Corte Especial
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PROVA EMPRESTADA ENTRE PROCESSOS COM PARTES DIFERENTES.
É
admissível, assegurado o contraditório, prova emprestada de processo do
qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será
trasladada. A grande valia da prova
emprestada reside na economia processual que proporciona, tendo em vista
que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico
conteúdo. Igualmente, a economia processual decorrente da
utilização da prova emprestada importa em incremento de eficiência, na
medida em que garante a obtenção do mesmo resultado útil, em menor
período de tempo, em consonância com a garantia
constitucional da duração razoável do processo, inserida na CF pela EC
45/2004. Assim, é recomendável que a prova emprestada seja utilizada
sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do
contraditório. Porém, a prova emprestada não pode se restringir a
processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir
excessivamente sua aplicabilidade sem justificativa razoável para isso.
Assegurado
às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se
insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, o empréstimo será
válido. EREsp 617.428-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E INTERNACIONAL PRIVADO. IRREGULARIDADE NA CITAÇÃO COMO ÓBICE À HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA.
Não
pode ser homologada sentença estrangeira que decrete divórcio de
brasileira que, apesar de residir no Brasil em local conhecido, tenha
sido citada na ação que tramitou no exterior apenas
mediante publicação de edital em jornal estrangeiro, sem que tenha
havido a expedição de carta rogatória para chamá-la a integrar o
processo. Isso porque, nessa situação, fica desatendido
requisito elementar para homologação da sentença estrangeira, qual seja,
a prova da regular citação ou verificação da revelia. Com efeito, a
jurisprudência do STJ dispõe ser
“Inviável a homologação de sentença estrangeira quando não comprovada a
citação válida da parte requerida, seja no território do país prolator
da decisão homologanda,
seja no Brasil, mediante carta rogatória” (SEC 980-FR,
Corte Especial, DJ 16/10/2006). Precedentes citados: SEC 1.483-LU, Corte
Especial, DJe 29/4/2010; e SEC 2.493-DE, Corte Especial, DJe 25/6/2009.
SEC 10.154-EX, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 1º/7/2014.
Primeira Seção
DIREITO ADMINISTRATIVO. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DE AÇÃO DISCIPLINAR.
No
âmbito de ação disciplinar de servidor público federal, o prazo de
prescrição da pretensão punitiva estatal começa a fluir na data em que a
irregularidade praticada
pelo servidor tornou-se conhecida por alguma autoridade do serviço
público, e não, necessariamente, pela autoridade competente para a
instauração do processo administrativo disciplinar. Isso
porque, de acordo
com o art. 142, § 1º, da Lei 8.112/1990, o prazo prescricional da
pretensão punitiva começa a correr da data em que a Administração toma
conhecimento do fato imputado ao servidor. Ressalte-se que não se
desconhece a existência de precedentes desta Corte no sentido de que o
termo inicial da prescrição seria a data do conhecimento do fato pela
autoridade competente para instaurar o PAD. No entanto, não seria essa a
melhor
exegese, uma vez que geraria insegurança jurídica para o servidor
público, considerando, ademais, que o § 1º, supra, não é peremptório a
respeito. Pressupõe, tão só, a data em que
o fato se tornou conhecido. Assim, é patente que o conhecimento pela
chefia imediata do servidor é suficiente para determinar o termo inicial
da prescrição, levando-se em conta, ainda, o art. 143 da mesma lei, que
dispõe que “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço
público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante
sindicância ou processo administrativo disciplinar,
assegurada ao acusado ampla defesa”. Precedentes citados do STJ: MS
7.885-DF, Terceira Seção, DJ 17/10/2005; e MS 11.974-DF, Terceira Seção,
DJe 6/8/2007. Precedente citado do STF: RMS 24.737-DF, Primeira Turma,
DJ
1º/6/2004. MS 20.162-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/2/2014.
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. PUBLICIDADE ACERCA DE PASSAPORTES DIPLOMÁTICOS.
O
Ministério das Relações Exteriores não pode sonegar o nome de quem
recebe passaporte diplomático emitido na forma do parágrafo 3º do art.
6º do Anexo do Decreto 5.978/2006.
O nome de quem recebe um passaporte diplomático emitido por
interesse público não pode ficar escondido do público. O interesse
público pertence à esfera pública, e o que se faz em seu nome
está sujeito ao controle social, não podendo o ato discricionário de
emissão daquele documento ficar restrito ao domínio do círculo do poder.
A noção de interesse público não pode ser
linearmente confundida com "razões de Estado" e, no caso, é incompatível
com o segredo da informação. Noutra moldura, até é possível que o
interesse público justifique o sigilo,
não aqui. MS 16.179-DF, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 9/4/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA PARA
DISCUTIR REMUNERAÇÃO DOS DEPÓSITOS JUDICIAIS. RECURSO REPETITIVO (ART.
543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
A
discussão quanto à aplicação de juros e correção monetária nos
depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco
depositário.
Cabe ressalvar que isso não retira a possibilidade de a
instituição bancária se contrapor, nos próprios autos, à pretensão.
Precedentes citados: AgRg no REsp 1.136.119-SP, Segunda Turma, DJe
30/9/2010; e AgRg no Ag 522.427-SP, Terceira Turma, DJe 2/10/2009. REsp 1.360.212-SP, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 12/6/2013.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. PRECLUSÃO DA FACULDADE DE REQUERER HONORÁRIOS
SUCUMBENCIAIS EM PROCESSO EXECUTIVO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO
CPC E RES. 8/2008-STJ).
Há
preclusão lógica (art. 503 do CPC) em relação à faculdade de requerer o
arbitramento dos honorários sucumbenciais relativos à execução na
hipótese
em que a parte exequente, mesmo diante de despacho citatório que
desconsidera o pedido de fixação da verba feito na petição inicial,
limita-se a peticionar a retenção do valor correspondente aos
honorários contratuais, voltando a reiterar o pleito de fixação de
honorários sucumbenciais apenas após o pagamento da execução e o
consequente arquivamento do feito. Inicialmente, cumpre
destacar que o STJ tem entendimento firme no sentido de que inexiste
preclusão para o arbitramento de verba honorária, no curso da execução,
ainda que sobre ela tenha sido silente a inicial do processo executivo e
já
tenha ocorrido o pagamento do ofício requisitório. Todavia, a hipótese
em foco é diversa. Após ter sido cumprido o requisitório de pagamento
expedido nos autos e ocorrido o arquivamento do feito, com baixa na
distribuição, a parte exequente reitera pedido formulado na inicial da
execução, para que sejam arbitrados honorários advocatícios
sucumbenciais. Ocorre que o despacho inicial determinou a citação
do órgão executado, não arbitrando a verba honorária. Em seguida, foram
interpostos embargos à execução, os quais foram definitivamente
julgados. Posteriormente, a parte exequente peticionou nos autos,
postulando a retenção dos honorários contratuais no requisitório de
pagamento a ser expedido, nada mencionando acerca do arbitramento de
honorários sucumbenciais. De acordo com essa moldura fática, a parte
exequente deveria ter se insurgido, por meio da via processual adequada,
contra a ausência de fixação dos honorários sucumbenciais. Ao não agir
dessa forma, consolidou-se o fato de não incidência dos
honorários sucumbenciais, configurando-se, dessa forma, o instituto da
preclusão, pelo qual não mais cabe discutir dentro do processo situação
jurídica já consolidada. Ademais, ainda que não se
trate propriamente de ação autônoma, por compreensão extensiva, incide a
Súmula 453 do STJ: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em
decisão transitada em julgado, não podem ser
cobrados em execução ou em ação própria.” REsp 1.252.412-RN, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 6/11/2013.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA QUE CONDENE A UNIÃO A
INDENIZAR PREJUÍZOS DECORRENTES DA FIXAÇÃO DE PREÇOS PARA O SETOR
SUCROALCOOLEIRO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES.
8/2008-STJ).
No
que diz respeito à aferição do prejuízo experimentado pelas empresas do
setor sucroalcooleiro em razão do tabelamento de preços estabelecido
pelo Governo Federal por
intermédio da Lei 4.870/1965, definiu-se que: a) cabe à Administração
interveniente no domínio econômico arcar com os prejuízos efetivamente
suportados pelas usinas, uma vez que não foram
considerados os valores apurados pela Fundação Getúlio Vargas - FGV para
o custo da cana-de-açúcar e seus derivados, consoante prevê os arts.
9º, 10 e 11 da Lei 4.870/1965; b) tratando-se de hipótese
de responsabilidade civil objetiva do Estado, necessária a demonstração
da ação governamental, nexo de causalidade e dano;
c) não é admissível a utilização
do simples cálculo da diferença entre o preço praticado pelas empresas e
os valores estipulados pelo IAA/FGV, como único parâmetro de definição
do quantum debeatur; d) o suposto prejuízo
sofrido pela empresa possui natureza jurídica dupla: danos emergentes
(dano positivo) e lucros cessantes (dano negativo), que exigem efetiva
comprovação; e) nos casos em que a ação de conhecimento é julgada
procedente, o quantum da indenização pode ser discutido em
liquidação da sentença por arbitramento, em conformidade com o art.
475-C do CPC, podendo, inclusive, chegar a dano em valor zero; f)
simples critério jurídico (descumprimento da Lei 4.870/1965) não pode servir como único parâmetro para definição do quantum debeatur , limitando-se a reconhecer o an debeatur;
e g)
só há pertinência lógica-jurídica em se questionar a fixação de preços
no setor sucroalcooleiro, por descumprimento do critério legal previsto
no art. 10 da Lei 4.870/1965, durante o
período de eficácia dessa norma, ou seja, até o advento da Lei
8.178/1991 (4/3/1991). De fato, a União tem, em princípio,
responsabilidade civil objetiva por prejuízos decorrentes da
fixação de preços pelo Instituto do Açúcar e Álcool (IAA) para o setor
sucroalcooleiro em descompasso com levantamento de custos de produção
apurados pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e, dessa forma, em desacordo com os critérios previstos nos
arts. 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/1965, em razão da aplicação da teoria do
risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º, da CF. Todavia,
a adoção da responsabilidade objetiva do Estado não dispensa a prova dos
elementos configuradores da imputação, quais sejam: o fato ou a ação, o
dano dele decorrente e o nexo de causalidade. Nessa
conjuntura, há de se ressaltar que existem precedentes do STJ
sustentando o entendimento de que, diante do reconhecimento, por perícia
judicial, de que os valores praticados pelas usinas, em obediência à
determinação governamental, seriam inferiores aos preços calculados com
base nos custos de produção levantados pela FGV, bastaria o simples
cálculo aritmético dessas diferenças, multiplicadas pelo
período da intervenção estatal no setor – respeitada a prescrição –,
para fim de liquidação do quantum debeatur (REsp 783.192-DF,
Primeira Turma, DJ 3/12/2007; REsp 1.110.005-DF,
Primeira Turma, DJe 5/10/2010; REsp 1.066.831-DF, Segunda Turma, DJe
23/11/2011; e REsp 1.186.685-DF, Segunda Turma, DJe 24/5/2011). Não se
pode, todavia, impor ao Estado o dever de indenizar sem que haja efetiva
comprovação do dano
supostamente causado, uma vez que o dano representa elemento fundamental
para a apuração da suposta ilicitude do ato estatal. Além disso, o
suposto prejuízo sofrido pelas usinas possui natureza jurídica dupla,
isto
é, de danos emergentes (dano positivo) e de lucros cessantes (dano
negativo), que exigem efetiva comprovação, seja de redução patrimonial,
seja de supressão de ganhos; não se admitindo uma
indenização por danos emergentes ou lucros cessantes hipotéticos que não
tenham suporte na realidade fática efetivamente provada, alicerçada
apenas em descumprimento de critério legal. A título
exemplificativo, digamos que a FGV tenha apurado, para determinada
região brasileira, uma estimativa de custo de produção da tonelada de
cana-de-açúcar no valor de R$ 100,00 e, no mesmo período, o governo
federal, por meio do IAA, tenha tabelado a tonelada da cana em R$ 90,00
para comercialização. Nesse caso, haveria, em tese, uma perda financeira
de R$ 10,00 por tonelada, que supostamente ocasionaria prejuízo, sem
falar na margem de
lucro, pressuposto de qualquer atividade capitalista, que deixaria de
ser contabilizada. Contudo, deve-se perguntar: esse cenário é o mesmo
durante todo o período em que o governo desconsiderou o preço real da
tonelada da
cana? É óbvio que não. Isso porque, no período, os preços sofrem
oscilações e, além disso, também existem, por certo, oscilações no custo
da produtividade – em
razão dos custos dos insumos que também são variáveis no tempo e no
espaço –, que somente são passíveis de verificação pelos registros nos
balanços patrimoniais. Ademais, as
perícias contábeis podem, em algumas situações, chegar à conclusão de
que determinadas usinas tiveram, nesse mesmo período, grandes lucros,
com significativo incremento patrimonial, apesar de terem se
submetido à intervenção estatal contrária aos ditames da Lei 4.870/1965;
haja vista, inclusive, que as empresas mais modernas, com equipamentos
mais arrojados têm produtividade bem acima daquelas que não se
modernizaram. Nesse contexto, a adoção do entendimento segundo o qual a
simples apresentação, pelo credor, de cálculo aritmético das diferenças
existentes entre os preços praticados pelas usinas,
em obediência à determinação do IAA, e os valores calculados com base
nos custos de produção levantados pela FGV é suficiente para o fim de
liquidação do quantum debeatur –
dispensando-se, portanto, a comprovação pericial do prejuízo –, levaria
ao absurdo de se afirmar ocorrer dano por decorrência de um simples
descumprimento de critério jurídico, o que poderia não
corresponder à realidade fática. Diante do exposto, deve-se ressaltar
que a jurisprudência do STJ reconhece que “o enunciado do art. 459,
paragrafo único, do CPC deve ser lido em consonância com o sistema que
contempla o princípio do livre convencimento (art. 131 do CPC), de sorte
que, não estando o juiz convencido da procedência da extensão do pedido
certo formulado pelo autor, pode reconhecer-lhe o direito, remetendo as
partes
para a liquidação” (REsp 819.568-SP, Terceira Turma, DJe 18/6/2010).
Ademais, advirta-se, não se trata de provar fatos novos (dai não ser a
liquidação por artigos); o cerne da discussão são
os elementos passados, inseridos na contabilidade. Há, inclusive, que
admitem a possibilidade de inexistência de apuração de dano em
liquidação de sentença condenatória: dano em valor
"zero" (REsp 1.280.949-SP, Terceira Turma, DJe 3/10/2012; e REsp
1.170.338-RS, Primeira Turma, DJe 13/4/2010). De mais a mais, há teses
distintas em relação ao termo final da intervenção governamental no
setor sucroalcooleiro (isto é, da limitação de eficácia da Lei
4.870/1965). Nesse ponto, pode-se enumerá-las, com destaque para os seus
respectivos marcos temporais: 1) até 28/2/1986, quando foi estabelecido
o
primeiro controle de preços para a economia brasileira, pelo Decreto-lei
2.288/1986 (Plano Cruzado) – entendimento do Ministro Herman Benjamin
no REsp 771.787-DF –; 2) até 7/5/1990, quando foi extinto o IAA pelo
Decreto 99.240
e, com isso, desapareceu o poder de controle preconizado no art. 10 da
Lei 4.870/1965 – entendimento do Ministro Castro Meira no REsp
771.787-DF –; 3) até 4/3/1991, quando a Lei 8.178/1991 autorizou o
Ministro da Economia, Fazenda e
Planejamento a regular os preços de todos os setores da economia
nacional – inclusive do setor sucroalcooleiro –, sem a necessidade de
submissão a qualquer critério de levantamento de custos, promovida por
terceira
entidade, seja privada ou particular; revogando tacitamente, portanto, o
art. 10 da Lei 4.870/1965; e 4) até 1º/5/1998, quando a Portaria 294,
de 13/12/1996, editada pelo Ministro da Fazenda, sujeitou a
cana-de-açúcar, e seus
derivados, ao regime de preços liberados. Nessa contextura, em análise
de todo o arcabouço jurídico sobre o tema, em especial, à luz do
argumento referente ao critério de fixação de preços
em descumprimento do art. 10 da Lei 4.870/1965, deve prevalecer a terceira tese,
no sentido de que o advento da Lei 8.178/1991 efetivamente significou
ruptura à antiga sistemática de preços regulada pelo IAA, consoante
determinado pela Lei 4.870/1965, ou seja, até 4/3/1991. Realmente, esse
marco temporal não deixa dúvida, porque cai por terra o poder
regulamentador sobre preços de qualquer outra autoridade senão o
Ministro da
Fazenda. Tanto é assim, que a partir da Lei 8.178/1991 passou o
Ministério competente a regular diretamente o setor, sem a necessidade
de submissão a qualquer critério de levantamento de custos, promovida
por terceira
entidade, seja privada ou particular. Ora, se a partir da referida lei a
atuação do governo federal gerou dano ao setor sucroalcooleiro,
eventual demanda judicial não pode, por decorrência lógica, fundar-se em
disposição da Lei 4.870/1965, e sim nos novos atos ministeriais. Desse
modo, só há pertinência lógica-jurídica em se questionar a fixação de
preços no setor sucroalcooleiro, por
descumprimento do critério legal previsto no art. 10 da Lei 4.870/1965,
durante o período de eficácia dessa norma, isto é, até o advento da Lei
8.178/1991 (em 4/3/1991). REsp 1.347.136-DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 11/12/2013.
DIREITO TRIBUTÁRIO. APLICABILIDADE DE LIMITES À COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA RELACIONADOS A TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL.
Os
limites estabelecidos pelas Leis 9.032/1995 e 9.129/1995 são aplicáveis
à compensação de indébito tributário, ainda que este decorra da
declaração de
inconstitucionalidade da contribuição social pelo STF. Isso
porque a Primeira Seção do STJ consolidou o entendimento de que,
“enquanto não declaradas inconstitucionais as Leis 9.032/1995 e
9.129/1995, em
sede de controle difuso ou concentrado, sua observância é inafastável
pelo Poder Judiciário, uma vez que a norma jurídica, enquanto não
regularmente expurgada do ordenamento, nele permanece válida,
razão pela qual a compensação do indébito tributário, ainda que
decorrente da declaração de inconstitucionalidade da exação, submete-se
às limitações erigidas pelos
diplomas legais que regem a compensação tributária” (REsp 796.064-RJ,
Primeira Seção, DJe 10/11/2008). Precedentes citados: EREsp 905.288-SP,
Primeira Seção, DJe 6/11/2009; e EREsp 860.370-SP,
Primeira Seção, DJe 6/11/2009. EREsp 872.559-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em
9/4/2014.
DIREITO CIVIL. CARACTERIZAÇÃO COMO BEM DE FAMÍLIA DO ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL DO DEVEDOR CEDIDO A FAMILIARES.
Constitui
bem de família, insuscetível de penhora, o único imóvel residencial do
devedor em que resida seu familiar, ainda que o proprietário nele não
habite. De fato, deve
ser dada a maior amplitude possível à proteção consignada na lei que
dispõe sobre o bem de família (Lei 8.009/1990), que decorre do direito
constitucional à moradia estabelecido no caput do art.
6º da CF, para concluir que a ocupação do imóvel por qualquer integrante
da entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica do bem de
família. Antes, porém, isso reafirma esta
condição. Impõe-se lembrar, a propósito, o preceito contido no art. 226,
caput, da CF – segundo o qual a família, base da sociedade,
tem especial proteção do Estado –, de modo a
indicar que aos dispositivos infraconstitucionais pertinentes se confira
interpretação que se harmonize com o comando constitucional, a fim de
assegurar efetividade à proteção a todas as entidades familiares em
igualdade de condições. Dessa forma, tem-se que a Lei 8.009/1990
protege, em verdade, o único imóvel residencial de penhora. Se esse
imóvel encontra-se cedido a familiares, filhos, enteados ou netos, que
nele residem,
ainda continua sendo bem de família. A circunstância de o devedor não
residir no imóvel não constitui óbice ao reconhecimento do favor legal.
Observe que o art. 5º da Lei 8.009/1990 considera não
só a utilização pelo casal, geralmente proprietário do imóvel
residencial, mas pela entidade familiar. Basta uma pessoa da família do
devedor residir para obstar a constrição judicial. Ressalte-se
que o STJ reconhece como impenhorável o imóvel residencial cuja
propriedade seja de pessoas sozinhas, nos termos da Súmula 364, que
dispõe: "O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
também
o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas". Além do
mais, é oportuno registrar que essa orientação coaduna-se com a adotada
pela Segunda Seção do STJ há longa data,
que reconhece como bem de família, inclusive, o único imóvel residencial
do devedor oferecido à locação, de modo a garantir a subsistência da
entidade familiar. EREsp 1.216.187-SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/5/2014.
Segunda Seção
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO DECLARATÓRIA
DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS
POSSESSÓRIOS.
O
foro do domicílio do réu é competente para processar e julgar ação
declaratória de nulidade, por razões formais, de escritura pública de
cessão e
transferência de direitos possessórios de imóvel, ainda que esse seja
diferente do da situação do imóvel. Inicialmente, ressalte-se que o art. 95 do CPC – que versa sobre ações
fundadas em direito real sobre imóveis – traz um critério territorial de
fixação de competência que apresenta características híbridas, uma vez
que, em regra, tem viés relativo e, nas
hipóteses expressamente delineadas no referido dispositivo, possui viés
absoluto. Explica-se: se o critério adotado fosse unicamente o
territorial, a competência, nas hipóteses do art. 95 do CPC, seria
relativa e, por
conseguinte, admitiria derrogação, por vontade das partes ou
prorrogação, nos termos dos arts. 111 e 114 do CPC, além de poder ser
modificada em razão da conexão ou da continência. Entretanto,
quando o legislador, na segunda parte do dispositivo legal, consigna que
“pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição,
não recaindo o litígio sobre direito de propriedade,
vizinhança, servidão, posse, divisão ou demarcação de terras e nunciação
de obra nova”, ele acabou por estabelecer outro critério de fixação de
competência para as
ações que versem sobre determinados direitos reais, os quais foram
especificamente mencionados. Conquanto exista divergência doutrinária a
respeito da natureza do critério adotado pelo legislador nessa última
hipótese – material ou funcional –, independentemente da posição que se
adote, não se admite a modificação, a derrogação ou a prorrogação da
competência, pois ela
é absoluta em qualquer caso. Portanto, na hipótese do litígio versar
sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e
demarcação de terras e nunciação de obra
nova, a ação correspondente deverá necessariamente ser proposta na
comarca em que esteja situado o bem imóvel, porque a competência é
absoluta. De modo diverso, se a ação se referir a um direito
real sobre imóvel, ela poderá ser ajuizada pelo autor no foro do
domicílio do réu ou no foro eleito pelas partes, se não disser respeito a
nenhuma daquelas hipóteses trazidas na segunda parte do art. 95 do CPC,
haja vista se tratar de competência relativa. Na hipótese em foco, o
litígio analisado não versa sobre nenhum direito real imobiliário, mas
sobre eventual nulidade da escritura de cessão de posse de
imóvel, por razões formais. Não há discussão, portanto, que envolva a
posse ou a propriedade do imóvel em questão. Consequentemente, não há
competência absoluta do foro da
situação do bem para o julgamento da demanda em análise, de modo que é
inaplicável o art. 95 do CPC, sendo competente o foro do domicílio do
réu para o processamento do presente feito. CC 111.572-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 9/4/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO
INDENIZATÓRIA PROMOVIDA POR ALUNO UNIVERSITÁRIO CONTRA ESTABELECIMENTO
DE ENSINO E INSTITUIÇÃO MINISTRADORA DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO.
Pelos
danos ocorridos durante o estágio obrigatório curricular, a Justiça
Comum Estadual – e não a Justiça do Trabalho – é competente para
processar e julgar
ação de reparação de danos materiais e morais promovida por aluno
universitário contra estabelecimento de ensino superior e instituição
hospitalar autorizada a ministrar o estágio. A
ação proposta não tem causa de pedir e pedidos fundados em possível
relação de trabalho entre as partes, porquanto o vínculo que os uniu era
aquele regido pela Lei 11.788/2008, que dispõe sobre o
estágio de estudantes. Nesse passo, ressalte-se que o indigitado diploma
legal, ao alterar a redação do art. 428 da CLT e revogar a Lei
9.394/1996, dispôs que o estágio de estudantes, atendidos os requisitos
que
especifica, não cria vínculo empregatício de nenhuma natureza.
Assinale-se, ainda, que a relação de estágio pode disfarçar verdadeira
relação de trabalho quando, então, é
possível aventar-se vínculo trabalhista e não apenas de estágio. No caso
em análise, não se vislumbra o desvirtuamento do contrato de estágio
supervisionado, de forma a caracterizar vínculo de
ordem laboral. Desse modo, evidencia-se a existência de relação civil de
prestação de serviços de disponibilização de vaga de estágio acadêmico
exigido por instituição de
ensino como requisito para colação de grau, razão pela qual não há se
falar em relação de trabalho entre as partes. CC 131.195-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/2/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. LIMITES DOS EFEITOS DA SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS.
Os
efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos – seja em
caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da
citação (art. 13, § 2º, da Lei 5.478/1968), ressalvada a
irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de
compensação do excesso pago com prestações vincendas. Com
efeito, os
alimentos pagos presumem-se consumidos, motivo pelo qual não podem ser
restituídos, tratando-se de princípio de observância obrigatória e que
deve orientar e preceder a análise dos efeitos das sentenças
proferidas nas ações de revisão de verbas alimentares. Ademais, convém
apontar que o ajuizamento de ação pleiteando exoneração/revisão de
alimentos não exime o devedor de continuar a
prestá-los até o trânsito em julgado da decisão que modifica o valor da
prestação alimentar ou exonerá-lo do encargo alimentar (art. 13, § 3º,
da Lei 5.478/1968). Da sentença
revisional/exoneratória caberá apelação com efeito suspensivo e, ainda
que a referida decisão seja confirmada em segundo grau, não haverá
liberação da prestação alimentar se
for interposto recurso de natureza extraordinária. Durante todo o
período de tramitação da ação revisional/exoneratória, salvo se
concedida antecipação de tutela suspendendo o pagamento, o
devedor deverá adimplir a obrigação, sob pena de prisão (art. 733 do
CPC). Desse modo, pretendeu a lei conferir ao alimentado o benefício da
dúvida, dando-lhe a segurança de que, enquanto não
assentada, definitivamente, a impossibilidade do cumprimento da
obrigação alimentar nos termos anteriormente firmados, as alegadas
necessidades do credor não deixarão de ser providas. Nesse passo,
transitada em julgado a
sentença revisional/exoneratória, se, por qualquer motivo, não tiverem
sido pagos os alimentos, a exoneração ou a redução terá efeito
retroativo à citação, por força do
disposto no art. 13, § 2º, da Lei 5.478/1968, não sendo cabível a
execução de verba já afirmada indevida por decisão transitada em
julgado. Esse “qualquer motivo” pode ser imputável
ao credor, que demorou ajuizar ou dar andamento à ação de execução; ao
devedor que, mesmo sujeito à possibilidade de prisão, deixou de pagar; à
demora da tramitação da
execução, devido ao congestionamento do Poder Judiciário; ou à concessão
de liminar ou antecipação de tutela liberando provisoriamente o
alimentante. Assinale-se que não foi feita ressalva à
determinação expressa do § 2º do art. 13 da citada lei, segundo o qual
“em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação”.
Isso porque a alteração do binômio
possibilidade-necessidade não se dá na data da sentença ou do respectivo
trânsito em julgado. Esse alegado desequilíbrio é a causa de pedir da
ação revisional e por esse motivo a lei dispõe
que o valor fixado na sentença retroagirá à data da citação. A exceção
poderá dar-se caso a revisional seja julgada procedente em razão de fato
superveniente ao ajuizamento da
ação, reconhecido com base no art. 462 do CPC, circunstância que deverá
ser levada em consideração para o efeito de definição do termo inicial
dos efeitos da sentença. Nessa linha
intelectiva, especialmente em atenção ao princípio da irrepetibilidade,
em caso de redução da pensão alimentícia, não poderá haver compensação
do excesso pago com
prestações vincendas. Essa solução afasta o enriquecimento sem causa do
credor dos alimentos, porque o entendimento contrário – sentença de
redução ou exoneração dos alimentos
produzindo efeitos somente após o seu trânsito em julgado – ensejaria a
inusitada consequência de submeter o alimentante à execução das parcelas
pretéritas não adimplidas (por qualquer
razão), mesmo estando ele amparado por decisão judicial transitada em
julgado que diminuiu ou até mesmo eliminou o encargo, desfecho que
configuraria manifesta negativa de vigência aos arts. 15 da Lei
5.478/1968 e 1.699 do
CC/2002 (correspondente ao art. 401 do CC/1916). Por fim, destaca-se que
a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de ser possível a
fixação de alimentos provisórios em ação de revisão, desde
que circunstâncias posteriores demonstrem a alteração do binômio
necessidade/possibilidade, hipótese em que o novo valor estabelecido ou a
extinção da obrigação devem retroagir à data
da citação (RHC 58.090-RS, Primeira Turma, DJ 10.10.1980; e RE
86.064/MG, Primeira Turma, DJ 25.5.1979). Precedentes citados: REsp
172.526-RS, Quarta Turma, DJ 15/3/1999; e REsp 967.168-SP, Terceira
Turma, DJe 28/5/2008. EREsp 1.181.119-RJ, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 27/11/2013.
Terceira Seção
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.
Para configuração do delito de “redução a condição análoga à de escravo” (art. 149 do CP) – de competência da Justiça Federal –
é desnecessária a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador. De
fato, a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador é uma das
formas de
cometimento do delito, mas não é a única. Conforme se infere da redação
do art. 149 do CP, o tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o
bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o
indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito
passivo do delito a condições de trabalho degradantes, subumanas.
Precedentes citados do STJ: AgRg no CC 105.026-MT, Terceira Seção, DJe
17/2/2011;
CC 113.428-MG, Terceira Seção, DJe 1º/2/2011. Precedente citado do STF:
Inq 3.412, Tribunal Pleno, DJe 12/11/2012. CC 127.937-GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA NO CASO DE INJÚRIA MOTIVADA POR DIVERGÊNCIA POLÍTICA ÀS VÉSPERAS DA ELEIÇÃO.
Compete
à Justiça Comum Estadual, e não à Eleitoral, processar e julgar injúria
cometida no âmbito doméstico e desvinculada, direta ou indiretamente,
de propaganda eleitoral,
embora motivada por divergência política às vésperas da eleição. De
fato, o crime previsto no art. 326 do Código Eleitoral possui nítida
simetria com o crime de injúria previsto no
art. 140 do CP, mas com este não se confunde, distinguindo-se,
sobretudo, pelo acréscimo de elementares objetivas à figura típica, que
acabou por resultar em relevante restrição à sua
aplicação, refletindo, também por isso, na maior especialização do
objeto jurídico tutelado. A propósito, assim dispõem os referidos
dispositivos legais: “Art. 140 - Injuriar alguém,
ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:[...]” e “Art. 326. Injuriar
alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda,
ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro:[...]”. Como se vê, a injúria
eleitoral somente se perfectibiliza quando a ofensa ao decoro ou à
dignidade ocorrer na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda. Ou
seja, a caracterização do crime de injúria previsto na legislação
eleitoral exige, como elementar do tipo, que a ofensa seja perpetrada na
propaganda eleitoral ou vise fins de propaganda (TSE, HC 187.635-MG,
DJe de 16/2/2011), sob pena de incorrer-se no crime de injúria comum.
Por fim, cabe ressaltar que, na
injúria comum, tutela-se a honra subjetiva, sob o viés da dignidade ou
decoro individual e, na injúria eleitoral, protegem-se esses atributos
ante o interesse social que se extrai do direito subjetivo dos eleitores
à lisura
da competição eleitoral ou do “inafastável aprimoramento do Estado
Democrático de Direito e o direito dos cidadãos de serem informados
sobre os perfis dos candidatos, atendendo-se à política da
transparência” (STF, Inq 1.884-RS, Tribunal Pleno, DJ de 27/8/2004). CC 134.005-PR, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 11/6/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PENAL NO CASO DE IMPORTAÇÃO DE DROGAS VIA POSTAL.
Na
hipótese em que drogas enviadas via postal do exterior tenham sido
apreendidas na alfândega, competirá ao juízo federal do local da
apreensão da substância processar e julgar o crime
de tráfico de drogas, ainda que a correspondência seja endereçada a
pessoa não identificada residente em outra localidade. Isso porque a conduta prevista no art. 33, caput,
da Lei 11.343/2006 constitui delito
formal, multinuclear, que, para a consumação, basta a execução de
qualquer das condutas previstas no dispositivo legal, dentre elas o
verbo “importar”, que carrega a seguinte definição: fazer vir de
outro país, estado ou município; trazer para dentro. Logo, ainda que
desconhecido o autor, despiciendo é o seu reconhecimento, podendo-se
afirmar que o delito se consumou no instante em que tocou o território
nacional,
entrada essa consubstanciada na apreensão da droga. Ressalte-se, por
oportuno, que é firme o entendimento da Terceira Seção do STJ no sentido
de ser desnecessário, para que ocorra a consumação da
prática delituosa, a correspondência chegar ao destinatário final, por
configurar mero exaurimento da conduta. Dessa forma, em não havendo
dúvidas acerca do lugar da consumação do delito, da leitura do
caput do art. 70 do CPP, torna-se óbvia a definição da
competência para o processamento e julgamento do feito, uma vez que é
irrelevante o fato da droga estar endereçada a destinatário em outra
localidade. CC 132.897-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/5/2014.
Primeira Turma
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MP PARA AJUIZAR ACP CUJA CAUSA DE PEDIR SEJA FUNDADA EM CONTROVÉRSIA TRIBUTÁRIA.
O
Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública
cujo pedido seja a condenação por improbidade administrativa de agente
público que tenha cobrado
taxa por valor superior ao custo do serviço prestado, ainda que a causa
de pedir envolva questões tributárias. De acordo com o
parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985, não será
cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam
tributos. Essa restrição, entretanto, está relacionada ao pedido, o qual
tem aptidão para formar coisa julgada, e não
à causa de pedir. Na hipótese em foco, a análise da questão tributária é
indispensável para que se constate eventual ato de improbidade, por
ofensa ao princípio da legalidade, configurando causa de
pedir em relação à pretensão condenatória, estando, portanto, fora do
alcance da vedação prevista no referido dispositivo. REsp 1.387.960-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 22/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO EM DEMANDAS QUE ENVOLVEM O SUS.
A
União – e não só Estados, Distrito Federal e Municípios – tem
legitimidade passiva em ação de indenização por erro médico ocorrido em
hospital da
rede privada durante atendimento custeado pelo Sistema Único de Saúde
(SUS). A saúde pública não só é um direito fundamental do homem
como também é um dever do Poder Público,
expressão que abarca, em conjunto, a União, os Estados-membros, o
Distrito Federal e os Municípios, nos termos dos arts. 2º e 4º da Lei
8.080/1990, que trata do SUS. O funcionamento do SUS é de
responsabilidade
solidária de todos os referidos entes, cabendo a qualquer um deles a
legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demandas
que objetivem garantir acesso à medicação ou tratamento médico adequado
a
pessoas desprovidas de recursos financeiros, consoante se extrai de
farta jurisprudência do STJ. Assim, a União, bem como os demais entes
federativos, possuem legitimidade para figurar no polo passivo de
quaisquer demandas que envolvam o
SUS, inclusive as relacionadas a indenizatória por erro médico ocorrido
em hospitais privados conveniados. REsp 1.388.822-RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 16/6/2014.
DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE ATIVA DA FONTE PAGADORA PARA PLEITEAR RESTITUIÇÃO DE IRPJ PAGO A MAIOR.
Não
tem legitimidade para pleitear a restituição do indébito a pessoa
jurídica que retém na fonte IRPJ a maior relativo às importâncias pagas a
outra pessoa
jurídica pela prestação de serviços caracterizadamente de natureza
profissional. Segundo os arts. 121 e 165 do CTN, a repetição de
indébito tributário pode ser postulada pelo sujeito
passivo que pagou, ou seja, que arcou efetivamente com ônus financeiro
da exação. Em face disso, pode-se concluir que a empresa que é a fonte
pagadora da renda não tem legitimidade ativa para postular a
repetição de indébito de IR que foi retido quando do pagamento para a
empresa contribuinte. Isso porque a obrigação legal imposta pelo art.
45, parágrafo único, do CTN é a de proceder à
retenção e ao repasse ao Fisco do IR devido pelo contribuinte. Não há
propriamente pagamento por parte da responsável tributária, uma vez que o
ônus econômico da exação é
assumido direta e exclusivamente pelo contribuinte que realizou o fato
gerador correspondente, cabendo a este, tão-somente, o direito à
restituição. Precedentes citados: REsp 596.275-RJ, Primeira Turma, DJ
9/10/2006; e AgREsp
895.824-RS, Segunda Turma, DJe 30/9/2008. REsp 1.318.163-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em
20/5/2014.
DIREITO TRIBUTÁRIO. NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS INCIDENTE NA AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEL POR EMPRESA DE TRANSPORTE FLUVIAL.
O
ICMS incidente na aquisição de combustível a ser utilizado por empresa
de prestação de serviço de transporte fluvial no desempenho de sua
atividade-fim constitui crédito
dedutível na operação seguinte (art. 20 da LC 87/1996). Isso
porque combustível constitui insumo indispensável à atividade em
questão. Com efeito, se o constituinte originário inseriu os
prestadores de serviços de transporte e comunicação no âmbito do ICMS, é
imperativo que se compatibilize o princípio da não cumulatividade com
as suas atividades, o que só será
possível mediante a definição de um critério que preserve um mínimo de
créditos, imune às constantes tentativas de mitigação por parte dos
Estados-membros. Esse novo critério deve
garantir o direito de crédito sobre todos os materiais empregados de
forma absolutamente necessária nos veículos utilizados na prestação do
serviço de transporte, assim como nas centrais telefônicas de
propriedade dos prestadores de serviço de comunicação, por exemplo, até
porque esses materiais impactam decisivamente a composição do preço do
serviço que será oferecido ao público.
Ademais, tratando-se o combustível de insumo, não se lhe aplica a
limitação prevista no art. 33, I, da LC 87/1996 – de acordo com a qual
“somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao
uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de
janeiro de 2020” –, pois só alcança as mercadorias destinadas ao uso ou
consumo do estabelecimento. REsp 1.435.626-PA, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 3/6/2014.
Segunda Turma
DIREITO
ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DO PRAZO DE DOZE MESES DE
EXERCÍCIO PARA A PRIMEIRA FRUIÇÃO DE FÉRIAS DE MAGISTRADO.
Para o primeiro período aquisitivo de férias de juiz federal substituto serão exigidos doze meses de exercício. De
fato, a LC 35/1979 (Loman), ao tratar das férias dos magistrados,
não disciplina o início do período aquisitivo do direito a férias na
magistratura. Dessa forma, ante o silêncio da Loman, incide o art. 77, §
1º, da Lei 8.112/1990, aplicada subsidiariamente, segundo o qual
“Para o primeiro período aquisitivo de férias serão exigidos 12 (doze)
meses de exercício”. Além disso, o CNJ (PP 0001123-19.2007.2.00.0000,
julgado em 4/12/2007) entendeu que o gozo do direito de
férias pelo juiz é adquirido após um ano na magistratura, tendo
consignado que “o princípio norteador das férias, inclusive dos
empregados da iniciativa privada, tal como estabelece a Consolidação
das Leis do Trabalho e para os servidores públicos, como definido no
Estatuto próprio, é o de período aquisitivo, de sorte que, para adquirir
direito ao primeiro período o empregado, servidor ou magistrado
deverá completar o período de um ano de serviço prestado”. Aliás, esse
mesmo entendimento foi reiterado recentemente pelo CNJ (PCA
0001795-51.2012.2.00.0000, julgado em 21/5/2012). Cabe salientar,
também, que, em
2004, o Conselho Federal da Justiça normatizou a referida matéria na
Resolução 383/2004, que dispõe: “Art. 5º Para o primeiro período
aquisitivo de férias, serão exigidos doze meses de
exercício”, sendo certo que essa disposição se seguiu nas Resoluções
585/2007, 14/2008 e 130/2010 do Conselho da Justiça Federal. Ademais,
essa mesma orientação é seguida pelo Conselho
Superior da Justiça do Trabalho (TST-CSJT-122/2005-000-90-00.8). REsp 1.421.612-PB, Rel. Min. Herman
Benjamin, julgado em 3/6/2014.
DIREITO
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS
PÚBLICAS RELACIONADO A INÚMERAS IRREGULARIDADES ESTRUTURAIS E SANITÁRIAS
EM CADEIA PÚBLICA.
Constatando-se
inúmeras irregularidades em cadeia pública – superlotação, celas sem
condições mínimas de salubridade para a permanência de presos,
notadamente em
razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e
de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e
moral dos detentos, havendo,
inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das
próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas
improvisadamente –, a alegação de ausência de previsão
orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica
que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar
providências administrativas e respectiva previsão
orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova
unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal. De fato,
evidencia-se, na hipótese em análise, clara situação de violação à
garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do
preso (art. 5º, XLIX, da CF) e aos princípios da
dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.
Nessas circunstâncias – em que o exercício da discricionariedade
administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas
públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais
assegurados pela Constituição –, a intervenção do Poder Judiciário se
justifica como forma de implementar, concreta e
eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como “supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na
harmonia social”, como apregoa o preâmbulo da CF. Há, inclusive,
precedentes do STF (RE-AgR
795.749, Segunda Turma, DJe 20/5/2014; e ARE-AgR 639.337, Segunda Turma,
DJe 15/9/2011) e do STJ (AgRg no REsp 1.107.511-RS, Segunda Turma, DJe
6/12/2013) endossando a possibilidade de excepcional controle judicial
de políticas públicas.
Além disso, não há, na intervenção em análise, ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar
condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância
que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade
administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da
separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de
garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à
realização dos direitos sociais, igualmente importantes. Tratando-se
de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial,
inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a
inclusão de determinada política pública nos planos
orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação
objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.
Ademais, também não há como falar em ofensa aos
arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/1964 (que preveem a necessidade de
previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida
em que a ação civil pública analisada
objetiva obrigar o Estado a realizar previsão orçamentária das obras
solicitadas, não desconsiderando, portanto, a necessidade de previsão
orçamentária das obras. Além do mais, tem-se visto,
recorrentemente, a invocação da teoria da reserva do possível, importada
do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento
de suas obrigações prioritárias. Não se pode deixar
de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a
efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o
princípio da reserva do possível
não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito
alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode
requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do
razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos
objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de
acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos
sociais
prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo
que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre
que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar
para
Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de
prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse
motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado
prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não
sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta
compreensão do princípio da reserva do possível,
tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Todavia, situação
completamente diversa é a que se observa nos países periféricos, como é o
caso do Brasil, país no qual ainda não
foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para
uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma
existência minimamente decente não pode ser encarado como sem
razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do
Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível
não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como
princípio do mínimo existencial. Desse modo, somente depois de atingido
esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos
recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Ou
seja,
não se nega que haja ausência de recursos suficientes para atender a
todas as atribuições que a Constituição e a Lei impuseram ao estado.
Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir
aos cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna,
entre os quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão mínimo de
dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos
prisionais. Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da
incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá
empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de
determinada política pública nos planos orçamentários do ente político. REsp
1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014.
DIREITO TRIBUTÁRIO. HIPÓTESE DE IMPOSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA.
Não
é possível a expedição de certidão positiva com efeito de negativa em
favor de sócio que tenha figurado como fiador em Termo de Confissão de
Dívida
Tributária na hipótese em que o parcelamento dele decorrente não tenha
sido adimplido. De fato, o art. 4º, II, da Lei 6.830/1980
dispõe que a execução fiscal poderá ser promovida contra o
fiador. Assim sendo, a responsabilidade do sócio fiador, na hipótese,
decorre da sua presença como fiador do parcelamento não adimplido. REsp 1.444.692-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/5/2014.
Terceira Turma
DIREITO EMPRESARIAL. CRÉDITOS EXTRACONCURSAIS E DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
São
extraconcursais os créditos originários de negócios jurídicos
realizados após a data em que foi deferido o pedido de processamento de
recuperação judicial.
Inicialmente, impõe-se assentar como premissa que o ato deflagrador da
propagação dos principais efeitos da recuperação judicial é a decisão
que defere o pedido de seu processamento. Importa ressaltar,
ainda, que o ato que defere o pedido de processamento da recuperação é
responsável por conferir publicidade à situação de crise
econômico-financeira da sociedade, a qual, sob a perspectiva de
fornecedores e de clientes, potencializa o risco de se manter relações
jurídicas com a pessoa em recuperação. Esse incremento de risco
associa-se aos negócios a serem realizados com o devedor em crise,
fragilizando a atividade produtiva em razão da elevação dos custos e do
afastamento de fornecedores, ocasionando, assim, perda de
competitividade. Por vislumbrar a formação desse quadro e com o escopo
de assegurar
mecanismos de proteção àqueles que negociarem com a sociedade em crise
durante o período de recuperação judicial, o art. 67 da Lei 11.101/2005
estatuiu que “os créditos decorrentes de
obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial [...]
serão considerados extraconcursais [...] em caso de decretação de
falência”. Em semelhante perspectiva, o art.
84, V, do mesmo diploma legal dispõe que “serão considerados créditos
extraconcursais [...] os relativos a [...] obrigações resultantes de
atos jurídicos válidos praticados durante a
recuperação judicial”. Desse modo, afigura-se razoável concluir que
conferir precedência na ordem de pagamentos na hipótese de quebra do
devedor foi a maneira encontrada pelo legislador para compensar aqueles
que
participem ativamente do processo de soerguimento da empresa. Não se
pode perder de vista que viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira da sociedade devedora – objetivo do instituto
da recuperação judicial – é pré-condição necessária para promoção do
princípio maior da Lei 11.101/2005 consagrado em seu art. 47: o de
preservação da empresa e de
sua função social. Nessa medida, a interpretação sistemática das normas
insertas na Lei 11.101/2005 (arts. 52, 47, 67 e 84) autorizam a
conclusão de que a sociedade empresária deve ser considerada
“em recuperação judicial” a partir do momento em que obtém o deferimento
do pedido de seu processamento. REsp 1.398.092-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/5/2014.
DIREITO EMPRESARIAL. EFICÁCIA DE ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL EM RELAÇÃO À MASSA FALIDA.
É
eficaz em relação à massa falida o ato de transferência de imóvel
ocorrido em virtude de arrematação em praça pública e realizado após a
decretação da falência. De fato, de acordo com o que se infere da interpretação do art. 52, caput
e inciso VIII, do Decreto-Lei 7.661/1945 (a revogada Lei de Falências),
não produz efeito
em relação à massa falida a venda ou a transferência de estabelecimento
comercial feita pelo devedor sem o consentimento ou pagamento de todos
os credores que impossibilite a solvência do passivo – excetuada a
hipótese de anuência tácita dos credores, previamente notificados do
negócio. Todavia, conforme já salientado pelo STJ (REsp 1.187.706-MG,
Terceira Turma, DJe 13/5/2013), o artigo em questão torna ineficaz as
alienações realizadas entre particulares a partir do termo legal da
falência, em face da possibilidade de fraude em relação ao patrimônio da
massa falida, causando prejuízo aos seus credores (sem destaque
no original). Nesse contexto, é necessário consignar que a arrematação
não constitui ato cuja prática pode ser imputada à falida, pois se trata
de negócio jurídico estabelecido entre o
Estado e o arrematante. A doutrina atual, nesse sentido, a conceitua
como sendo o negócio jurídico de direito público pelo qual o Estado, no
exercício de sua soberania, transfere, ao licitante vencedor, o domínio
da
coisa penhorada mediante o pagamento do preço. Há, além do mais,
precedente do STJ (REsp 533.108-SP, Terceira Turma, DJ 17/12/2004) no
qual já se afirmou que a ineficácia prevista no art. 52, VIII, do
Decreto-Lei
7.661/45 não abrange as hipóteses de arrematação de bem da falida. Além
disso, o referido dispositivo legal está inserido topograficamente no
Decreto-Lei 7.661/1945 na Seção que regula
especificamente as hipóteses de revogação de atos praticados pelo
devedor antes da falência (Seção Quinta do Título II). REsp 1.447.271-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/5/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DO
CONTRATO E SEU EFEITO SOBRE AÇÃO ORDINÁRIA DE RESOLUÇÃO DE PROMESSA DE
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL LOCALIZADO EM LOTEAMENTO IRREGULAR.
Deve
ser extinto sem resolução de mérito o processo decorrente do
ajuizamento, por loteador, de ação ordinária com o intuito de, em razão
da suposta inadimplência dos
adquirentes do lote, rescindir contrato de promessa de compra e venda de
imóvel urbano loteado sem o devido registro do respectivo parcelamento
do solo, nos termos da Lei 6.766/1979. De fato, o art. 37, caput,
da Lei 6.766/1979
(que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano) determina que é “vedado
vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não
registrado”. Além disso, verifica-se que o ordenamento jurídico
exige do autor da ação de resolução do contrato de promessa de compra e
venda a comprovação da regularidade do loteamento, parcelamento ou da
incorporação, consoante prevê o art. 46 da Lei
6.766/1979: o “loteador não poderá fundamentar qualquer ação ou defesa
na presente Lei sem apresentação dos registros e contratos a que ela se
refere”. Trata-se de exigência decorrente do
princípio segundo o qual a validade dos atos jurídicos dependem de objeto lícito, de modo que a venda irregular de imóvel situado em loteamento não regularizado constitui ato jurídico com objeto
ilícito, conforme afirmam a doutrina e a jurisprudência. Dessa forma, constatada a ilicitude do objeto do contrato em análise (promessa de compra e venda de imóvel loteado sem o devido registro do respectivo
parcelamento do solo urbano), deve-se concluir pela sua nulidade.
Por conseguinte, caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido, o
processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art.
267, VI,
do CPC. REsp 1.304.370-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/4/2014.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL. LEGALIDADE DE CRITÉRIOS FIXADOS EM REGULAMENTO DE ARRECADAÇÃO DO ECAD.
É
válido o critério de estimativa da receita bruta do evento realizado,
previsto em regulamento de arrecadação do ECAD, para se cobrar os
valores devidos pela execução de obras
musicais. Tratando-se de direito de autor, compete a esse a
fixação da remuneração pela utilização de sua obra por terceiro, seja
diretamente, seja por intermédio das associações ou
do próprio ECAD, que possui métodos próprios para elaboração dos
cálculos diante da diversidade das obras reproduzidas, segundo critérios
eleitos internamente. Dessa forma, no âmbito de
atuação do ECAD, os critérios para a cobrança dos direitos autorais são
definidos no regulamento de arrecadação elaborado e aprovado em
assembleia geral composta pelos representantes das
associações que o integram. O referido regulamento contém tabela
específica de preços, os quais devem observar "a razoabilidade, a boa-fé
e os usos do local de utilização das obras",
conforme a nova redação expressa no § 3° do art. 98 da Lei 9.610/1998.
Neste contexto, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de ser válida
a tabela de preços instituída pelo ECAD e seu
critério de arrecadação. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no REsp
885.783-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2013; e AgRg no Ag 780.560-PR,
Quarta Turma, DJ 26/2/2007. REsp 1.160.483-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/6/2014.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE EM AÇÃO POSSESSÓRIA.
Ainda
que o companheiro supérstite não tenha buscado em ação própria o
reconhecimento da união estável antes do falecimento, é admissível que
invoque o direito
real de habitação em ação possessória, a fim de ser mantido na posse do
imóvel em que residia com o falecido. O direito real de habitação é ex vi legis decorrente do
direito sucessório e, ao contrário do direito instituído inter vivos,
não necessita ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis. É de
se ver, portanto, que há direito
sucessório exercitável desde a abertura da sucessão, sendo que, a partir
desse momento, terá o cônjuge/companheiro sobrevivente instrumentos
processuais para garantir o exercício do direito de
habitação, inclusive, por meio dos interditos possessórios. Assim sendo,
é plenamente possível a arguição desse direito para fins exclusivamente
possessórios, até porque, entender de forma
diversa, seria negar proteção justamente à pessoa para o qual o
instituto foi desenvolvido e em momento pelo qual ele é o mais efetivo.
Vale ressaltar que a constituição do direito real de
habitação do cônjuge/companheiro supérstite emana exclusivamente da lei,
“sendo certo que seu reconhecimento de forma alguma repercute na
definição de propriedade dos bens partilhados. Em se tratando de
direito ex vi lege, seu reconhecimento não precisa necessariamente dar-se por ocasião da partilha dos bens deixados pelo de cujus”
(REsp 1.125.901/RS, Quarta Turma, DJe 6/9/2013). Adequada, portanto, a
sentença que apenas vem a declarar a união estável na motivação do
decisório, de forma incidental, sem repercussão na parte dispositiva e,
por conseguinte, sem alcançar a coisa julgada (CPC, art.
469), mantendo aberta eventual discussão no tocante ao reconhecimento da
união estável e seus efeitos decorrentes. Ante o exposto, não há falar
em falta de interesse de agir, nem de questão prejudicial, pois,
como visto, a sentença que reconheça o direito do companheiro em ação
possessória não depende do julgamento de outro processo. Além do mais,
uma vez que o direito real está sendo conferido
exatamente àquela pessoa que residia no imóvel, que realmente exercia
poder de fato sobre a coisa, a proteção possessória do companheiro
sobrevivente está sendo outorgada à luz do fato jurídico
posse. Nesse contexto, vale ressaltar o disposto no art. 1.210, § 2º, do
CC, segundo o qual “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a
alegação de propriedade, ou de outro
direito sobre a coisa”, e o Enunciado 79 das Jornadas de Direito Civil,
que dispõe que “a exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo
Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório”. REsp 1.203.144-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/5/2014.
Quinta Turma
DIREITO PENAL. UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO PARA CONDUZIR DROGA ILÍCITA.
O
simples fato de o agente utilizar-se de transporte público para
conduzir a droga não atrai a incidência da majorante prevista no art.
40, III, da Lei de Drogas (11.343/2006), que deve ser aplicada somente
quando constatada a efetiva comercialização da substância em seu
interior. Precedente citado do STJ: REsp 1.345.827-AC, Quinta
Turma, DJe 27/3/2014. Precedentes citados do STF: HC 119.782-MS,
Primeira Turma, DJe 3/2/2014; e
HC 115.815-PR, Segunda Turma, DJe 28.8.2013. AgRg no REsp 1.295.786-MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em
18/6/2014 (Vide Informativo n. 481).
DIREITO
PROCESSUAL PENAL. NULIDADE DE PROVA ADVINDA DE QUEBRA DE SIGILO
BANCÁRIO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
Os
dados obtidos pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da LC
105/2001, mediante requisição direta às instituições bancárias no âmbito
de processo administrativo
fiscal sem prévia autorização judicial, não podem ser utilizados para
sustentar condenação em processo penal. Efetivamente,
afigura-se decorrência lógica do respeito aos direitos à
intimidade e à privacidade (art. 5º, X, da CF) a proibição de que a
administração fazendária afaste, por autoridade própria, o sigilo
bancário do contribuinte, especialmente se considerada sua
posição de parte na relação jurídico-tributária, com interesse direto no
resultado da fiscalização. Apenas o Judiciário, desinteressado que é na
solução material da
causa e, por assim dizer, órgão imparcial, está apto a efetuar a
ponderação imprescindível entre o dever de sigilo – decorrente da
privacidade e da intimidade asseguradas aos indivíduos em geral e
aos contribuintes, em especial – e o também dever de preservação da
ordem jurídica mediante a investigação de condutas a ela atentatórias.
Nesse contexto, diante da ilicitude da quebra do sigilo
bancário realizada diretamente pela autoridade fiscalizadora sem prévia
autorização judicial, deve ser reconhecida a inadmissibilidade das
provas dela advindas, na forma do art. 157 do CPP, de acordo com o qual
“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais”. Precedente citado do STF: RE 389.808-PR,
Tribunal
Pleno, DJe 9/5/2011. Precedente citado do STJ: RHC 41.532-PR, Sexta
Turma, DJe 28/2/2014; e AgRg no REsp 1.402.649-BA, Sexta Turma, DJe
18/11/2013. REsp 1.361.174-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/6/2014.
DIREITO
PROCESSUAL PENAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL NO CASO DE
INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO QUANDO CABÍVEL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
Pode
ser conhecida como recurso em sentido estrito a apelação erroneamente
interposta contra decisão que julga inepta a denúncia, com a condição de
que, constatada a ausência de
má-fé, tenha sido observado o prazo legal para a interposição daquele
recurso e desde que o erro não tenha gerado prejuízo à parte recorrida
no que tange ao processamento do recurso. Isso porque,
nessa situação, tem aplicabilidade o princípio da fungibilidade
recursal. De fato, o art. 581, I, do CPP dispõe que caberá recurso em
sentido estrito da decisão, despacho ou sentença que não
receber a denúncia ou a queixa. Todavia, o mero equívoco na indicação do
meio de impugnação escolhido para atacar a decisão não deve implicar
necessariamente a inadmissibilidade do recurso,
conforme determina o art. 579 do CPP, segundo o qual “Salvo a hipótese
de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso
por outro. Parágrafo único. Se o juiz,
desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte,
mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível”.
Precedentes citados: AgRg no REsp 1.244.829-RS, Quinta Turma, DJe
27/4/2012; e HC
117.118-MG, Sexta Turma, DJe 3/8/2009. REsp 1.182.251-MT, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 5/6/2014.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO TIPO DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO DE ADOLESCENTE.
O cliente que
conscientemente se serve da prostituição de adolescente, com ele
praticando conjunção carnal ou outro ato libidinoso, incorre no tipo
previsto no inciso I do § 2º do
art. 218-B do CP (favorecimento da prostituição ou de outra forma de
exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável), ainda que
a vítima seja atuante na prostituição e que a
relação sexual tenha sido eventual, sem habitualidade. Assim
dispõe o art. 218-B do CP, incluído pela Lei 12.015/2009: “Submeter,
induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de
exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a
abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos”. O inciso I do
§ 2º do referido artigo, por sua vez, prescreve o seguinte: “Incorre
nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato
libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos
na situação descrita no caput deste artigo”. Da análise da
previsão típica do art. 218-B do CP, especialmente do inciso I
do § 2º, extrai-se que o fato de já ser a vítima corrompida, atuante na
prostituição, é irrelevante para o tipo penal. Não se pune a provocação
de deterioração moral, mas o
incentivo à atividade de prostituição, inclusive por aproveitamento
eventual dessa atividade como cliente. Pune-se não somente quem atua
para a prostituição do adolescente – induzindo, facilitando ou
submetendo à prática ou, ainda, dificultando ou impedindo seu abandono
–, mas também quem se serve desta atividade. Trata-se de ação
político-social de defesa do adolescente, mesmo contra a vontade deste,
pretendendo afastá-lo do trabalho de prostituição pela falta de quem se
sirva de seu atendimento. A condição de vulnerável é no tipo penal
admitida por critério biológico ou etário,
neste último caso pela constatação objetiva da faixa etária, de 14 a 18
anos, independentemente de demonstração concreta dessa condição de
incapacidade plena de auto-gestão. O tipo penal,
tampouco, faz qualquer exigência de habitualidade da mantença de
relações sexuais com adolescente submetido à prostituição. Habitualidade
há na atividade de prostituição do
adolescente, não nos contatos com aquele que de sua atividade serve-se.
Basta único contato consciente com adolescente submetido à prostituição
para que se configure o crime. A propósito, não tem
relação com a hipótese em análise os precedentes pertinentes ao art.
244-A do ECA, pois nesse caso é exigida a submissão (condição de poder
sobre alguém) à prostituição
(esta atividade sim, com habitualidade). No art. 218-B, § 2º, I, pune-se
outra ação, a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à
prostituição – e nessa conduta
não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na
habitualidade da prostituição. HC 288.374-AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/6/2014.
DIREITO PENAL. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 12.015/2009.
O
condenado por estupro e atentado violento ao pudor, praticados no mesmo
contexto fático e contra a mesma vítima, tem direito à aplicação
retroativa da Lei 12.015/2009, de modo a ser
reconhecida a ocorrência de crime único, devendo a prática de ato
libidinoso diverso da conjunção carnal ser valorada na aplicação da
pena-base referente ao crime de estupro. De início,
cabe registrar que, diante do princípio da continuidade normativa, não há falar em abolitio criminis
quanto ao crime de atentado violento ao pudor cometido antes da
alteração legislativa conferida pela Lei
12.015/2009. A referida norma não descriminalizou a conduta prevista na
antiga redação do art. 214 do CP (que tipificava a conduta de atentado
violento ao pudor), mas apenas a deslocou para o art. 213 do CP,
formando um tipo penal
misto, com condutas alternativas (estupro e atentado violento ao pudor).
Todavia, nos termos da jurisprudência do STJ, o reconhecimento de crime
único não implica desconsideração absoluta da conduta referente
à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, devendo tal
conduta ser valorada na dosimetria da pena aplicada ao crime de estupro,
aumentando a pena-base. Precedentes citados: HC 243.678-SP, Sexta
Turma, DJe
13/12/2013; e REsp 1.198.786-DF, Quinta Turma, DJe 10/04/2014. HC 212.305-DF, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora
Convocada do TJ/SE), julgado em 24/4/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE GRAVAÇÃO TELEFÔNICA COMO PROVA DE CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL.
Em
processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente
absolutamente incapaz, é admissível a utilização de prova extraída de
gravação telefônica
efetivada a pedido da genitora da vítima, em seu terminal telefônico,
mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive particular para a
captação das conversas. Consoante dispõe o art. 3°, I,
do CC, são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos, não
podendo praticar ato algum por si, de modo que são representados por
seus pais. Assim, é válido o consentimento do genitor para gravar as
conversas
do filho menor. De fato, a gravação da conversa, em situações como a ora
em análise, não configura prova ilícita, visto que não ocorre, a rigor,
uma interceptação da
comunicação por terceiro, mas mera gravação, com auxílio técnico de
terceiro, pelo proprietário do terminal telefônico, objetivando a
proteção da liberdade sexual de absolutamente
incapaz, seu filho, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do
poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores,
de proteção e vigilância. A presente hipótese se assemelha, em
verdade, à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um
dos interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de
crime por este último, situação
já reconhecida como válida pelo STF (HC 75.338, Tribunal Pleno, DJ
25/9/1998). Destaque-se que a proteção integral à criança, em especial
no que se refere às agressões sexuais, é
preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida em
caráter prioritário (art. 227, caput, c/c o § 4º, da CF), e de
instrumentos internacionais. Com efeito, preceitua o art. 34,
"b", da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada
pela Resolução 44/25 da ONU, em 20/11/1989, e internalizada no
ordenamento jurídico nacional mediante o DL 28/1990, verbis:
“Os Estados-partes se comprometem a proteger a criança contra todas as
formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados-parte
tomarão, em especial, todas as medidas de caráter
nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir:
(...) b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas
sexuais ilegais; (...)”. Assim, é inviável
inquinar de ilicitude a prova assim obtida, prestigiando o direito à
intimidade e privacidade do acusado em detrimento da própria liberdade
sexual da vítima absolutamente incapaz e em face de toda uma política
estatal de
proteção à criança e ao adolescente, enquanto ser em desenvolvimento. REsp 1.026.605-ES,
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA QUE NÃO INDIVIDUALIZA A CONDUTA DE SÓCIO E ADMINISTRADOR DE PESSOA JURÍDICA.
É
inepta a denúncia que, ao imputar a sócio a prática dos crimes contra a
ordem tributária previstos nos incisos I e II do art. 1º da Lei
8.137/1990, limita-se a transcrever trechos dos
tipos penais em questão e a mencionar a condição do denunciado de
administrador da sociedade empresária que, em tese, teria suprimido
tributos, sem descrever qual conduta ilícita supostamente cometida pelo
acusado
haveria contribuído para a consecução do resultado danoso. Assim dispõe o art. 1º, I e II, da Lei 8.137/1990: “Constitui
crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa
às autoridades fazendárias; II - fraudar a
fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo
operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei
fiscal”. Posto isso, cabe ressaltar que uma denúncia deve ser
recebida se atendido seu aspecto formal (artigo 41 c/c 395, I, do CPP),
identificada a presença tanto dos pressupostos de existência e validade
da relação processual, quanto das condições para o exercício
da ação penal (artigo 395, II, do CPP), e a peça vier acompanhada de
lastro probatório mínimo a amparar a acusação (art. 395, III, do CPP).
Nesse contexto, observa-se que o simples fato de o acusado ser
sócio e administrador da empresa constante da denúncia não pode levar a
crer, necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos
delituosos, a ponto de se ter dispensado ao menos uma sinalização de
sua conduta, ainda que breve, sob pena de restar configurada a repudiada
responsabilidade criminal objetiva. Não se pode admitir que a narrativa
criminosa seja resumida à simples condição de acionista, sócio, ou
representante legal de uma pessoa jurídica ligada a eventual prática
criminosa. Vale dizer, admitir a chamada denúncia genérica nos crimes
societários e de autoria coletiva não implica aceitar que a
acusação deixe de correlacionar, com o mínimo de concretude, os fatos
considerados delituosos com a atividade do acusado. Não se deve admitir
que o processo penal se inicie com uma imputação que não pode
ser rebatida pelo acusado, em face da indeterminação dos fatos que lhe
foram atribuídos, o que, a toda evidência, contraria as bases do sistema
acusatório, de cunho constitucional, mormente a garantia insculpida no
inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal. HC 224.728-PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 10/6/2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fale a verdade.