenos agregados durante o processo produtivo e de comercialização, com potencialidade lesiva à saúde do consumidor" (REsp n. 1.899.304/SP, Segunda Seção, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 4/10/2021).

Em outras palavras, a Segunda Seção da Corte Superior decidiu que a existência de corpo estranho em produtos alimentícios, como no caso, configura hipótese de fato do produto (defeito), previsto nos arts. 12 e 13 do Código de Defesa do Consumidor, não se tratando de vício do produto (CDC, art. 18 e seguintes).

Essa diferenciação é importante para analisar a existência ou não de solidariedade entre as rés.

É que, em relação à responsabilidade por vício do produto ou serviço, o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor não faz qualquer diferenciação entre os fornecedores, estabelecendo a responsabilidade solidária de todos eles.

Percebe-se que a regra geral acerca da responsabilidade pelo fato do produto é objetiva e solidária entre o fabricante, o produtor, o construtor e o importador, a teor do art. 12 do CDC. Ou seja, todos os fornecedores que integram a cadeia de consumo irão responder conjuntamente independentemente de culpa.

Ocorre que, ao tratar da responsabilidade do comerciante pelo fato do produto, o Código de Defesa do Consumidor disciplinou de forma diversa, estabelecendo a responsabilidade subsidiária, conforme se verifica do disposto no art. 13, incisos I a III, do CDC.

Isto é, o comerciante somente será responsabilizado pelo fato do produto ou serviço quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados (incisos I e II) ou quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis (inciso III).

Em conclusão, inexistindo responsabilidade solidária não há que se falar em extensão do acordo feito por um réu em benefício do outro, tendo em vista a inaplicabilidade da regra do art. 844, § 3º, do Código Civil.

Processo

REsp 1.668.676-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 08/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PREVIDENCIÁRIO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Pretensão de complementação de aposentadoria privada. Banco do Brasil. Portaria n. 966/1947. Estabelecimento de novo regramento jurídico. Prescrição do fundo de direito.

DESTAQUE

A demanda de complementação de aposentadoria nos termos da Portaria n. 966/1947 do Banco do Brasil configura pretensão de outro benefício previdenciário, sendo hipótese de reconhecimento da prescrição do fundo de direito.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em decidir sobre o termo inicial do prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança de complementação de aposentadoria privada de ex-funcionários do Banco do Brasil S/A, bem como sobre o direito ao recebimento da referida verba, nos termos da Portaria n. 966, de 06/05/1947, sem prejuízo do benefício pago pela Previ.

No que tange à prescrição, apesar da alegação de que se trata de obrigação de trato sucessivo, em que a violação do direito se renova a cada mês, tem-se que a pretensão diz respeito ao próprio direito material à complementação de aposentadoria e não apenas aos seus efeitos pecuniários, atingindo o fundo de direito, e, por isso, a contagem do prazo se inicia a partir da sua efetiva violação, não se aplicando, pois, a súmula 85/STJ.

Isso porque a supressão do benefício deu-se com a implementação do novo regramento jurídico noticiado na Circular n. 351/1966, qual seja, 15/4/1967, data de início da contagem do prazo prescricional, pois foi quando deu-se ciência da supressão, pelo Banco do Brasil S/A, do direito à complementação de aposentadoria nos moldes do que estabelecia a Portaria n. 966, de 15/04/1947.

SEXTA TURMA
Processo

HC 626.983-PR, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF da 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Marco Civil da Internet. Arts. 13, §2º e 15, §2º, da Lei n. 12.965/2014. Provedores e plataformas dos registros de conexão e registros de acesso a aplicações de internet. Ministério Público. Requerimento cautelar de guarda dos dados e conteúdos por período determinado além do prazo legal. Prévia autorização judicial. Desnecessidade. Efetivo acesso dependente de ordem judicial.

DESTAQUE

O requerimento de simples guarda dos registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão por prazo superior ao legal, feito por autoridade policial, administrativa ou Ministério Público, prescinde de prévia autorização judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Controverte-se sobre a possibilidade de preservação do conteúdo telemático junto aos provedores de interneta pedido do Ministério Público, sem autorização judicial.

A Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) dispõe que "a guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet", nela tratados, "bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas" (art. 10).

Mas ressalva que o provedor responsável pela guarda está obrigado a disponibilizar os registros (de conexão e de acesso a aplicações da internet), mediante ordem judicial (art. 10, §§ 1º e 2º), com a finalidade de "formar conjunto probatório em processo judicial cível ou criminal, em caráter incidental ou autônomo" (art.22), a pedido da parte interessada, desde que haja "indícios fundados da ocorrência do ilícito", "justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória" e "período ao qual se referem os registros" (art. 22, incisos I, II e III).

Trata-se de matéria que recebe tratamento específico da Lei n. 12.965/2014, ao dispor que constitui dever jurídico do administrador do respectivo sistema autônomo manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano (art. 13); e, do provedor de aplicações de internet, por sua vez, manter os registros de acesso, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses (art. 15).

Dispõe, ainda, que a autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente que os registros de conexão sejam guardados por prazo superior a 1 (um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplicações de internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º), devendo, nas duas situações, e no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do requerimento administrativo, ingressar com o pedido de autorização judicial de acesso aos (dois) registros (arts. 13, § 3º, e 15, § 2º):

Nesse ponto, ao dispor que a autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente - que os registros de conexão sejam guardados por prazo superior a 1 (um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplicações de internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º) -, a Lei disse menos do que pretendia.

É que, quem requer alguma coisa, pura e simplesmente pode tê-la deferida ou não, e, no caso, até mesmo pelo uso do termo "cautelarmente", seguido da previsão de pedido judicial de acesso no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do requerimento administrativo, sob pena de caducidade, tem-se que o administrador de sistema autônomo e o provedor de aplicações de internet estariam obrigados a atender às solicitações da autoridade policial, administrativa ou do Ministério Público, para que os registros sejam guardados por prazo superior.

Disso se infere que, no caso, o pedido de "congelamento" de dados pelo Ministério Público não precisa necessariamente de prévia decisão judicial para ser atendido pelo provedor, mesmo porque - e esse é o ponto nodal da discussão, visto em face do direito à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes (CF, art. 5º, X, e Lei n. 12.965/2014, art. 10) - não equivale a que o requerente tenha acesso aos dados "congelados" sem ordem judicial.

A jurisprudência do STF tem afirmado que o inciso XII do art. 5º da Constituição protege somente o sigilo das comunicações em fluxo (troca de dados e mensagens em tempo real), e que o sigilo das comunicações armazenadas, como depósito registral, é tutelado pela previsão constitucional do direito à privacidade do inciso X do art. 5º (HC 91.867, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 24/04/2012).

Mas, em verdade, a disponibilização ao requerente dos registros de que trata a Lei n. 12.965/2014 (dados intercambiados), em atenção à referida cláusula constitucional, deverá ser precedida de autorização judicial, sendo estabelecido, inclusive, um prazo de 60 dias, contados a partir do requerimento de preservação dos dados, para que o Ministério Público ingresse com esse pedido de autorização judicial de acesso aos registros, sob pena de caducidade (art.13, § 4º).

Por fim, frisa-se que o normativo em questão, a fim de viabilizar investigações criminais, que, normalmente, são de difícil realização em ambientes eletrônicos, tornou mais eficiente o acesso a dados e informações relevantes ao possibilitar que o Ministério Público, diretamente, requeira ao provedor apenas a guarda, em ambiente seguro e sigiloso, dos registros de acesso a aplicações de internet, mas a disponibilização ao requerente dos conteúdos dos registros - dados cadastrais, histórico de pesquisa, todo conteúdo de e-mail e iMessages, fotos, contatos e históricos de localização etc. - deve sempre ser precedida de autorização judicial devidamente fundamentada.

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