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Quinta-feira, 09 de junho de 2016
Escolas particulares devem cumprir obrigações do Estatuto da Pessoa com Deficiência, decide STF
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta
quinta-feira (9), julgou constitucionais as normas do Estatuto da Pessoa
com Deficiência (Lei 13.146/2015) que estabelecem a obrigatoriedade de
as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência no
ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que ônus
financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas. A
decisão majoritária foi tomada no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5357 e seguiu o voto do relator, ministro
Edson Fachin.
Ao votar pela improcedência da ação, o relator salientou que o
estatuto reflete o compromisso ético de acolhimento e pluralidade
democrática adotados pela Constituição Federal ao exigir que não apenas
as escolas públicas, mas também as particulares, devem pautar sua
atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades do
direito fundamental à educação. “O ensino privado não deve privar os
estudantes – com e sem deficiência – da construção diária de uma
sociedade inclusiva e acolhedora, transmudando-se em verdadeiro local de
exclusão, ao arrepio da ordem constitucional vigente”, afirmou.
A ADI 5357 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (Confenen) para questionar a
constitucionalidade do parágrafo primeiro do artigo 28 e caput do
artigo 30 da Lei 13.146/2015. Segundo a entidade, as normas representam
violação de diversos dispositivos constitucionais, entre eles o artigo
208, inciso III, que prevê como dever do Estado o atendimento
educacional aos deficientes. A Confenen alega ainda que os dispositivos
estabelecem medidas de alto custo para as escolas privadas, o que
levaria ao encerramento das atividades de muitas delas.
Relator
O ministro Fachin destacou em seu voto que o ensino inclusivo é
política pública estável, desenhada, amadurecida e depurada ao longo do
tempo e que a inclusão foi incorporada à Constituição da República como
regra. Ressaltou que a Convenção Internacional sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência, que tem entre seus pressupostos promover,
proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos humanos e liberdades
fundamentais por todas as pessoas com deficiência, foi ratificada pelo
Congresso Nacional, o que lhe confere status de emenda constitucional.
Segundo ele, ao transpor a norma para o ordenamento jurídico, o Brasil
atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e
ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas
com deficiência.
O relator salientou que, embora o serviço público de educação seja
livre à iniciativa privada, independentemente de concessão ou permissão,
isso não significa que os agentes econômicos que o prestam possam atuar
ilimitadamente ou sem responsabilidade. Ele lembrou que, além da
autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, é necessário o
cumprimento das normas gerais de educação nacional e não apenas as
constantes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei
9.394/1996), como alega a Confenen.
O ministro ressaltou que as escolas não podem se negar a cumprir as
determinações legais sobre ensino, nem entenderem que suas obrigações
legais limitam-se à geração de empregos e ao atendimento à legislação
trabalhista e tributária. Também considera incabível que seja alegado
que o cumprimento das normas de inclusão poderia acarretar em eventual
sofrimento psíquico dos educadores e usuários que não possuem qualquer
necessidade especial. “Em suma: à escola não é dado escolher, segregar,
separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver”, afirmou o relator.
O ministro argumentou não ser possível aos estabelecimentos de ensino
privados se dizerem surpreendidos pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, pois a lei só entrou em vigor 180 dias depois de
promulgada. Afirmou também que não é possível ceder a argumentos
fatalistas que permitam uma captura da Constituição e do mundo jurídico
por supostos argumentos econômicos que estariam apenas no campo
retórico.
O relator da ADI apontou que, como as instituições privadas de ensino
exercem atividade econômica, devem se adaptar para acolher as pessoas
com deficiência, prestando serviços educacionais que não enfoquem a
questão da deficiência limitada à perspectiva médica, mas também
ambiental, com a criação de espaços e recursos adequados à superação de
barreiras.
“Tais requisitos, por mandamento constitucional, aplicam-se a todos
os agentes econômicos, de modo que há verdadeiro perigo inverso na
concessão do pedido. Perceba-se: corre-se o risco de se criar às
instituições particulares de ensino odioso privilégio do qual não se
podem furtar os demais agentes econômicos. Privilégio odioso porque
oficializa a discriminação”, salientou.
Votos
Ao acompanhar o relator, o ministro Luís Roberto Barroso destacou a
importância da igualdade e sua relevância no mundo contemporâneo, tanto
no aspecto formal quanto material, especialmente “a igualdade como
reconhecimento aplicável às minorias e a necessidade de inclusão social
do deficiente”.
Também seguindo o voto do ministro Fachin, o ministro Teori Zavascki
ressaltou a importância para as crianças sem deficiência conviverem com
pessoas com deficiência. “Uma escola que se preocupe além da questão
econômica, em preparar os alunos para a vida, deve na verdade encarar a
presença de crianças com deficiência como uma especial oportunidade de
apresentar a todas, principalmente as que não têm deficiências, uma
lição fundamental de humanidade, um modo de convivência sem exclusões,
sem discriminações em um ambiente de fraternidade”, destacou.
Votando pela improcedência da ação, a ministra Rosa Weber afirmou
que, em seu entendimento, muitos dos problemas que a sociedade enfrenta
hoje, entre eles a intolerância, o ódio, desrespeito e sentimento de
superioridade em relação ao outro talvez tenham como origem o fato de
que gerações anteriores não tenham tido a oportunidade de conviver mais
com a diferença. “Não tivemos a oportunidade de participar da construção
diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, em que valorizada a
diversidade, em que as diferenças sejam vistas como inerentes a todos
seres humanos”.
Segundo o ministro Luiz Fux, não se pode analisar a legislação
infraconstitucional sem passar pelas normas da Constituição, que tem
como um dos primeiros preceitos a promoção de uma sociedade justa e
solidária. “Não se pode resolver um problema humano desta ordem sem
perpassarmos pela promessa constitucional de criar uma sociedade justa e
solidária e, ao mesmo tempo, entender que hoje o ser humano é o centro
da Constituição; é a sua dignidade que está em jogo”, afirmou, ao votar
pela validade das normas questionadas. Ao também seguir o voto do
ministro Fachin, a ministra Cármen Lúcia afirmou que “todas as formas de
preconceito são doenças que precisam ser curadas”.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, mas apontou a
necessidade de se adotar no País uma cláusula de transição, quando se
trata de reformas significativas na legislação. Afirmou que muitas das
exigências impostas por lei dificilmente podem ser atendidas de
imediato, gerando polêmicas nos tribunais. O ministro afirmou ainda que
“o Estatuto das Pessoas com Deficiência efetiva direitos de minorias tão
fragilizadas e atingidas não só pela realidade, mas também pela
discriminação e dificuldades com as quais se deparam”.
Já o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, enfatizou a
convicção atual de que a eficácia dos direitos fundamentais também deve
ser assegurada nas relações privadas, não apenas constituindo uma
obrigação do Estado. Afirmou que o voto do ministro Fachin é mais uma
contribuição do Supremo no sentido da inclusão social e da promoção da
igualdade.
Também seguiu o relator, com a mesma fundamentação, o ministro Dias Toffoli.
Mérito
O Plenário decidiu transformar o julgamento, que inicialmente seria
para referendar a medida cautelar indeferida pelo relator, em exame de
mérito.
Divergência
Único a divergir do relator, o ministro Marco Aurélio votou pelo
acolhimento parcial da ADI para estabelecer que é constitucional a
interpretação dos artigos atacados no que se referem à necessidade de
planejamento quanto à iniciativa privada, sendo inconstitucional a
interpretação de que são obrigatórias as múltiplas providências
previstas nos artigos 28 e 30 da Lei 13.146/2015. “O Estado não pode
cumprimentar com o chapéu alheio, não pode compelir a iniciativa privada
a fazer o que ele não faz porque a obrigação principal é dele [Estado]
quanto à educação. Em se tratando de mercado, a intervenção estatal deve
ser minimalista. A educação é dever de todos, mas é dever precípuo do
Estado”, afirmou.
PR,VP/ADLeia mais:
09/06/2016 - Representantes das partes em processo que discute obrigações de escolas privadas em relação a deficientes expõem seus argumentos
19/11/2015 – Mantidas obrigações a escolas particulares previstas no Estatuto da Pessoa com Deficiência
ADI 5357
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