O
Pleno do Tribunal Superior do Trabalho reafirmou, nesta segunda-feira, a
jurisprudência do TST no sentido de que a natureza salarial das
chamadas horas in itinere, ou de deslocamento, não pode ser afastada por
meio de acordo coletivo. Por maioria, o Pleno desproveu recurso de
embargos da Usina de Açúcar Santa Terezinha Ltda., de Maringá (PR),
contra decisão que a condenou ao pagamento do adicional de horas extras e
dos reflexos dessa parcela sobre as demais verbas trabalhistas, como
descansos semanais remunerados, férias, 13º salário e FGTS.
A
cláusula em questão previa o fornecimento de transporte pelo
empregador, fixando em uma hora diária o tempo dispendido no trajeto.
Esta hora seria calculada sobre o piso da categoria e não integraria os
salários para nenhum efeito contratual e legal, nem seria computada como
jornada extraordinária.
Ao
julgar recurso de um trabalhador rural contra a usina, o Tribunal
Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) entendeu que a supressão das
horas in itinere ou de direitos a elas inerentes só seria possível
mediante a concessão de uma vantagem correspondente, o que não houve no
acordo coletivo. "Não seria razoável admitir mera renúncia por parte da
classe trabalhadora a direitos mínimos que lhes são assegurados por
lei", afirma o acórdão.
A
Segunda Turma do TST não conheceu de recurso de revista da empresa, que
interpôs embargos à SDI-1. Em dezembro de 2014, a SDI-1 decidiu afetar a
matéria ao Pleno. Nos embargos, a usina sustentava que, "se as partes
ajustaram, com chancela sindical, um determinado número de horas e que o
valor tem apenas caráter indenizatório, não há como não prestigiar a
vontade das partes", apontando violação do artigo 7º, incisos VI, XIII e
XXVI, da Constituição Federal.
O
processo foi colocado em pauta depois de duas decisões do Supremo
Tribunal Federal no sentido da prevalência da autonomia coletiva: os
Recursos Extraordinários 590415, em que o Plenário admitiu a quitação
ampla aos trabalhadores que aderiram ao Plano de Demissão Voluntária do
Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), e 895759, no qual, em decisão
monocrática, o ministro Teori Zavascki conferiu validade a acordo
coletivo que suprimiu horas in itinere numa usina em Pernambuco. Por
maioria, o Pleno do TST entendeu que os precedentes do STF não se
aplicam ao caso presente.
Distinguishing
O
ministro Augusto César Leite de Carvalho (foto), relator do caso,
listou seis fundamentos para negar provimento aos embargos. Na decisão
final, embora chegando ao mesmo resultado, prevaleceram dois desses
fundamentos: o de que a autonomia negocial coletiva não é absoluta e a
de que os precedentes do STF não comportam interpretação esquemática.
Segundo o relator, há sempre a possibilidade de uma das partes suscitar um elemento de distinção (o chamado distinguishing)
que escape aos aspectos factuais e jurídicos da controvérsia analisada
pelo Supremo Tribunal Federal. Ao decidir pela validade da cláusula
coletiva no RE 895759, o ministro Teori Zavascki tomou como fundamento o
fato de o acordo ter suprimido as horas in itinere mediante
contrapartidas como cesta básica durante a entressafra e benefícios como
seguro de vida e salário família superiores ao limite legal.
No
processo julgado pelo TST, porém, a maioria entendeu que não houve
contrapartida para os trabalhadores. "O TRT afirmou, sem rodeios, a
relação assimétrica que se estabeleceu na negociação coletiva que
conduziu à conversão da remuneração do tempo à disposição do empregador
em parcela indenizatória, sem reflexo em tantas outras que têm o salário
como base de cálculo", afirmou Augusto César. "Cuida-se, portanto, de
caso no qual se constata a renúncia a direito trabalhista indisponível
sem qualquer contrapartida".
Temeridade
O
ministro João Oreste Dalazen, que liderou a corrente majoritária que
adotou apenas dois dos seis fundamentos do relator, afirmou ser "uma
temeridade" dar validade a cláusulas de acordo coletivo de trabalho ou
convenção que meramente suprimam direitos trabalhistas, "mormente ante a
notória debilidade da maioria das entidades sindicais brasileiras". A
seu ver, isso implicaria "um retrocesso histórico, um verdadeiro
desmonte do Direito do Trabalho, que voltaria praticamente à estaca zero
da concepção civilista do pacta sunt servanda", ou da força obrigatória dos contratos.
"Uma
coisa é flexibilizar o cumprimento das leis trabalhistas e valorizar a
negociação coletiva. Outra, muito diferente, é dar um sinal verde para a
pura e simples redução de direitos, contrariando a natureza e os
fundamentos do Direito do Trabalho", assinalou Dalazen. "No caso, não
houve concessão de vantagem compensatória alguma para a supressão da
natureza salarial das horas in itinere. Este é um fator relevante de
distinção que autoriza a negar provimento aos embargos".
Divergência
Ficaram
vencidos os ministros Ives Gandra Martins Filho, presidente do TST, e
Barros Levenhagen, e as ministras Maria Cristina Peduzzi e Dora Maria da
Costa, que davam provimento aos embargos para conferir validade à
cláusula.
Para
o presidente do TST, o caso se encaixa no precedente do ministro Teori
Zavascki, do STF, baseado nos incisos VI e XIII do artigo 7º, que
admitem a flexibilização de salário e jornada. "Não está em jogo a saúde
do trabalhador nem a indisponibilidade de direitos", afirmou.
O
ministro Ives Gandra Filho discordou ainda do entendimento de que não
houve contrapartida ao trabalhador. "A cláusula flexibiliza, mas ao
mesmo tempo concede o transporte independentemente de haver transporte
público ou de ser local de fácil acesso, como exige a lei e a
jurisprudência", observou. "Ou seja, dá direito até para quem não o
tem".
O caso
Na
reclamação trabalhista, um trabalhador rural alegava que o
deslocamento, em transporte da empresa, da cidade de Mariluz, onde
morava, até as frentes de trabalho levava cerca de uma hora na ida e uma
hora na volta. Segundo apontou, os trabalhadores não tinham local fixo
para realizar suas atividades, pois trabalhavam nas fazendas da usina e
mudavam de local constantemente, e que "nunca sabia onde iria trabalhar
no dia seguinte". Sustentou ainda que, além de não existir linha regular
de ônibus, o recolhimento de trabalhadores rurais na região se dava em
pontos e horários predeterminados, e por imposição do empregador. Por
isso, pedia o pagamento das horas in itinere como tempo trabalhado, e seus reflexos nas demais parcelas.
A
empresa, na contestação, afirmou que as horas de trajeto foram pagas
com base nos acordos coletivos firmados com o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Mariluz, sendo, portanto, "vedada qualquer
apreciação judicial".
A
condenação ao pagamento das horas pela Segunda Turma seguiu o
entendimento consolidado no item V da Súmula 90 do TST, que assegura a
remuneração das horas in itinere com o adicional horas extras de no mínimo 50%, previsto no inciso XVI do artigo 7º da Constituição da República.
(Carmem Feijó. Foto: Aldo Dias)
Processo: RR-205900-57.2007.5.09.0325 - Fase Atual: E
O
Tribunal Pleno do TST é constituído pelos 27 ministros da Corte e
precisa da presença de, no mínimo, 14 julgadores para funcionar. Entre
suas atribuições está a aprovação de emendas ao Regimento Interno, a
eleição da direção do Tribunal, a escolha de nomes que integrarão listas
para vagas de ministro do TST, a decisão sobre disponibilidade ou
aposentadoria de ministro do Tribunal por motivo de interesse público, a
manifestação oficial sobre propostas de alterações da legislação
trabalhista (inclusive processual), a declaração de
inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, a
aprovação, revisão ou cancelamento de súmula ou de precedente normativo e
o julgamento dos Incidentes de Uniformização de Jurisprudência (IUJ).
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