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Sexta-feira, 20 de novembro de 2015
O
julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 845779 – sobre o direito de
um transexual ser tratado socialmente de forma condizente com sua
identidade de gênero – foi interrompido por um pedido de vista do
ministro Luiz Fux, na sessão plenária desta quinta-feira (19). O
recurso, interposto no Supremo Tribunal Federal (STF), discute a
reparação de danos morais a transexual que teria sido constrangido por
funcionário de um de shopping center em Florianópolis (SC) ao tentar
utilizar banheiro feminino.
O
tema teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte e
a decisão atingirá, ao menos, 778 processos sobrestados atualmente
sobre o assunto. Até o momento, votaram os ministros Luís Roberto
Barroso (relator) e Edson Fachin, pelo provimento do RE, a fim de que
seja restabelecida a sentença de primeiro grau que condenou o shopping a
pagar uma indenização de R$ 15 mil por ter retirado o transexual do
banheiro.
Conforme
os autos, o shopping forçou a retirada ao argumento de que a presença
da pessoa transexual causaria constrangimento. O Tribunal de Justiça de
Santa Catarina (TJ-SC) entendeu que no caso não houve dano moral, mas
“mero dissabor”.
Da tribuna do Supremo, falou a advogada do recorrente e, na condição de amigos da Corte (amici curiae),
representantes da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (ABGLT), bem como do Centro Latino-Americano em
Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) e do Laboratório integrado em
Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos (LIDIS). Os
advogados afirmaram que a questão não deve ser tratada como um fato
normal, pois houve discriminação e, portanto, o shopping tem o dever de
indenizar. Destacaram que deve haver uma política para assegurar
proteção à vítima de violação de identidade de gênero, ressaltando a
necessidade de se buscar uma sociedade mais igualitária com respeito a
todos os cidadãos, sem distinção.
Minoria marginalizada
O
relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, explicou que os
transexuais, que estão incluídos no grupo dos transgêneros, constituem
um grupo de pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo.
“O transgênero é alguém cuja identidade pessoal e autopercepção não
correspondem ao seu sexo biológico”. disse.
Ele
destacou que os transexuais são uma das minorias mais marginalizadas e
estigmatizadas da sociedade e ilustrou a gravidade do problema ao
observar que o Brasil é o líder mundial de violência contra trangêneros.
Segundo ele, a expectativa de vida de um transexual no país é de 30
anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos, além de
apresentar dificuldade de conseguir trabalho formal.
“O
remédio contra a discriminação das minorias em geral, particularmente
dos transgêneros, envolve uma transformação cultural capaz de criar um
mundo aberto à diferença, onde a assimilação aos padrões culturais
dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago para ser
respeitado”, ressaltou. O ministro avaliou que o tema não é simples no
debate mundial, uma vez que diz respeito à igualdade na dimensão do
reconhecimento e está relacionada à aceitação de quem é diferente, “de
quem foge ao padrão, de quem é historicamente inaceito pela ideologia e
pelos modelos dominantes”.
Para
o relator, “destratar uma pessoa por ser transexual – destratá-la por
uma condição inata – é a mesma coisa que a discriminação de alguém por
ser negro, judeu, mulher, índio, ou gay. É simplesmente injusto quando não manifestamente perverso”.
Direito fundamental
Do
ponto de vista jurídico, o ministro apresentou três fundamentos que
justificam o reconhecimento do direito fundamental dos transexuais a
serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero:
dignidade como valor intrínseco de todo indivíduo; dignidade como
autonomia de todo individuo; dever constitucional do estado democrático
de proteger as minorias.
O
ministro observou que toda pessoa tem o mesmo valor intrínseco que a
outra, consequentemente tem o mesmo direito ao respeito e à
consideração. “A óptica da igualdade como reconhecimento visa justamente
a combater práticas culturais enraizadas que inferiorizam e
estigmatizam grupos sociais e, desse modo, diminuem ou negam às pessoas
que os integram o mesmo valor intrínseco reconhecido a outras pessoas”,
concluiu.
Para
ele, é papel do Estado, da sociedade e de um tribunal constitucional,
em nome do princípio da igualdade, “restabelecer ou proporcionar na
maior extensão possível a igualdade dessas pessoas, atribuindo o mesmo
valor intrínseco que todos temos dentro da sociedade”. Segundo o
relator, é necessário o reconhecimento do direito fundamental do
transexual de ser tratado “como pessoa com respeito à sua identidade,
que não é produto de escolha, mas é fenômeno da natureza”.
Tese da repercussão geral
Assim,
o ministro avaliou que a mera presença de transexual feminino em áreas
comuns de banheiro feminino, ainda que gere algum desconforto, não é
comparável ao mal estar suportado pelo transexual feminino que tenha que
ingressar num banheiro masculino. Por essas razões, no caso concreto,
ele votou no sentido de dar provimento ao recurso extraordinário a fim
de reformar o acórdão questionado, restabelecendo a sentença que
condenou o shopping a indenizar o transexual em R$ 15 mil, por danos
morais. O ministro propôs a seguinte tese para a repercussão geral: “Os
transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua
identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso
público”.
O
ministro Edson Fachin acompanhou o voto do relator. No entanto,
considerou que a indenização por danos morais deve ser aumentada para R$
50 mil, além de o processo ser reautuado a fim de incluir o nome social
do requerente.
EC/FB
Leia mais:
14/11/2014 - Tratamento social condizente com identidade sexual é tema com repercussão geral
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RE 845779
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