Terceira Turma
DIREITO CIVIL. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA NA AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE BENEFICIÁRIO NO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA.
Na hipótese em que o segurado
tenha contratado seguro de vida sem indicação de beneficiário e, na
data do óbito, esteja separado de fato e em união estável, o capital
segurado deverá ser pago metade aos herdeiros, segundo a ordem da
vocação hereditária, e a outra metade à cônjuge não separada
judicialmente e à companheira. De fato, o art. 792 do CC
dispõe que: "Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se
por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital
segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente,
e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação
hereditária". Em que pese a doutrina pátria divergir a respeito da
interpretação a ser dada ao referido dispositivo legal, o intérprete
não deve se apegar simplesmente à letra da lei. Desse modo, ele deve
perseguir o espírito da norma a partir de outras, inserindo-a no
sistema como um todo, para extrair, assim, o seu sentido mais
harmônico e coerente com o ordenamento jurídico. Nesse contexto,
nunca se pode perder de vista a finalidade da lei, ou seja, a razão
pela qual foi elaborada e o bem jurídico que visa proteger. Dessa
forma, os métodos de interpretação da norma em questão devem ser o
sistemático e o teleológico (art. 5º da LINDB), a amparar também a
figura do companheiro (união estável). Nesse passo, impende
assinalar que o segurado, ao contratar o seguro de vida, geralmente
possui a intenção de resguardar a própria família, os parentes ou as
pessoas que lhe são mais valiosas, de modo a não deixá-los
desprotegidos economicamente quando de seu óbito. Logo, na falta de
indicação de beneficiário na apólice de seguro de vida, revela-se
incoerente com o sistema jurídico nacional o favorecimento do
cônjuge separado de fato em detrimento do companheiro do segurado,
sobretudo considerando que a união estável é reconhecida
constitucionalmente como entidade familiar. Ademais, ressalte-se que
o reconhecimento da qualidade de companheiro pressupõe a
inexistência de cônjuge ou o término da sociedade conjugal (arts.
1.723 a 1.727 do CC). Efetivamente, a separação de fato se dá na
hipótese de rompimento do laço de afetividade do casal, ou seja,
ocorre quando esgotado o conteúdo material do casamento. A exegese
exposta privilegia a finalidade e a unidade do sistema, harmonizando
os institutos do direito de família com o direito obrigacional,
coadunando-se ao que já ocorre na previdência social e na do
servidor público e militar para os casos de pensão por morte: rateio
igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro (AgRg no
Ag 1.088.492-SP, Terceira Turma, DJe 1º/6/2015). Portanto, a
interpretação do art. 792 do CC mais consentânea com o ordenamento
jurídico é que, no seguro de vida, na falta de indicação da pessoa
ou beneficiário, o capital segurado deverá ser pago metade aos
herdeiros do segurado, segundo a ordem da vocação hereditária, e a
outra metade ao cônjuge não separado judicialmente e ao companheiro,
desde que comprovada, nessa última hipótese, a união estável.
REsp 1.401.538-RJ, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 4/8/2015, DJe 12/8/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. IRRETROATIVIDADE DOS EFEITOS DE CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL.
Não é lícito aos conviventes
atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a fim
de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência
anterior à sua assinatura. Inicialmente, registre-se,
acerca dos efeitos do contrato de união estável, que doutrinadores
renomados sustentam que, na união estável, é possível a alteração, a
qualquer tempo, das disposições de caráter patrimonial, inclusive
com efeitos retroativos, mediante singelo acordo despido de caráter
patrimonial, sob o argumento de que deve prevalecer o princípio da
autonomia da vontade. Não obstante essa vertente doutrinária, o art.
1.725 do CC não comporta o referido alcance. Com efeito, o
mencionado dispositivo legal autoriza que os conviventes formalizem
suas relações patrimoniais e pessoais por meio de contrato e que
somente na ausência dele aplicar-se-á, no que couber, o regime de
comunhão parcial. Em síntese: enquanto não houver a formalização da
união estável, vigora o regime da comunhão parcial, no que couber. O
contrato de convivência, no entanto, não pode conceder mais
benefícios à união estável do que ao casamento, pois o legislador
constitucional, apesar de reconhecer os dois institutos como
entidade familiar e lhes conferir proteção, não os colocou no mesmo
patamar, pois expressamente dispôs que a lei facilitará a conversão
daquele neste (§ 3º do art. 226 da CF). Portanto, como o regime de
bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (§
1º do art. 1.639 do CC) e a modificação dele somente é permitida
mediante autorização judicial requerida por ambos os consortes,
apurada a procedência das razões invocadas e ressalvado o direito de
terceiros (§ 3º do art. 1.639 do CC), não se vislumbra como o
contrato de convivência poderia reconhecer uma situação que o
legislador, para o casamento, enuncia a necessidade da intervenção
do Judiciário. Até porque, admitir o contrário seria conferir, sem
dúvida, mais benefícios à união estável do que ao matrimônio civil,
bem como teria o potencial de causar prejuízo a direito de terceiros
que porventura tivessem contratado com os conviventes. REsp 1.383.624-MG, Rel. Min. Moura
Ribeiro, julgado em 2/6/2015, DJe 12/6/2015.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS NA PARTE RELATIVA À MEAÇÃO.
A existência de dívida
alimentar não autoriza a penhora imediata de cotas sociais
pertencentes à atual companheira do devedor na
parte relativa à meação, sem que antes tenha sido
verificada a viabilidade de constrição do lucro relativo às
referidas cotas e das demais hipóteses que devam
anteceder a penhora (art. 1.026, c/c art. 1.053, ambos do CC).
Com efeito, como se aplica à união estável o regime da
comunhão parcial de bens, a jurisprudência do STJ admite a penhora
da meação do devedor para satisfação de débito exequendo (REsp
708.143-MA, Quarta Turma, DJ 26/2/2007). Igualmente, não se pode
olvidar que a jurisprudência STJ, nos moldes do disposto no art.
655, VI, do CPC, também admite a penhora de quotas sociais do
executado para satisfação de crédito exequendo, ainda que exista
vedação no contrato social da sociedade empresária à livre alienação
das cotas, sem que isso, todavia, implique a admissão como sócio
daquele que arrematar ou adjudicar (REsp 327.687-SP, Quarta Turma,
DJ 15/4/2002). Contudo, não se pode ignorar que o advento do art.
1.026 do CC, ao dispor que "O credor particular de sócio pode, na
insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução
sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que
lhe tocar em liquidação", relativizou a penhorabilidade das quotas
sociais, que só deve ser efetuada acaso superadas as demais
possibilidades conferidas pelo dispositivo mencionado, consagrando o
princípio da conservação da empresa ao restringir a adoção de
solução que possa provocar a dissolução da sociedade empresária e
maior onerosidade da execução, visto que a liquidação parcial da
sociedade empresária, por débito estranho à sociedade, implica a sua
descapitalização, afetando os interesses dos demais sócios,
empregados, fornecedores e credores da empresa. Nesse mesmo
diapasão, propugna a doutrina que não cabe ao credor particular do
sócio "escolher se vai receber os lucros ou se vai liquidar parte da
sociedade como forma de pagamento do que lhe é devido, seria
condenar as sociedades a um futuro incerto e possivelmente
desastroso, caso a diminuição de capital afete sua capacidade
produtiva. Nessa última situação acabaria, ainda, punindo a
sociedade por obrigação que lhe é estranha, da qual não tomou parte,
mas que poderia ser adimplida de outro modo", devendo sempre que
possível ser feita a opção pela retenção dos lucros, correspondentes
à quota social do devedor. Convém consignar que o Enunciado 387 da
IV Jornada de Direito Civil propõe que a opção entre fazer a
execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade ou
na parte em que lhe tocar em dissolução orienta-se pelos princípios
da menor onerosidade e da função social da empresa. Assim, tendo em
vista o disposto no art. 1.026, c/c o art. 1.053, ambos do CC, e os
princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da
execução, cabe ao exequente requerer a penhora dos lucros relativos
às quotas sociais correspondentes à meação do devedor - o que também
é a inteligência do art. 1.027 do CC -, não podendo ser deferida, de
modo imediato, a penhora de quotas sociais de sociedade empresária
em plena atividade, em prejuízo de terceiros, por dívida estranha à
referida pessoa jurídica. REsp 1.284.988-RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 19/3/2015, DJe 9/4/2015.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL. DIREITO A ALIMENTOS PELO ROMPIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO.
É juridicamente possível o
pedido de alimentos decorrente do rompimento de união estável
homoafetiva. De início, cabe ressaltar que, no STJ e no
STF, são reiterados os julgados dando conta da viabilidade jurídica
de uniões estáveis formadas por companheiros do mesmo sexo sob a
égide do sistema constitucional inaugurado em 1988, que tem como
caros os princípios da dignidade da pessoa humana, a igualdade e
repúdio à discriminação de qualquer natureza (STF: ADPF 132,
Tribunal Pleno, DJe 14/10/2011; e RE 477554 AgR, Segunda Turma, DJe
26/08/2011. STJ: REsp 827.962-RS, Quarta Turma, DJe 08/08/2011; e
REsp 1.199.667-MT, Terceira Turma, DJe 04/08/2011). Destaque-se que
STF explicitou que o julgamento da ADPF 132-RJ proclamou que
"ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem
sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua
orientação sexual" (RE 477.554 AgR, Segunda Turma, DJe 26/8/2011).
De fato, a igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser
diferente, o direito a autoafirmação e a um projeto de vida
independente de tradições e ortodoxias, sendo a base jurídica para a
construção do direito à orientação sexual como direito
personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana. Em
outras palavras, resumidamente: o direito à igualdade somente se
realiza com plenitude se for garantido o direito à diferença.
Conclusão diversa também não se mostra consentânea com o ordenamento
constitucional, que prevê o princípio do livre planejamento familiar
(§ 7º do art. 226), tendo como alicerce a dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III) somada à solidariedade social (art. 3º) e à igualdade
substancial (arts. 3º e 5º). É importante ressaltar, ainda, que o
planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de
duas pessoas em se unirem, com escopo de constituírem família. Nesse
momento, a Constituição lhes franqueia ampla proteção funcionalizada
na dignidade de seus membros. Trilhando esse raciocínio é que o STF,
no julgamento conjunto da ADPF 132-RJ e da ADI 4.277-DF, conferiu
interpretação conforme ao art. 1.723 do CC ("é reconhecida como
entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família") para
afastar qualquer exegese que impeça o reconhecimento da união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como
"entidade familiar", entendida esta como sinônimo perfeito de
família. Por conseguinte, "este reconhecimento é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união
estável heteroafetiva". Portanto, a legislação que regula a união
estável deve ser interpretada de forma expansiva e igualitária,
permitindo que as uniões homoafetivas tenham o mesmo regime jurídico
protetivo conferido aos casais heterossexuais, trazendo efetividade
e concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, não
discriminação, igualdade, liberdade, solidariedade,
autodeterminação, proteção das minorias, busca da felicidade e ao
direito fundamental e personalíssimo à orientação sexual. Nessa
ordem de ideias, não há como afastar da relação de pessoas do mesmo
sexo a obrigação de sustento e assistência técnica, protegendo-se,
em última análise, a própria sobrevivência do mais vulnerável dos
parceiros, uma vez que se trata de entidade familiar,
vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos
membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras,
afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole
privada, o que a credenciaria como base da sociedade (ADI 4.277-DF e
ADPF 132-RJ). Ora, se a união homoafetiva é reconhecidamente uma
família e se o fundamento da existência das normas de direito de
família consiste precisamente em gerar proteção jurídica ao núcleo
familiar, parece despropositado concluir que o elevado instrumento
jurídico dos alimentos não pudesse alcançar os casais homoafetivos,
relação também edificada na solidariedade familiar, com espeque no
dever de cooperação, reciprocidade e assistência mútuos (art. 1.724
do CC). De fato, o direito a alimentos do companheiro que se
encontra em situação precária e de vulnerabilidade assegura a máxima
efetividade do interesse prevalente, a saber, o mínimo existencial,
com a preservação da dignidade do indivíduo, conferindo a satisfação
de necessidade humana básica. É por isso que a doutrina afirma que a
proteção das pessoas "em situação de vulnerabilidade e necessitadas
de auxílio material encontra suas requisições alimentícias na
solidariedade familiar, edificada na cooperação, ajuda,
contribuição, reciprocidade e na assistência dos demais indivíduos
que compõem o seu núcleo familiar, pois é dentro das diferentes
relações de família, sejam elas de origem biológica ou advindas de
vínculos afetivos hétero ou homossexuais, que seus componentes
materializam seus direitos e suas expectativas pessoais". Realmente,
o projeto de vida advindo do afeto, nutrido pelo amor,
solidariedade, companheirismo, sobeja obviamente no amparo material
dos componentes da união, até porque os alimentos não podem ser
negados a pretexto de uma preferência sexual diversa. O art. 1.694
do CC, ao prever que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem
pedir uns aos outros alimentos, na qualidade de sujeitos
potencialmente ativos e passivos dessa obrigação recíproca, não
exclui o casal homossexual dessa normatização. De fato, a conclusão
que se extrai no cotejo de todo ordenamento é a de que a isonomia
entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha
plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à
formação de uma autonomizada família (ADI 4.277-DF e ADPF 132-RJ),
incluindo-se aí o reconhecimento do direito à sobrevivência com
dignidade por meio do pensionamento alimentar. REsp 1.302.467-SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 3/3/2015, DJe
25/3/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. DEFINIÇÃO DE PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA PARA EFEITO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL.
O fato de namorados
projetarem constituir família no futuro não caracteriza união
estável, ainda que haja coabitação. Isso porque essas
circunstâncias não bastam à verificação da affectio maritalis.
O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência
como requisito essencial à constituição da união estável - a
distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro
qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro,
da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se
afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo
compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material
entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar
constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição
de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das
vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a
propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais,
impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se
à realidade social. Por oportuno, convém ressaltar que existe
precedente do STJ no qual, a despeito da coabitação entre os
namorados, por contingências da vida, inclusive com o consequente
fortalecimento da relação, reconheceu-se inexistente a união
estável, justamente em virtude da não configuração do animus
maritalis (REsp 1.257.819-SP, Terceira Turma, DJe 15/12/2011).
REsp 1.454.643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.
Segunda Seção
DIREITO CIVIL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA, NA PARTILHA, DAS NORMAS VIGENTES AO TEMPO DA AQUISIÇÃO DOS BENS.
Ainda que o término do
relacionamento e a dissolução da união estável tenham ocorrido
durante a vigência da Lei 9.278/1996, não é possível aplicar à
partilha do patrimônio formado antes da vigência da referida lei a
presunção legal de que os bens adquiridos onerosamente foram fruto
de esforço comum dos conviventes (art. 5º da Lei 9.278/1996),
devendo-se observar o ordenamento jurídico vigente ao tempo da
aquisição de cada bem a partilhar. Antes da Lei 9.278/1996,
a partilha de bens ao término da união estável dava-se mediante a
comprovação - e na proporção respectiva - do esforço direto ou
indireto de cada companheiro para a formação do patrimônio amealhado
durante a convivência (Súmula 380 do STF). Apenas com a referida
Lei, estabeleceu-se a presunção legal relativa de comunhão dos bens
adquiridos a título oneroso durante a união estável (art. 5º da Lei
9.278/1996), excetuados os casos em que existe estipulação em
sentido contrário (caput do art. 5º) e os casos em que a
aquisição patrimonial decorre do produto de bens anteriores ao
início da união (§ 1º do art. 5º). Os bens adquiridos anteriormente
à Lei 9.278/1996 têm a propriedade - e, consequentemente, a partilha
ao término da união - disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente
quando da respectiva aquisição. Com efeito, a aquisição da
propriedade dá-se no momento em que se aperfeiçoam os requisitos
legais para tanto. Desse modo, a titularidade dos bens não pode ser
alterada por lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato
jurídico perfeito (art. 5, XXXVI, da CF e art. 6º da LINDB). Cumpre
esclarecer, a propósito, que os princípios legais que regem a
sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é
disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens,
ao contrário - seja em razão do término, em vida, do relacionamento,
seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge - deve
observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo
da aquisição de cada bem a partilhar. A aplicação da lei vigente ao
término do relacionamento a todo o período de união implicaria
expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei
anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico
perfeito, além de causar insegurança jurídica, podendo atingir até
mesmo terceiros. Ademais, deve-se levar em consideração que antes da
edição da Lei 9.278/1996 os companheiros não dispunham de
instrumento eficaz para, caso desejassem, dispor sobre a forma de
aquisição do patrimônio durante a união estável. Efetivamente, como
não havia presunção legal de meação de bens entre conviventes, não
havia sequer razão para que os conviventes fizessem estipulação
escrita em contrário a direito dispositivo inexistente. REsp 1.124.859-MG, Rel. originário Min.
Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti,
julgado em 26/11/2014, DJe 27/2/2015.
Segunda Seção
DIREITO CIVIL. ÓBITO DE EX-COMPANHEIRO ALIMENTANTE E RESPONSABILIDADE DO ESPÓLIO PELOS DÉBITOS ALIMENTARES NÃO QUITADOS.
Extingue-se, com o óbito do
alimentante, a obrigação de prestar alimentos a sua ex-companheira
decorrente de acordo celebrado em razão do encerramento da união
estável, transmitindo-se ao espólio apenas a responsabilidade pelo
pagamento dos débitos alimentares que porventura não tenham sido
quitados pelo devedor em vida (art. 1.700 do CC). De acordo
com o art. 1.700 do CC, "A obrigação de prestar alimentos
transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694". Esse
comando deve ser interpretado à luz do entendimento doutrinário de
que a obrigação alimentar é fruto da solidariedade familiar, não
devendo, portanto, vincular pessoas fora desse contexto. A morte do
alimentante traz consigo a extinção da personalíssima obrigação
alimentar, pois não se pode conceber que um vínculo alimentar
decorrente de uma já desfeita solidariedade entre o
falecido-alimentante e a alimentada, além de perdurar após o término
do relacionamento, ainda lance seus efeitos para além da vida do
alimentante, deitando garras no patrimônio dos herdeiros, filhos do
de cujus. Entender que a obrigação alimentar persiste após
a morte, ainda que nos limites da herança, implicaria agredir o
patrimônio dos herdeiros (adquirido desde o óbito por força da
saisine). Aliás, o que se transmite, no disposto do art.
1.700 do CC, é a dívida existente antes do óbito e nunca o dever ou
a obrigação de pagar alimentos, pois personalíssima. Não há vínculos
entre os herdeiros e a ex-companheira que possibilitem se protrair,
indefinidamente, o pagamento dos alimentos a esta, fenecendo, assim,
qualquer tentativa de transmitir a obrigação de prestação de
alimentos após a morte do alimentante. O que há, e isso é inegável,
até mesmo por força do expresso texto de lei, é a transmissão da
dívida decorrente do débito alimentar que por ventura não tenha sido
paga pelo alimentante enquanto em vida. Essa limitação de efeitos
não torna inócuo o texto legal que preconiza a transmissão, pois, no
âmbito do STJ, se vem dando interpretação que, embora lhe outorgue
efetividade, não descura dos comandos macros que regem as relações
das obrigações alimentares. Daí a existência de precedentes que
limitam a prestação dos alimentos, pelo espólio, à circunstância do
alimentado também ser herdeiro, ante o grave risco de demoras,
naturais ou provocadas, no curso do inventário, que levem o
alimentado a carência material inaceitável (REsp 1.010.963-MG,
Terceira Turma, DJe 5/8/2008). Qualquer interpretação diversa,
apesar de gerar mais efetividade ao art. 1.700 do CC, vergaria de
maneira inaceitável os princípios que regem a obrigação alimentar,
dando ensejo à criação de situações teratológicas, como o de viúvas
pagando alimentos para ex-companheiras do de cujus, ou
verdadeiro digladiar entre alimentados que também sejam herdeiros,
todos pedindo, reciprocamente, alimentos. Assim, admite-se a
transmissão tão somente quando o alimentado também seja herdeiro, e,
ainda assim, enquanto perdurar o inventário, já se tratando aqui de
uma excepcionalidade, porquanto extinta a obrigação alimentar desde
o óbito. A partir de então (no caso de herdeiros) ou a partir do
óbito do alimentante (para aqueles que não o sejam), fica extinto o
direito de perceber alimentos com base no art. 1.694 do CC,
ressaltando-se que os valores não pagos pelo alimentante podem ser
cobrados do espólio. REsp 1.354.693-SP, Rel.
originário Min. Maria Isabel Gallotti, voto vencedor Min. Nancy
Andrighi, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
26/11/2014, DJe 20/2/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. DESCONSTITUIÇÃO DE PATERNIDADE REGISTRAL.
Admitiu-se a desconstituição
de paternidade registral no seguinte caso: (a) o pai registral, na
fluência de união estável estabelecida com a genitora da criança,
fez constar o seu nome como pai no registro de nascimento, por
acreditar ser o pai biológico do infante; (b) estabeleceu-se vínculo
de afetividade entre o pai registral e a criança durante os
primeiros cinco anos de vida deste; (c) o pai registral solicitou,
ao descobrir que fora traído, a realização de exame de DNA e, a
partir do resultado negativo do exame, não mais teve qualquer
contato com a criança, por mais de oito anos até a atualidade; e (d)
o pedido de desconstituição foi formulado pelo próprio pai
registral. De fato, a simples ausência de convergência
entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a
paternidade biológica, por si só, não autoriza a invalidação do
registro. Realmente, não se impõe ao declarante, por ocasião do
registro, prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O
assento de nascimento traz, em si, essa presunção. Entretanto, caso
o declarante demonstre ter incorrido, seriamente, em vício de
consentimento, essa presunção poderá vir a ser ilidida por ele. Não
se pode negar que a filiação socioativa detém integral respaldo do
ordenamento jurídico nacional, a considerar a incumbência
constitucional atribuída ao Estado de proteger toda e qualquer forma
de entidade familiar, independentemente de sua origem (art. 227 da
CF). Ocorre que o estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa,
necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do
apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. Em
outras palavras, as manifestações de afeto e carinho por parte de
pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se
numa relação de filiação se, além da caracterização do estado de
posse de filho, houver, por parte do indivíduo que despende o afeto,
a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como
pai ou mãe da criança. Portanto, a higidez da vontade e da
voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai
consubstancia pressuposto à configuração de filiação socioafetiva no
caso aqui analisado. Dessa forma, não se concebe a conformação dessa
espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos
vícios de consentimento. Ademais, sem proceder a qualquer
consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai registral,
induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto
igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe
os deveres daí advindos sem que voluntária e conscientemente o
queira. Além disso, como a filiação sociafetiva pressupõe a vontade
e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido
juridicamente, caberá somente a ele contestar a paternidade em
apreço. Por fim, ressalte-se que é diversa a hipótese em que o
indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e
expressamente declara o ser perante o Oficial de Registro das
Pessoas Naturais ("adoção à brasileira"), estabelecendo com esta, a
partir daí, vínculo da afetividade paterno-filial. Nesta hipótese -
diversa do caso em análise -, o vínculo de afetividade se sobrepõe
ao vício, encontrando-se inegavelmente consolidada a filiação
socioafetiva (hipótese, aliás, que não comportaria posterior
alteração). A consolidação dessa situação - em que pese antijurídica
e, inclusive, tipificada no art. 242 do CP -, em atenção ao melhor e
prioritário interesse da criança, não pode ser modificada pelo pai
registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a
verdade biológica. Trata-se de compreensão que converge com o
posicionamento perfilhado pelo STJ (REsp 709.608-MS, Quarta Turma,
DJe 23/11/2009; e REsp 1.383.408-RS, Terceira Turma, DJe 30/5/2014).
REsp 1.330.404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 5/2/2015, DJe
19/2/2015.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO, SEM CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO, DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL.
A invalidação da alienação de
imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro,
dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a
averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da
existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que
cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do
adquirente. A Lei 9.278/1996, em seu art. 5º, ao dispor
acerca dos bens adquiridos na constância da união estável,
estabeleceu serem eles considerados fruto do trabalho e da
colaboração comum, passando a pertencer a ambos os conviventes, em
condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em
contrato escrito. Dispôs, ainda, que a administração do patrimônio
comum dos conviventes compete a ambos, questão também submetida ao
poder de disposição dos conviventes. Nessa perspectiva, conforme
entendimento doutrinário, a alienação de bem co-titularizado por
ambos os conviventes, na esteira do citado artigo, sem a anuência de
um dos condôminos, representaria alienação - pelo menos em parte -
de coisa alheia, caracterizando uma venda "a non domino",
ou seja, um ato ilícito. Por outro lado, inolvidável a
aplicabilidade, em regra, da comunhão parcial de bens à união
estável, consoante o disposto no caput do art. 1.725 do CC.
E, especialmente acerca da disponibilidade dos bens, em se tratando
de regime que não o da separação absoluta, consoante disciplinou o
CC no seu art. 1.647, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do
outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. A
interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da Lei 9.278/1996 e
dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar a
união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no
fato de que a mesma ratio - que indisfarçavelmente imbuiu o
legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao
casamento - mostra-se presente em relação à união estável; ou seja,
a proteção da família (com a qual, aliás, compromete-se o Estado,
seja legal, seja constitucionalmente). Todavia, levando-se em
consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a
segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico,
os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união
estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual
anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum) da
existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável. No
casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo
porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e,
assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa
ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à
união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da
averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara
a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis
adquiridos na constância da união. A necessidade de segurança
jurídica, tão cara à dinâmica dos negócios na sociedade
contemporânea, exige que os atos jurídicos celebrados de boa-fé
sejam preservados. Em outras palavras, nas hipóteses em que os
conviventes tornem pública e notória a sua relação, mediante
averbação, no registro de imóveis em que cadastrados os bens comuns,
do contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência
da união estável, não se poderá considerar o terceiro adquirente do
bem como de boa-fé, assim como não seria considerado caso se
estivesse diante da venda de bem imóvel no curso do casamento.
Contrariamente, não havendo o referido registro da relação na
matrícula dos imóveis comuns, ou não se demonstrando a má-fé do
adquirente, deve-se presumir a sua boa-fé, não sendo possível a
invalidação do negócio que, à aparência, foi higidamente celebrado.
Por fim, não se olvide que o direito do companheiro prejudicado pela
alienação de bem que integrava o patrimônio comum remanesce sobre o
valor obtido com a alienação, o que deverá ser objeto de análise em
ação própria em que se discuta acerca da partilha do patrimônio do
casal. REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014, DJe 16/12/2014.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL. IRRENUNCIABILIDADE, NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO FAMILIAR, DOS ALIMENTOS DEVIDOS.
Tendo os conviventes
estabelecido, no início da união estável, por escritura pública, a
dispensa à assistência material mútua, a superveniência de moléstia
grave na constância do relacionamento, reduzindo a capacidade
laboral e comprometendo, ainda que temporariamente, a situação
financeira de um deles, autoriza a fixação de alimentos após a
dissolução da união. De início, cabe registrar que a
presente situação é distinta daquelas tratadas em precedentes do
STJ, nos quais a renúncia aos alimentos se deu ao término da relação
conjugal. Naqueles casos, o entendimento aplicado foi no sentido de
que, "após a homologação do divórcio, não pode o ex-cônjuge pleitear
alimentos se deles desistiu expressamente por ocasião do acordo de
separação consensual" (AgRg no Ag 1.044.922-SP, Quarta Turma, DJe
2/8/2010). No presente julgado, a hipótese é de prévia dispensa dos
alimentos, firmada durante a união estável, ou seja, quando ainda
existentes os laços conjugais que, por expressa previsão legal,
impõem aos companheiros, reciprocamente, o dever de assistência.
Observe-se que a assistência material mútua constitui tanto um
direito como uma obrigação para os conviventes, conforme art. 2º,
II, da Lei 9.278/1996 e arts. 1.694 e 1.724 do CC. Essas disposições
constituem normas de interesse público e, por isso, não admitem
renúncia, nos termos do art. 1.707 do CC: "Pode o credor não
exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o
respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora".
Nesse contexto, e não obstante considere-se válida e eficaz a
renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou
de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, não pode
ela ser admitida na constância do vínculo familiar. Nesse sentido há
entendimento doutrinário e, de igual, dispõe o Enunciado 263,
aprovado na III Jornada de Direito Civil, segundo o qual: "O art.
1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida válida e eficaz a
renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou
da dissolução da 'união estável'. A irrenunciabilidade do direito a
alimentos somente é admitida enquanto subsista vínculo de Direito de
Família". Com efeito, ante o princípio da irrenunciabilidade dos
alimentos, decorrente do dever de mútua assistência expressamente
previsto nos dispositivos legais citados, não se pode ter como
válida disposição que implique renúncia aos alimentos na constância
da união, pois esses, como dito, são irrenunciáveis. REsp 1.178.233-RJ, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 18/11/2014, DJe 9/12/2014.
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