Corte Especial
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. CUMULAÇÃO DA MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO
CPC COM A INDENIZAÇÃO PELO RECONHECIMENTO DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ (ARTS.
17, VII, E 18, § 2º, DO CPC). RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E
RES. 8/2008-STJ).
A
multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC tem caráter
eminentemente administrativo – punindo conduta que ofende a dignidade do
tribunal e a função pública do processo
–, sendo possível sua cumulação com a sanção prevista nos arts. 17, VII,
e 18, § 2º, do CPC, de natureza reparatória. De fato, como bem
anota a doutrina e demonstra a
jurisprudência, os embargos de declaração, em que pese a sua
imprescindibilidade como precioso instrumento para aprimoramento da
prestação jurisdicional, sobressaem como o recurso com mais propensão à
procrastinação, despertando a atenção do legislador. Nesse passo,
extrai-se da leitura do art. 538, parágrafo único, do CPC que o
legislador, previu, para o primeiro manejo, a mesma multa contida no
art. 18,
caput, ampliando, todavia, as hipóteses de incidência da
reprimenda do art. 17, VII, pois a norma especial (art. 538) não exige o
“intuito” manifestamente protelatório, isto é, dispensa a
caracterização da culpa grave ou do dolo por parte do recorrente –
exigida pela regra geral (art. 18). Observa-se, assim, que o legislador
não pretendeu conferir tratamento mais benevolente ao litigante de má-fé
que se utiliza do expediente do manejo de aclaratórios com intuito
procrastinatório, tampouco afastou a regra processual geral, prevista no
art. 18, § 2º, do CPC, que prevê indenização à parte
contrária, em caso de utilização de expediente com intuito
manifestamente protelatório. Nessa linha, como princípio de
hermenêutica, não compete ao intérprete distinguir onde o legislador,
podendo,
não o fez. Desse modo, não se deve considerar a melhor interpretação a
que determina que a norma especial afasta, por si só, integralmente, a
norma geral, inclusive naquilo em que claramente não são
incompatíveis. Assim, conforme a doutrina, as disposições excepcionais
são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, por isso,
ainda em casos em que se paire dúvida, deve-se, como regra
basilar de hermenêutica, interpretar restritamente as disposições
especiais que derrogam as gerais, pois não pretendem ir além do que o
seu texto prescreve. Com efeito, mostra-se possível a
cumulação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC com a
condenação a indenizar prevista nos arts. 17, VII, e 18, § 2º, do CPC,
em caso de manejo de embargos de declaração
com o intuito claramente protelatório. Precedentes do STJ: EDcl nos EDcl
nos EDcl no AgRg no REsp 314.173-MG, Segunda Turma, DJ 10/3/2003; REsp
544.688-SP, Quinta Turma, julgado em 28/10/2003, DJ 24/11/2003.
Precedentes do STF: RE 202.097
ED-EDv-AgR-ED, Tribunal Pleno, DJ 14/11/2003, AO 1407 QO-ED-ED, Segunda
Turma, DJe 14/8/2009. REsp 1.250.739-PA,
Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/12/2013.
Primeira Seção
DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO DECRETO
4.882/2003 PARA RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RECURSO REPETITIVO
(ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
O
limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de
serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6/3/1997 a
18/11/2003, conforme Anexo IV do Decreto
2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação
retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob
pena de ofensa ao art. 6º da LINDB. De início, a
legislação que rege o tempo de serviço para fins previdenciários é
aquela vigente à época da prestação, matéria essa já abordada de forma
genérica em dois recursos
representativos de controvérsias, submetidos ao rito do art. 543-C do
CPC (REsp 1.310.034-PR, Primeira Seção, DJe 19/12/2012 e REsp
1.151.363-MG, Terceira Seção, DJe 5/4/2011). Ademais, o STJ, no âmbito
de
incidente de uniformização de jurisprudência, também firmou compreensão
pela impossibilidade de retroagirem os efeitos do Decreto 4.882/2003.
(Pet 9.059-RS, Primeira Seção, DJe 9/9/2013). Precedentes
citados: AgRg no REsp 1.309.696-RS, Primeira Turma, DJe 28/6/2013; e
AgRg no REsp 1.352.046-RS, Segunda Turma, DJe 8/2/2013. REsp 1.398.260-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/5/2014.
Segunda Seção
DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. PLANOS DE BENEFÍCIOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA
PATROCINADOS PELA ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA. RECURSO REPETITIVO
(ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Nos
planos de benefícios de previdência privada fechada, patrocinados pelos
entes federados – inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de
economia mista e empresas controladas direta ou
indiretamente –, é vedado o repasse de abono e vantagens de qualquer
natureza para os benefícios em manutenção, sobretudo a partir da
vigência da LC 108/2001, independentemente das disposições
estatutárias e regulamentares; e não é possível a concessão de verba não
prevista no regulamento do plano de benefícios de previdência privada,
pois a previdência complementar tem por pilar o
sistema de capitalização, que pressupõe a acumulação de reservas para
assegurar o custeio dos benefícios contratados, em um período de longo
prazo. De início, cumpre consignar que a
relação contratual mantida entre a entidade de previdência privada
administradora do plano de benefícios e os assistidos não se confunde
com a relação de emprego, estabelecida entre participantes obreiros
e a patrocinadora. Desse modo, é manifestamente descabida a aplicação
pura e simples – alheia às peculiaridades do regime de previdência
privada –, dos princípios, regras gerais e
disposições normativas próprias do direito do trabalho. A constituição
de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita
por meio de cálculos embasados em estudos de natureza
atuarial, que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o
respectivo custeio. Dessarte, os planos de previdência complementar de
adesão facultativa devem ser elaborados com base em cálculos atuariais e
reavaliados ao final de
cada exercício, conforme o art. 43 da ab-rogada Lei 6.435/1977 e o art.
23 da LC 109/2001. Nesse passo, o art. 202 da CF consagra o regime de
financiamento por capitalização, ao estabelecer que a previdência
privada tem
caráter complementar – baseado na constituição de reservas que garantam o
benefício contratado –, adesão facultativa e
organização autônoma em relação ao
regime geral de previdência social. Nesse sentido, a EC 20/1998 passou a
estabelecer, no art. 202, § 3º, ser vedado o aporte de recursos à
entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de
economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de
patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua
contribuição normal poderá exceder a do segurado. A propósito, o art.
7º, parágrafo único, da LC 108/2001 estabelece que a despesa
administrativa da entidade de previdência será custeada pelo
patrocinador e pelos participantes e assistidos, facultada aos
patrocinadores a cessão de pessoal às entidades de previdência
complementar que patrocinam, desde que ressarcidos os custos
correspondentes. Cabe, ainda, observar que, no
regime fechado de previdência privada, a entidade não opera com
patrimônio próprio – sendo-lhe vedada até mesmo a obtenção de lucro –,
tratando-se tão somente de administradora do fundo
formado pelas contribuições da patrocinadora e dos participantes e
assistidos, havendo um mutualismo, com explícita submissão ao regime de
capitalização. Na verdade, existe explícito mecanismo de
solidariedade sobre os valores alocados ao fundo comum obtidos pelo
plano de benefícios pertencentes aos participantes e beneficiários do
plano, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em
favor de seus
próprios integrantes. Ademais, o art. 20 da LC 109/2001 estabelece que o
resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades
fechadas, ao final do exercício, depois de satisfeitas as exigências
regulamentares
relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de
reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de
vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será
estabelecida reserva especial para revisão do plano de benefícios que,
se não utilizada por três exercícios consecutivos,
determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios. Nesse
contexto, é razoável a vedação, incidindo para os planos de benefícios
já instituídos, do repasse de ganhos de
produtividade, abono e vantagens de qualquer natureza obtidos pelos
participantes em atividade para os benefícios promovidos pelo plano de
previdência, em razão de regra jurídica cogente contida no art. 3º,
parágrafo único, da LC 108/2001. Ressalte-se, ainda, que a LC 108/2001
vinculou assistidos, participantes, entidade de previdência privada e
órgãos públicos fiscalizador e regulador às suas regras de
caráter cogente e eficácia imediata, sendo desnecessária a submissão das
novas diretrizes traçadas pela referida norma à deliberação do conselho
da entidade de previdência privada e posterior
aprovação pelo órgão público fiscalizador, a fim de promover alteração
regulamentar. Convém esclarecer que é dever do Estado velar pelos
interesses dos participantes e beneficiários
dos planos – verdadeiros detentores do fundo formado –, garantindo a
irredutibilidade do benefício, mas não a concessão, em prejuízo do
equilíbrio atuarial, de ganhos reais aos assistidos, que já
gozam de situação privilegiada com relação aos participantes – que
poderão, em caso de desequilíbrio atuarial, ver reduzidos os benefícios a
serem concedidos. Por fim, mutatis mutandis, em
se tratando de relação estatutária, envolvendo servidores públicos,
consoante a iterativa jurisprudência do STF, só há violação ao direito
adquirido e à irredutibilidade de vencimentos
em caso de redução do valor nominal dos vencimentos. REsp 1.425.326-RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 28/5/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. CARACTERIZAÇÃO DO INTUITO PROTELATÓRIO EM EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Caracterizam-se
como protelatórios os embargos de declaração que visam rediscutir
matéria já apreciada e decidida pela Corte de origem em conformidade com
súmula do STJ ou STF ou,
ainda, precedente julgado pelo rito dos artigos 543-C e 543-B do CPC. Se
os embargos de declaração não buscam sanar omissão, contradição ou
obscuridade do acórdão embargado –
desbordando, pois, dos requisitos indispensáveis inscritos no art. 535
do CPC –, mas sim rediscutir matéria já apreciada e julgada, eles são
protelatórios. Da mesma forma, quando o acórdão do
Tribunal a quo, embargado, estiver perfeitamente ajustado à orientação pacífica do Tribunal ad quem, não haverá nenhuma possibilidade de sucesso de eventual recurso ao Tribunal ad
quem. Dessarte, não se pode imaginar propósito de prequestionamento diante de recurso já manifestamente inviável para o Tribunal ad quem.
Além disso, em casos assim, o sistemático cancelamento da
multa por invocação da Súmula 98 do STJ incentiva a recorribilidade
abusiva e frustra o elevado propósito de desestimular a interposição de
recursos manifestamente inviáveis, seja perante o Tribunal a
quo, seja perante o Tribunal ad quem. REsp 1.410.839-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em
14/5/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. CONHECIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO INSTRUÍDO
COM CÓPIA DA CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO
REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ).
A
ausência da cópia da certidão de intimação da decisão agravada não é
óbice ao conhecimento do agravo de instrumento quando, por outros meios
inequívocos,
for possível aferir a tempestividade do recurso, em atendimento ao
princípio da instrumentalidade das formas. O STJ entende que,
apesar de a certidão de intimação da decisão agravada constituir
peça obrigatória para a formação do instrumento do agravo (art. 525, I,
do CPC), sua ausência pode ser relevada desde que seja possível aferir,
de modo inequívoco, a tempestividade do agravo por outro meio
constante dos autos. Esse posicionamento é aplicado em homenagem ao
princípio da instrumentalidade das formas para o qual o exagerado
processualismo deve ser evitado de forma a que o processo e seu uso
sejam convenientemente conciliados e
realizados. Precedentes citados: REsp 676.343-MT, Quarta Turma, DJe
8/11/2010; e AgRg no AgRg no REsp 1.187.970-SC, Terceira Turma, DJe
16/8/2010. REsp 1.409.357-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 14/5/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. ÔNUS DO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS EM
LIQUIDAÇÃO POR CÁLCULOS DO CREDOR. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC
E RES. 8/2008-STJ).
Na
liquidação por cálculos do credor, descabe transferir do exequente para
o executado o ônus do pagamento de honorários devidos ao perito que
elabora a memória de cálculos.
Com efeito, se o magistrado proferir sentença ilíquida, antes
de se iniciar a fase de cumprimento de sentença, é necessária a
liquidação do débito, que poderá ser realizada por meio
de apresentação de cálculos pelo credor (art. 475-B do CPC) ou pela
instauração de fase autônoma de liquidação nas hipóteses em que a
determinação do quantum debeatur
envolver cálculos complexos, que extrapolem a aritmética elementar,
nos termos dos arts. 475-C e seguintes do CPC. Desse modo, a fase
autônoma de liquidação de sentença está restrita a apenas duas
hipóteses: (a) liquidação por arbitramento, quando se faz necessário
perícia para a determinação do quantum debeatur; e (b)
liquidação por artigos, quando necessário provar
fato novo. Assinala-se que a liquidação por cálculos do credor
processa-se extrajudicialmente, por memória de cálculo apresentada por
esse, instaurando-se logo em seguida o cumprimento de sentença. Isso
porque,
tratando-se de aritmética elementar (soma, subtração, divisão e
multiplicação), não há necessidade de contratação de um profissional
para a elaboração da conta a ser
paga, podendo a memória de cálculos ser elaborada diretamente pela parte
ou por seu advogado. Entretanto, na hipótese em que o credor
corriqueiramente contrate um expert para elaborar a planilha e
pleiteie a
condenação do vencido ao pagamento de mais essa despesa, o STJ entende
que o encargo já foi atribuído pelo CPC ao credor, sendo descabido
transferi-lo ao devedor. Além disso, importa frisar que a
instauração de fase autônoma de liquidação em vez de liquidação por
cálculos do credor prolonga a resolução do litígio, pois possibilita o
acesso às instâncias
recursais para discussão de questões interlocutórias, o que não
ocorreria se tivesse sido adotada a liquidação por cálculos do credor,
concentrando-se, dessa maneira, a controvérsia do quantum
debeatur na impugnação ao cumprimento de sentença. Precedente citado: EREsp 450.809-RS, Corte Especial, DJ 9/2/2004. REsp 1.274.466-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/5/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. UTILIZAÇÃO DA CONTADORIA JUDICIAL POR BENEFICIÁRIO DA
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES.
8/2008-STJ).
Se o credor for beneficiário da gratuidade da justiça, pode-se determinar a elaboração dos cálculos pela contadoria judicial. Precedente citado: EREsp 450.809-RS, Corte Especial, DJ
9/2/2004. REsp 1.274.466-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/5/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS EM LIQUIDAÇÃO DE
SENTENÇA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Na
fase autônoma de liquidação de sentença (por arbitramento ou por
artigos), incumbe ao devedor a antecipação dos honorários periciais. Com
efeito, na fase de
conhecimento, o ônus relativo ao pagamento dos honorários periciais é
distribuído entre as partes de acordo com os arts. 19, 20 e 33 do CPC.
Em razão dos referidos dispositivos legais, as despesas para a prática
de atos processuais são antecipadas pela parte neles interessada (arts.
19 e 33 do CPC), mas o débito relativo a esses gastos sempre é imputado,
no final do processo, à parte vencida, perdedora da demanda (art. 20 do
CPC).
Nesse passo, o art. 33 do CPC, que atribui ao autor da ação o encargo de
antecipar os honorários periciais nas hipóteses em que a perícia é
determinada a requerimento de ambas as partes, deve ser interpretado
sistematicamente com o art. 20 do mesmo diploma legal, que imputa o
débito ao vencido. Assim, se o débito é imputado ao vencido, e já se
sabe quem o foi na demanda, não faz sentido atribuir a antecipação
da despesa ao vencedor para depois imputá-la ao vencido. É mais adequado
e efetivo imputar o encargo diretamente a quem deve suportá-lo. Desse
modo, as regras dos arts. 19 e 33 têm aplicabilidade somente até o
trânsito em julgado da sentença. Após isso, incide diretamente a regra
do art. 20 do CPC, que imputa os encargos ao derrotado (REsp 993.559-RS,
Quarta Turma, DJe 10/11/2008; e REsp 117.976-SP, Quinta Turma, DJ
29/11/1999). Ademais,
conforme entendimento doutrinário a respeito do tema, o processo não
pode causar prejuízo a quem “tem razão”. Ora, depois de transitada em
julgado a sentença condenatória, já se tem
definição sobre quem “tem razão”. Assim, o autor da liquidação de
sentença não deve antecipar os honorários periciais, pois o processo não
lhe pode causar
diminuição patrimonial, na medida em que se sagrou vencedor no processo
de conhecimento. Ademais, numa visão solidarista do processo, não parece
adequado dizer que apenas o autor tenha interesse na liquidação do
julgado. A reforma processual advinda da Lei 11.232/2005 evidencia, em
vários dispositivos legais, que ambas as partes têm o dever de
cooperação na fase de cumprimento do julgado, em respeito à autoridade
das
decisões judiciais. O art. 475-J do CPC, por exemplo, comina multa ao
devedor que não pague espontaneamente a condenação no prazo de 15 dias,
denotando que a conduta legitimamente esperada do vencido é o
cumprimento
espontâneo do julgado. Outro exemplo é o art. 475-L do CPC, que obriga o
devedor a indicar a quantia que entende devida ao credor, quando for
alegado excesso de execução. Depreende-se desses e de outros
dispositivos legais que
a lei presume o interesse do devedor no cumprimento do julgado, de forma
que eventual conduta contrária não pode ser amparada pelo direito. Na
verdade, o interesse no cumprimento de sentença transitada em julgado é
de ambas
as partes. REsp 1.274.466-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/5/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO
DE ALIMENTOS EM PROVEITO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE. RECURSO REPETITIVO
(ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
O
Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de
alimentos em proveito de criança ou adolescente, independentemente do
exercício do poder familiar dos pais, ou de o
infante se encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ou de quaisquer outros
questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública
na
comarca. De fato, o art. 127 da CF traz, em seu caput,
a identidade do MP, seu núcleo axiológico, sua vocação primeira, que é
ser “instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”. Ademais, nos incisos I a VIII do mesmo dispositivo, a CF
indica, de forma meramente exemplificativa, as funções institucionais
mínimas do MP, trazendo, no inciso IX, cláusula de abertura que permite à
legislação infraconstitucional o incremento de outras
atribuições, desde que compatíveis com a vocação constitucional do MP.
Diante disso, já se deduz um vetor interpretativo invencível: a
legislação infraconstitucional que se propuser a
disciplinar funções institucionais do MP poderá apenas elastecer seu
campo de atuação, mas nunca subtrair atribuições já existentes no
próprio texto constitucional ou mesmo sufocar ou criar
embaraços à realização de suas incumbências centrais, como a defesa dos
“interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF) ou do
respeito “aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art.
129, II, da CF). No ponto, não há dúvida de que a defesa dos interesses
de crianças e adolescentes, sobretudo no que concerne
à sua subsistência e integridade, insere-se nas atribuições centrais do
MP, como órgão que recebeu a incumbência constitucional de defesa dos
interesses individuais indisponíveis. Nesse particular,
ao se examinar os principais direitos da infância e juventude (art. 227,
caput, da CF), percebe-se haver, conforme entendimento
doutrinário, duas linhas principiológicas básicas bem identificadas: de
um lado, vige o
princípio da absoluta prioridade desses direitos; e, de outro lado, a
indisponibilidade é sua nota predominante, o que torna o MP naturalmente
legitimado à sua defesa. Além disso, é da própria letra da CF que se
extrai esse dever que transcende a pessoa do familiar envolvido,
mostrando-se eloquente que não é só da família, mas da sociedade e do
Estado, o dever de assegurar à criança e ao adolescente, “com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação” (art. 227, caput),
donde se extrai o interesse público e indisponível envolvido em ações
direcionadas à
tutela de direitos de criança e adolescente, das quais a ação de
alimentos é apenas um exemplo. No mesmo sentido, a CF consagra como
direitos sociais a “alimentação” e “a proteção
à maternidade e à infância” (art. 6º), o que reforça entendimento
doutrinário segundo o qual, em se tratando de interesses indisponíveis
de crianças ou adolescentes (ainda que individuais), e
mesmo de interesses coletivos ou difusos relacionados com a infância e a
juventude, sua defesa sempre convirá à coletividade como um todo. Além
do mais, o STF (ADI 3.463, Tribunal Pleno, DJe 6/6/2012) acolheu
expressamente
entendimento segundo o qual norma infraconstitucional que, por força do
inciso IX do art. 129 da CF, acresça atribuições ao MP local
relacionadas à defesa da criança e do adolescente, é consentânea
com a vocação constitucional do Parquet. Na mesma linha, é a
jurisprudência do STJ em assegurar ao MP, dada a qualidade dos
interesses envolvidos, a defesa dos direitos da criança e do
adolescente,
independentemente de se tratar de pessoa individualizada (AgRg no REsp
1.016.847-SC, Segunda Turma, DJe 7/10/2013; e EREsp 488.427-SP, Primeira
Seção, DJe 29/9/2008). Ademais, não há como diferenciar os interesses
envolvidos
para que apenas alguns possam ser tutelados pela atuação do MP,
atribuindo-lhe legitimidade, por exemplo, em ações que busquem
tratamento médico de criança e subtraindo dele a legitimidade para
ações de alimentos, haja vista que tanto o direito à saúde quanto o
direito à alimentação são garantidos diretamente pela CF com prioridade
absoluta (art. 227, caput), de modo que o MP detém
legitimidade para buscar, identicamente, a concretização, pela via
judicial, de ambos. Além disso, não haveria lógica em reconhecer ao MP
legitimidade para ajuizamento de ação de
investigação de paternidade cumulada com alimentos, ou mesmo a
legitimidade recursal em ações nas quais intervém – como reiteradamente
vem decidindo a jurisprudência do STJ (REsp 208.429-MG, Terceira Turma,
DJ 1/10/2001; REsp 226.686-DF, Quarta Turma, DJ 10/4/2000) –,
subtraindo-lhe essa legitimação para o ajuizamento de ação unicamente de
alimentos, o que contrasta com o senso segundo o qual quem pode mais
pode menos. De
mais a mais, se corretamente compreendida a ideologia jurídica sobre a
qual o ECA, a CF e demais diplomas internacionais foram erguidos, que é a
doutrina da proteção integral, não se afigura acertado inferir
que o art. 201, III, do ECA – segundo o qual compete ao MP promover e
acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos de suspensão e
destituição do poder familiar, nomeação e
remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os
demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da
Juventude – só tenha aplicação nas
hipóteses previstas no art. 98 do mesmo diploma, ou seja, quando houver
violação de direitos por parte do Estado, por falta, omissão ou abuso
dos pais ou em razão da conduta da criança ou adolescente, ou ainda
quando não houver exercício do poder familiar. Isso porque essa solução
implicaria ressurgimento do antigo paradigma superado pela doutrina da proteção integral, vigente durante o Código de
Menores, que é a doutrina do menor em situação irregular. Nesse contexto, é decorrência lógica da doutrina da proteção integral
o princípio da intervenção
precoce, expressamente consagrado no art. 100, parágrafo único, VI, do
ECA, tendo em vista que há que se antecipar a atuação do Estado
exatamente para que o infante não caia no que o Código de Menores
chamava situação irregular, como nas hipóteses de maus-tratos, violação
extrema de direitos por parte dos pais e demais familiares. Além do
mais, adotando-se a solução contrária,
chegar-se-ia em um círculo vicioso: só se franqueia ao MP a legitimidade
ativa se houver ofensa ou ameaça a direitos da criança ou do
adolescente, conforme previsão do art. 98 do ECA. Ocorre que é
exatamente
mediante a ação manejada pelo MP que se investigaria a existência de
ofensa ou ameaça a direitos. Vale dizer, sem ofensa não há ação, mas sem
ação não se descortina eventual
ofensa. Por fim, não se pode confundir a substituição processual do MP –
em razão da qualidade dos direitos envolvidos, mediante a qual se
pleiteia, em nome próprio, direito alheio –, com a
representação processual da Defensoria Pública. Realmente, o fato de
existir Defensoria Pública relativamente eficiente na comarca não se
relaciona com a situação que, no mais das vezes, justifica a
legitimidade do MP, que é a omissão dos pais ou responsáveis na
satisfação dos direitos mínimos da criança e do adolescente, notadamente
o direito à alimentação. É bem de ver
que – diferentemente da substituição processual do MP – a assistência
judiciária prestada pela Defensoria Pública não dispensa a manifestação
de vontade do assistido ou de quem lhe
faça as vezes, além de se restringir, mesmo no cenário da Justiça da
Infância, aos necessitados, no termos do art. 141, § 1º, do ECA. Nessas
situações, o ajuizamento da ação de
alimentos continua ao alvedrio dos responsáveis pela criança ou
adolescente, ficando condicionada, portanto, aos inúmeros interesses
rasteiros que, frequentemente, subjazem ao relacionamento desfeito dos
pais. Ademais, sabe-se que,
em não raras vezes, os alimentos são pleiteados com o exclusivo
propósito de atingir o ex-cônjuge, na mesma frequência em que a pessoa
detentora da guarda do filho se omite no ajuizamento da demanda quando
ainda
remanescer esperança no restabelecimento da relação. Enquanto isso, a
criança aguarda a acomodação dos interesses dos pais, que nem sempre
coincidem com os seus. REsp 1.265.821-BA e REsp 1.327.471-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 14/5/2014.
Terceira Seção
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PENAL RELACIONADA A INVASÃO DE CONSULADO ESTRANGEIRO.
Compete
à Justiça Estadual – e não à Justiça Federal – processar e julgar
supostos crimes de violação de domicílio, de dano e de cárcere privado
– este, em tese, praticado contra agente consular – cometidos por
particulares no contexto de invasão a consulado estrangeiro. De
acordo com o disposto no art. 109, IV e V, da CF, a competência penal
da Justiça
Federal pressupõe que haja ofensa a bens, serviços ou interesses da
União ou que, comprovada a internacionalidade do fato, o crime praticado
esteja previsto em tratados ou convenções internacionais. No entanto,
os
supostos crimes praticados estão previstos no CP, não havendo qualquer
indício de internacionalidade dos fatos. De igual modo, na situação em
análise, as condutas ilícitas não ofendem diretamente
os bens, serviços ou interesses da União, entidades autárquicas ou
empresas públicas federais. Ressalte-se que o disposto nos incisos I e
II do art. 109 da CF e o fato de competir à União a
manutenção de relações diplomáticas com Estados estrangeiros – do que
derivam as relações consulares – não alteram a competência penal da
Justiça Federal. AgRg no
CC 133.092-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/4/2014.
Primeira Turma
DIREITO TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE FÉRIAS GOZADAS.
Incide contribuição previdenciária a cargo da empresa sobre o valor pago a título de férias gozadas. Isso
porque as férias gozadas são verbas de natureza
remuneratória e salarial, nos termos do art. 148 da CLT, e, portanto,
integram o salário de contribuição. Ademais, tem-se que os fundamentos e
pressupostos apresentados no REsp 1.230.957-RS (Primeira Seção, DJe
18/3/2014), apreciado pela sistemática dos recursos repetitivos, para
justificar a incidência da contribuição previdenciária sobre o
salário-maternidade, também servem como sustentação para a
incidência do tributo sobre as férias gozadas, quais sejam: “O fato de
não haver prestação de trabalho durante o período de afastamento da
segurada empregada, associado à circunstância de
a maternidade ser amparada por um benefício previdenciário, não autoriza
conclusão no sentido de que o valor recebido tenha natureza
indenizatória ou compensatória, ou seja, em razão de uma
contingência (maternidade), paga-se à segurada empregada benefício
previdenciário correspondente ao seu salário, possuindo a verba
evidente natureza salarial”. Precedentes citados: AgRg no
REsp 1.355.135-RS, Primeira Turma, DJe 27/2/2013; e AgRg nos EDcl
no AREsp 135.682/MG, Segunda Turma, DJe 14/6/2012. AgRg no REsp 1.240.038-PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 8/4/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXIGÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO PARA FINS DE COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA.
O
disposto no art. 170-A do CTN, que exige o trânsito em julgado para
fins de compensação de crédito tributário, somente se aplica às demandas
ajuizadas após a vigência da
LC 104/2001, a qual acrescentou o referido artigo ao CTN. Precedentes
citados: REsp 1.266.798-CE, Segunda Turma, DJe 25/4/2012; e AgRg nos
EDcl no REsp 1.100.424-PR, Segunda Turma, DJe 27/4/2011. AgRg no REsp 1.240.038-PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 8/4/2014.
Segunda Turma
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. INAPLICABILIDADE DO RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO
QUE INDEFERE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Não cabe recurso especial contra acórdão que indefere a atribuição de efeito suspensivo a agravo de instrumento.
A decisão colegiada que entende pela ausência dos
requisitos necessários à atribuição do efeito suspensivo a agravo de
instrumento não resulta em decisão de única ou última instância, como
previsto art. 105, III, da CF. Há necessidade
de que o Tribunal julgue, definitivamente, o agravo de instrumento em
seu mérito para que a parte vencida possa ter acesso à instância
especial. A propósito, o STF sedimentou entendimento que corrobora esse
posicionamento com
a edição da Súmula 735: “não cabe recurso extraordinário contra acórdão
que defere medida liminar”. Precedentes citados: AgRg no AREsp
464.434-MS, Quarta Turma, DJe 18/3/2014; e AgRg no AREsp
406.477-MA, Segunda Turma, DJe 27/03/2014. REsp 1.289.317-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
27/5/2014.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. INOPONIBILIDADE DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO CASO DE COPROPRIEDADE ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO.
A
viúva não pode opor o direito real de habitação aos irmãos de seu
falecido cônjuge na hipótese em que eles forem, desde antes da abertura
da sucessão,
coproprietários do imóvel em que ela residia com o marido. De
fato, o direito real de habitação (arts. 1.611, § 2º, do CC/1916 e 1.831
do CC/2002) tem como essência a proteção do direito
de moradia do cônjuge supérstite, dando aplicação ao princípio da
solidariedade familiar. Nesse contexto, de um lado, vislumbrou-se que os
filhos devem, em nome da solidariedade familiar, garantir ao seu
ascendente a
manutenção do lar; de outro lado, extraiu-se da ordem natural da vida
que os filhos provavelmente sobreviverão ao habitador, momento em que
poderão exercer, na sua plenitude, os poderes inerentes à propriedade
que
detêm. Ocorre que, no caso em que o cônjuge sobrevivente residia em
imóvel de copropriedade do cônjuge falecido com os irmãos, adquirida
muito antes do óbito, deixa de ter razoabilidade toda a matriz
sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real
de habitação ao cônjuge sobrevivente, pois não há elos de solidariedade
entre um cônjuge e os parentes do outro, com quem tem
apenas vínculo de afinidade, que se extingue, à exceção da linha reta,
quando da dissolução do casamento. Além do mais, do contrário,
estar-se-ia admitindo o direito real de habitação
sobre imóvel de terceiros, em especial porque o condomínio formado pelos
familiares do falecido preexiste à abertura da sucessão. Precedente
citado: REsp 1.212.121-RJ, Quarta Turma, DJe 18/12/2013. REsp 1.184.492-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/4/2014.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA QUITAÇÃO DADA EM ESCRITURA PÚBLICA.
A
quitação dada em escritura pública gera presunção relativa do
pagamento, admitindo prova em contrário que evidencie a invalidade do
instrumento eivado de vício que o torne
falso. Com efeito, nos termos do art. 215 do CC, a escritura
lavrada em cartório tem fé pública, o que significa dizer que é
documento dotado de presunção de veracidade. O que ocorre com a
presunção legal do referido dispositivo é a desnecessidade de se provar
os fatos contidos na escritura (à luz do que dispõe o art. 334, IV, do
CPC) e também a inversão do ônus da prova, em desfavor
de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade. Outro não é o motivo
pelo qual os arts. 214 e 216 da Lei 6.015/1976 (Lei de Registros
Públicos) assim preveem: “As nulidades de pleno direito do registro, uma
vez provadas,
invalidam-no, independentemente de ação direta” e “O registro poderá
também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso,
ou por efeito do julgado em ação de
anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado
sobre fraude à execução”. Portanto, a quitação dada em escritura pública
não é uma
“verdade indisputável”, na medida em que admite a prova de que o
pagamento não foi efetivamente realizado, evidenciando, ao fim, a
invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna
falso. Assim,
entende-se que a quitação dada em escritura pública presume o pagamento,
até que se prove o contrário. REsp 1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/4/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE ASSINATURA DIGITALIZADA PARA INTERPOR RECURSO.
Não se admite o recurso interposto mediante aposição de assinatura digitalizada do advogado. De
início, é importante ressaltar que a assinatura digitalizada não se
confunde
com a assinatura eletrônica, a qual, nos termos do art. 1º, § 2º, III,
“a” e “b”, da Lei 11.419/2006, deve estar baseada em certificado digital
emitido por Autoridade Certificadora Credenciada, na forma da
lei específica ou mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário,
conforme disciplinado pelos órgãos específicos. Esse prévio
cadastramento, seja perante a autoridade certificadora, seja perante os
órgãos do Poder Judiciário, visa exatamente resguardar a segurança na
identificação dos usuários e a autenticidade das assinaturas feitas por
meio eletrônico. Desse modo, a assinatura digital passa
a ter o mesmo valor da assinatura original, feita de próprio punho pelo
advogado, na peça processual. Diferente é a hipótese da assinatura
digitalizada, normalmente feita mediante o processo de escaneamento, em
que, conforme
já consignado pelo STF, há “mera chancela eletrônica sem qualquer
regulamentação e cuja originalidade não é possível afirmar sem o auxílio
de perícia técnica” (AI
564.765-RJ, Primeira Turma, DJ 17/3/2006). Com efeito, a reprodução de
uma assinatura, por meio do escaneamento, sem qualquer regulamentação, é
arriscada na medida em que pode ser feita por qualquer pessoa que tenha
acesso ao documento original e inserida em outros documentos. Desse
modo, não há garantia alguma de autenticidade. Note-se que não se está
afastando definitivamente a possibilidade de utilização do método
da digitalização das assinaturas. Verifica-se, apenas, que ele carece de
regulamentação que lhe proporcione a segurança necessária à prática dos
atos processuais. Embora, na moderna ciência
processual, seja consagrado o princípio da instrumentalidade das formas,
sua aplicação deve encontrar limites exatamente no princípio da
segurança jurídica. Não se trata de privilegiar a forma pela forma,
mas de conferir aos jurisdicionados, usuários das modernas ferramentas
eletrônicas, o mínimo de critérios para garantir a autenticidade e
integridade de sua identificação no momento da interposição
de um recurso ou de apresentação de outra peça processual. Posto isso,
considera-se como inexistente o recurso cuja assinatura para
identificação do advogado foi obtida por digitalização. REsp 1.442.887-BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/5/2014.
Quarta Turma
DIREITO DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DO CDC AOS CONTRATOS DE APLICAÇÃO FINANCEIRA EM FUNDOS DE INVESTIMENTO.
O
CDC é aplicável aos contratos referentes a aplicações em fundos de
investimento firmados entre as instituições financeiras e seus clientes,
pessoas físicas e
destinatários finais, que contrataram o serviço da instituição
financeira par investir economias amealhadas ao longo da vida. Nessa
situação, é aplicável o disposto na Súmula 297 do
STJ, segundo a qual “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras”. Precedentes citados: REsp 1.214.318-RJ,
Terceira Turma, DJe de 18/9/2012; e REsp 1.164.235-RJ, Terceira
Turma, DJe de 29/2/2012. REsp 656.932-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/4/2014.
DIREITO CIVIL. NÃO ACIONAMENTO DO MECANISMO STOP LOSS PREVISTO EM CONTRATO DE INVESTIMENTO.
A instituição financeira que, descumprindo o que foi oferecido a seu cliente, deixa de acionar mecanismo denominado “stop loss” pactuado em contrato de investimento incorre em
infração contratual passível de gerar a obrigação de indenizar o investidor pelos prejuízos causados. Com
efeito, o risco faz parte da aplicação em fundos de investimento,
podendo a
instituição financeira criar mecanismos ou oferecer garantias próprias
para reduzir ou afastar a possibilidade de prejuízos decorrentes das
variações observadas no mercado financeiro interno e externo. Nessa
linha intelectiva, ante a possibilidade de perdas no investimento, cabe à
instituição prestadora do serviço informar claramente o grau de risco
da respectiva aplicação e, se houver, as eventuais garantias
concedidas contratualmente, sendo relevantes as propagandas efetuadas e
os prospectos entregues ao público e ao contratante, os quais obrigam a
contratada. Neste contexto, o mecanismo stop loss, como o
próprio nome indica, fixa o
ponto de encerramento de uma operação financeira com o propósito de
“parar” ou até de evitar determinada “perda”. Assim, a falta de
observância do referido pacto permite a
responsabilização da instituição financeira pelos prejuízos suportados
pelo investidor. Na hipótese em foco, ainda que se interprete o ajuste
firmado, tão somente, como um regime de metas quanto ao limite
de perdas, não há como afastar a responsabilidade da contratada, tendo
em vista a ocorrência de grave defeito na publicidade e nas informações
relacionadas aos riscos dos investimentos. REsp 656.932-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/4/2014.
DIREITO
DO CONSUMIDOR E INTERNACIONAL PRIVADO. INAPLICABILIDADE DO CDC AO
CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIA DESTINADA A
INCREMENTAR A ATIVIDADE COMERCIAL DA CONTRATANTE.
Para
efeito de fixação de indenização por danos à mercadoria ocorridos em
transporte aéreo internacional, o CDC não prevalece sobre a Convenção de
Varsóvia
quando o contrato de transporte tiver por objeto equipamento adquirido
no exterior para incrementar a atividade comercial de sociedade
empresária que não se afigure vulnerável na relação
jurídico-obrigacional.
Na hipótese em foco, a mercadoria transportada destinava-se a
ampliar e a melhorar a prestação do serviço e, por conseguinte, aumentar
os lucros. Sob esse enfoque, não se pode conceber o contrato de
transporte
isoladamente. Na verdade, a importação da mercadoria tem natureza de ato
complexo, envolvendo (i) a compra e venda propriamente dita, (ii) o
desembaraço para retirar o bem do país de origem, (iii) o eventual
seguro, (iv) o
transporte e (v) o desembaraço no país de destino mediante o
recolhimento de taxas, impostos etc. Essas etapas do ato complexo de
importação, conforme o caso, podem ser efetivadas diretamente por
agentes da própria
empresa adquirente ou envolver terceiros contratados para cada fim
específico. Mas essa última possibilidade – contratação de terceiros –,
por si, não permite que se aplique separadamente, a cada etapa,
normas legais diversas da incidente sobre o ciclo completo da
importação. Desse modo, não há como considerar a importadora
destinatária final do ato complexo de importação nem dos atos e
contratos
intermediários, entre eles o contrato de transporte, para o propósito da
tutela protetiva da legislação consumerista, sobretudo porque a
mercadoria importada irá integrar a cadeia produtiva dos serviços
prestados pela empresa contratante do transporte. Neste contexto,
aplica-se, no caso em análise, o mesmo entendimento adotado pelo STJ nos
casos de financiamento bancário ou de aplicação financeira com o
propósito de
ampliar capital de giro e de fomentar a atividade empresarial. O capital
obtido da instituição financeira, evidentemente, destina-se, apenas, a
fomentar a atividade industrial, comercial ou de serviços e, com isso,
ampliar os
negócios e o lucro. Daí que nessas operações não se aplica o CDC, pela
ausência da figura do consumidor, definida no art. 2º do referido
diploma. Assim, da mesma forma que o financiamento e a
aplicação financeira mencionados fazem parte e não podem ser
desmembrados do ciclo de produção, comercialização e de prestação de
serviços, o contrato de transporte igualmente
não pode ser retirado do ato complexo ora em análise. Observe-se que,
num e noutro caso, está-se diante de uma engrenagem complexa, que
demanda a prática de vários outros atos com o único escopo de fomentar a
atividade da pessoa jurídica. Ademais, não se desconhece que o STJ tem
atenuado a incidência da teoria finalista, aplicando o CDC quando,
apesar de relação jurídico-obrigacional entre comerciantes ou
profissionais, estiver caracterizada situação de vulnerabilidade ou
hipossuficiência. Entretanto, a empresa importadora não apresenta
vulnerabilidade ou hipossuficiência, o que afasta a incidência das
normas do
CDC. Dessa forma, inexistindo relação de consumo, circunstância que
impede a aplicação das regras específicas do CDC, há que ser observada a
Convenção de Varsóvia, que regula
especificamente o transporte aéreo internacional. Precedentes citados:
REsp 1.358.231-SP, Terceira Turma, DJ de 17/6/2013; e AgRg no Ag
1.291.994-SP, Terceira Turma, DJe de 6/3/2012. REsp 1.162.649-SP, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos
Ferreira, julgado em 13/5/2014.
DIREITO
CIVIL E DO CONSUMIDOR. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL EM AÇÃO REGRESSIVA
PROMOVIDA PELA SEGURADORA CONTRA COMPANHIA AÉREA DE TRANSPORTE CAUSADORA
DO DANO.
Quando
não incidir o CDC, mas, sim, a Convenção de Varsóvia, na relação
jurídica estabelecida entre a companhia aérea causadora de dano à
mercadoria por ela
transportada e o segurado – proprietário do bem danificado –, a norma
consumerista, também, não poderá ser aplicada em ação regressiva
promovida pela seguradora contra a transportadora. Isso
porque a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações,
privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o
devedor principal e os fiadores. Nessa linha,
tratando-se de ação regressiva promovida pela seguradora contra o
causador do dano, a jurisprudência do STJ confere àquela os mesmo
direitos, ações e privilégios do segurado a quem indenizou. Portanto,
inexistindo relação de consumo entre o segurado – proprietário do bem
danificado – e a transportadora, não incide as regras específicas do
CDC, mas, sim, a Convenção de Varsóvia na
ação regressiva ajuizada pela seguradora contra a companhia aérea
causadora do dano. Precedente citado: REsp 982.492-SP, Quarta Turma, Dje
17/10/2011; e REsp 705.148-PR, Quarta Turma, DJe 1º/3/2011. REsp 1.162.649-SP, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira,
julgado em 13/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA EM AÇÕES COLETIVAS EM SENTIDO ESTRITO.
A
Defensoria Pública não possui legitimidade extraordinária para ajuizar
ação coletiva em favor de consumidores de determinado plano de saúde
particular que, em razão da
mudança de faixa etária, teriam sofrido reajustes abusivos em seus
contratos. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF,
“é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,
LXXIV”. Assim, a Defensoria Pública é vertida na prestação de
assistência jurídica ao necessitado que comprovar “insuficiência de
recursos” (CF, art. 5º, LXXIV), isto é, aquele que, sem prejuízo da sua
subsistência, não possuir meios de arcar com as
despesas atinentes aos serviços jurídicos de que precisa – contratação
de advogado e despesas processuais. Verifica-se que o legislador
infraconstitucional, por meio da LC 80/1994 – responsável por
organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos
Territórios e prescrever normas gerais para sua organização nos Estados –
também vincula a atuação da
instituição em comento à defesa em prol dos necessitados. Portanto,
diante das funções institucionais da Defensoria Pública, há, sob o
aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de
sua finalidade específica, devendo todos os demais normativos serem
interpretados à luz desse parâmetro, inclusive no tocante aos processos
coletivos, restringindo, assim, a legitimidade ativa dessa instituição
para
atender efetivamente as suas funções institucionais conferidas pela CF.
Diante disso, conforme entendimento doutrinário, a Defensoria Pública
tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em
defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo
que, no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla, bastando,
para tanto, que beneficie grupo de pessoas necessitadas, haja vista que o
direito tutelado é
pertencente a pessoas indeterminadas, e, mesmo que indiretamente venham a
ser alcançadas pessoas que tenham “suficiência” de recursos, isso, por
si só, não irá elidir essa legitimação. No
entanto, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou
individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a
legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas.
Posto isso,
deve-se considerar que, ao optar por contratar plano particular de
saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa
ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado, de forma
coletiva, pela Defensoria
Pública. Ao revés, trata-se de grupo que, ao demonstrar capacidade para
arcar com assistência de saúde privada, acabou como em condições de
arcar com as despesas inerentes aos serviços jurídicos de
que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em
necessitado. Assim, o grupo em questão não é apto a conferir
legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública, para fins de
ajuizamento de ação civil. Precedente citado do STF: ADI 558-MC,
Tribunal Pleno, DJ 26/3/1993. REsp
1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014.
Quinta Turma
DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA EM DESFAVOR DE INTERLOCUTOR NÃO INVESTIGADO.
As
comunicações telefônicas do investigado legalmente interceptadas podem
ser utilizadas para formação de prova em desfavor do outro interlocutor,
ainda que este seja advogado do investigado.
A interceptação telefônica, por óbvio, abrange a participação
de quaisquer dos interlocutores. Ilógico e irracional seria admitir que a
prova colhida contra o interlocutor que recebeu ou originou
chamadas para a linha legalmente interceptada é ilegal. No mais, não é
porque o advogado defendia o investigado que sua comunicação com ele foi
interceptada, mas tão somente porque era um dos interlocutores.
Precedente citado: HC 115.401/RJ, Quinta Turma, DJe 1º/2/2011. RMS 33.677-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em
27/5/2014.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA HIPÓTESE DE REITERAÇÃO DA PRÁTICA DE DESCAMINHO.
A
reiterada omissão no pagamento do tributo devido nas importações de
mercadorias de procedência estrangeira impede a incidência do princípio
da insignificância em caso de
persecução penal por crime de descaminho (art. 334 do CP), ainda que o
valor do tributo suprimido não ultrapasse o limite previsto para o não
ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Nacional. Com
efeito, para que haja a incidência do princípio da insignificância, não
basta que seja considerado, isoladamente, o valor econômico do bem
jurídico tutelado, mas, também, todas as circunstâncias que
envolvem a prática delitiva, ou seja, “é indispensável que a conduta do
agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado,
reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e
nenhuma periculosidade social” (STF, HC 114.097-PA, Segunda Turma, DJe
14/4/2014). Nessa linha, o princípio da insignificância revela-se,
segundo entendimento doutrinário, importante instrumento que objetiva
restringir a
aplicação literal do tipo formal, exigindo-se, além da contrariedade
normativa, a ocorrência efetiva de ofensa relevante ao bem jurídico
tutelado (tipicidade material). A par disso, se de um lado a omissão no
pagamento de tributo relativo à importação de mercadorias é suportada
como irrisória pelo Estado, nas hipóteses em que uma conduta omissiva do
agente (um deslize) não ultrapasse o valor de R$ 10 mil, de
outro lado não se pode considerar despida de lesividade (sob o aspecto
valorativo) a conduta de quem, reiteradamente, omite o pagamento de
tributos sempre em valor abaixo da tolerância estatal, amparando-se na
expectativa sincera de
inserir-se nessa hipótese de exclusão da tipicidade. Nessas
circunstâncias, o desvalor da ação suplanta o desvalor do resultado,
rompendo-se, assim, o equilíbrio necessário para a perfeita
adequação do princípio bagatelar, principalmente se considerada a
possibilidade de que a aplicação desse instituto, em casos de reiteração
na omissão do pagamento de tributos, serve, ao fim, como
verdadeiro incentivo à prática do descaminho. Desse modo, quanto à
aplicação do princípio da insignificância é preciso considerar que, “se
de um lado revela-se evidente a necessidade e a
utilidade da consideração da insignificância, de outro é imprescindível
que sua aplicação se dê de maneira criteriosa. Isso para evitar que a
tolerância estatal vá além dos
limites do razoável em função dos bens jurídicos envolvidos. Em outras
palavras, todo cuidado é preciso para que o princípio não seja aplicado
de forma a estimular condutas atentatórias aos
legítimos interesses dos supostos agentes passivos e da sociedade” (STJ,
AgRg no REsp 1.406.355-RS, Quinta Turma, DJe 7/4/2014). Ante o exposto,
a reiteração na prática de supressão ou de elisão de
pagamento de tributos justifica a continuidade da persecução penal.
Precedente citado do STJ: RHC 41.752-PR, Sexta Turma, DJe 7/4/2014.
Precedente citado do STF: HC 118.686-PR, Primeira Turma, DJe 3/12/2013. RHC 31.612-PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
20/5/2014.
DIREITO
PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE
PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO.
Não
é possível afastar a tipicidade material do porte de substância
entorpecente para consumo próprio com base no princípio da
insignificância, ainda que ínfima a
quantidade de droga apreendida. A despeito da subsunção formal
de determinada conduta humana a um tipo penal, é possível se vislumbrar
atipicidade material da referida conduta, por diversos motivos, entre os
quais a
ausência de ofensividade penal do comportamento em análise. Isso porque,
além da adequação típica formal, deve haver uma atuação seletiva,
subsidiária e fragmentária do Direito Penal,
conferindo-se maior relevância à proteção de valores tidos como
indispensáveis à ordem social, a exemplo da vida, da liberdade, da
propriedade, do patrimônio, quando efetivamente ofendidos. A par disso,
frise-se que o porte ilegal de drogas é crime de perigo abstrato ou
presumido, visto que prescinde da comprovação da existência de situação
que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado. Assim, para
a caracterização do delito descrito no art. 28 da Lei 11.343/2006, não
se faz necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico
protegido, bastando a realização da conduta proibida
para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir
droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio ilícito,
contribuindo para difusão dos tóxicos. Ademais, após certo tempo e grau
de
consumo, o usuário de drogas precisa de maiores quantidades para atingir
o mesmo efeito obtido quando do início do consumo, gerando, assim, uma
compulsão quase incontrolável pela próxima dose. Nesse passo, não
há como negar que o usuário de drogas, ao buscar alimentar o seu vício,
acaba estimulando diretamente o comércio ilegal de drogas e, com ele,
todos os outros crimes relacionados ao narcotráfico: homicídio,
roubo, corrupção, tráfico de armas etc. O consumo de drogas ilícitas é
proibido não apenas pelo mal que a substância faz ao usuário, mas,
também, pelo perigo que o consumidor dessas gera
à sociedade. Essa ilação é corroborada pelo expressivo número de relatos
de crimes envolvendo violência ou grave ameaça contra pessoa,
associados aos efeitos do consumo de drogas ou à
obtenção de recursos ilícitos para a aquisição de mais substância
entorpecente. Portanto, o objeto jurídico tutelado pela norma em comento
é a saúde pública, e
não apenas a saúde do usuário, visto que sua conduta atinge não somente a
sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade
ofensiva do delito de porte de entorpecentes. Além disso, a reduzida
quantidade de drogas integra a própria essência do
crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, visto
que, do contrário, poder-se-ia estar diante da hipótese do delito de
tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006. Vale dizer, o
tipo previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 esgota-se, simplesmente, no
fato de o agente trazer consigo, para uso próprio, qualquer substância
entorpecente que
possa causar dependência, sendo, por isso mesmo, irrelevante que a
quantidade de drogas não produza, concretamente, danos ao bem jurídico
tutelado. Por fim, não se pode olvidar que o legislador, ao editar a Lei
11.343/2006,
optou por abrandar as sanções cominadas ao usuário de drogas, afastando a
possibilidade de aplicação de penas privativas de liberdade e prevendo
somente as sanções de advertência, de
prestação de serviços à comunidade e de medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo, conforme os incisos do
art. 28 do referido diploma legal, a fim de possibilitar a sua
recuperação. Dessa
maneira, a intenção do legislador foi a de impor ao usuário medidas de
caráter educativo, objetivando, assim, alertá-lo sobre o risco de sua
conduta para a sua saúde, além de evitar a
reiteração do delito. Nesse contexto, em razão da política criminal
adotada pela Lei 11.343/2006, há de se reconhecer a tipicidade material
do porte de substância entorpecente para consumo próprio, ainda
que ínfima a quantidade de droga apreendida. Precedentes citados: HC
158.955-RS, Quinta Turma, DJe 30/5/2011; e RHC 34.466-DF, Sexta Turma,
DJe 27/5/2013. RHC 35.920-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014.
DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE AGRAVANTE GENÉRICA NO CASO DE CRIME PRETERDOLOSO.
É
possível a aplicação da agravante genérica do art. 61, II, “c”, do CP
nos crimes preterdolosos, como o delito de lesão corporal seguida de
morte (art. 129, §
3º, do CP). De início, nos termos do art. 61, II, “c”, do CP,
são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime, ter o agente cometido o crime à
traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que
dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. De fato, apesar da
existência de controvérsia doutrinária e
jurisprudencial, entende-se que não há óbice legal ou incompatibilidade
qualquer na aplicação da citada agravante genérica aos crimes
preterdolosos. Isso porque, nos crimes qualificados pelo resultado na
modalidade preterdolosa, a conduta-base dolosa preenche autonomamente o
tipo legal e o resultado culposo denota mera consequência que, assim
sendo, constitui elemento relevante em sede de determinação da medida da
pena. Ademais, o
art. 129, § 3º, do CP descreve conduta dolosa que autonomamente preenche
o tipo legal de lesões corporais, ainda que dessa conduta exsurja
resultado diverso mais grave a título de culpa, consistente na morte da
vítima.
Assim, no crime de lesão corporal seguida de morte, a ofensa intencional
à integridade física da vítima constitui crime autônomo doloso, cuja
natureza não se altera com a produção do resultado mais
grave previsível mas não pretendido (morte), resolvendo-se a maior
reprovabilidade do fato no campo da punibilidade. Além do mais, entende a
doutrina que nos casos de lesões qualificadas pelo resultado, o tipo
legal de crime
é o mesmo (lesão corporal dolosa), não se alterando o tipo fundamental,
apenas se lhe acrescentando um elemento de maior punibilidade. REsp 1.254.749-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fale a verdade.