Total de visualizações de página

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA E O DIREITO

Ética, bioética e tecnologia, AVANÇOS PERMITIDOS PELA LEI?
O avanço tecnológico, em especial nas áreas da biomedicina e da biotecnologia, tornou possível o conhecimento de cura de doenças, mas nos deu poderes nunca antes imaginados sobre a vida humana. O quadro apresentado por Aldous Huxley na obra Admirável Mundo Novo, publicada em 1946, parece estar mais perto da realidade que da ficção.
Com isso, surgem os problemas ético-jurídicos...
Podemos criar uma vida humana em laboratório?
Podemos criopreservar um embrião humano, impedindo o seu desenvolvimento e posterior nascimento?
Podemos destruir os embriões criopreservados?
Em nome do direito ao planejamento familiar, podemos selecionar embriões, em razão de suas características genéticas?
Podemos clonar o ser humano?
Podemos prolongar artificialmente a vida humana?
Podemos manipular o genoma humano?
Podemos identificar que tais questões nos remetem a três dimensões dos problemas bioéticos e biojurídicos: individual, social (ou familiar) e o intergeracional. Assim, não se trata apenas de uma discussão sobre os limites do direito ao próprio corpo, pois envolve interesses de terceiros e também das futuras gerações.
As questões citadas na tela anterior são apenas algumas das trazidas pelos novos poderes conferidos pela biotecnologia e pela biomedicina...

Qual a maior dificuldade que temos hoje em lidar com esses questionamentos ético-jurídicos?
* O poder é legitimado pelo conhecimento e, assim, não nos vemos “coisificando” o ser humano.



Karl-Otto Apel sustenta que, em razão da amplitude espacial e temporal das ações humanas, torna-se difícil para o homem sentir-se emocionalmente atingido pelas conseqüências de suas ações. Neste ponto, recorre-se à ilustração realizada por Konrad Lorenz sobre a comparação do homem paleolítico com um machado em punho e o piloto que transportou a bomba de Hiroshima. O manipulador do machado de mão ainda apresentava fortes instintos repressivos, pois tinha de se defrontar com seu adversário olho no olho, ou seja, ele via a sua condição de ser humano espelhada no seu adversário. Já a situação do piloto que transportou a bomba de Hiroshima é diferente, pois ele é preservado do encontro humano com o “inimigo”, pois apenas apertou um botão, não-vivenciando as conseqüências da liberação da bomba de forma sensitivo-emocional.
Verificamos, portanto, que a ausência de um sentimento de responsabilidade solidária é um mal do qual padece a humanidade. A sede de viver o presente, instigada pela rede de sedução biotecnológica, desperta a “perda de sentido da continuidade histórica”. A grande ameaça não vem de grupos não-humanos, mas, sim, de subgrupos que fazem parte da humanidade.
O que é possível do ponto de vista biotecnológico e biomédico é lícito?
O novo é sempre melhor?
Poderíamos identificar um padrão moral que servisse de referência para nortear as condutas humanas diante desses novos conhecimentos?

Para Maria Helena Diniz, este padrão moral seria “o valor supremo da pessoa humana, de sua vida, dignidade e liberdade ou autonomia, dentro da linguagem dos direitos humanos e em busca de uma qualidade de vida digna”.
Como lidar com os novos conhecimentos biotecnológicos e biomédicos respeitando o valor supremo da pessoa humana?

Neste ponto, recorremos aos filósofos Kant e Hans Jonas.
Kant defende que o homem se sente responsável pelos seus atos e tem consciência de seu dever e expressa essa responsabilidade a partir do imperativo categórico: “age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca somente como um meio”. Para Kant, considerar o homem como meio é imoral, pois ele defende que todos os homens são fins em si mesmos.
O pensamento do filósofo Hans Jonas é hoje um dos referenciais de maior influência no âmbito da ética aplicada. A teoria de Jonas parte do princípio de que o homem é o único ser que tem responsabilidade, pois apenas os seres humanos podem realizar escolhas conscientes. Para Jonas as gerações atuais têm a obrigação moral de tornar possível a continuidade da vida e a superveniência das gerações futuras, pois o homem passou a ser responsável pela natureza, já que esta se encontra sob seu poder.
A partir desse raciocínio, Jonas propõe um novo princípio ético fundamental: “jamais a existência ou a essência do homem na sua integralidade, devem ser postas em jogo no futuro”. “Age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana genuína”.
Desde quando o homem passou a ter poderes médicos sobre a vida humana, questionamos os seus limites. Encontramos no Juramento de Hipócrates, século V. a. C., indicações de como a conduta médica deveria-se pautar.
Os limites da ação humana, em especial na pesquisa com seres humanos, foram objeto de questionamento no julgamento realizado pelo Tribunal de Nuremberg. O Código de Nuremberg (1948) é considerado um importante documento na construção bioética, e resultou do julgamento de vinte e três pessoas pelo Tribunal de Nuremberg . Dentre elas, médicos que foram considerados criminosos de guerra, quando se tratou pela primeira vez do tema da experimentação em seres humanos nos campos de concentração nazista
O termo Bioética – bios – vida; ethiké – ética – foi utilizado pela primeira vez pelo oncologista Van Renssealer Potter, na obra Biotehics: bridge to the future, em 1971. A preocupação do autor era com as relações dos seres humanos com o ecossistema e a necessidade de preservação da vida no planeta. É nesse sentido que ele utiliza a palavra “ponte”, no sentido de ligar, do ponto de vista ético, a humanidade e a ciência.
O sentido apresentado foi se modificando com o passar do tempo, e tornando-se cada vez mais amplo, para abarcar, ao final, a ética das ciências da vida e da saúde.
O conceito de Bioética apresentado pela Enclyclopedia of Bioethics é “estudo sistemático das dimensões morais das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar”.
A partir desse conceito, podemos extrair algumas conclusões:
a) é um conhecimento complexo, ou seja, utiliza o diálogo interdisciplinar para analisar a realidade, e, portanto, não se limita à ética médica;
b) é pluralista, pois utiliza uma variedade de metodologias éticas.

Segundo Maria Auxiliadora Minahim
“A Bioética não tem a pretensão, como ocorre com o Direito, de estabelecer dogmas gerais para as ações, não tendo força coercitiva para impedir certos comportamentos: ela questiona o papel da tecnociência para o bem-estar da humanidade, validando-a, na medida em que serve ao ser humano. Propõe-se, ademais, a funcionar como instância mediadora de conflitos morais que as novas tecnologias podem introduzir.”



As questões ecológicas estão inseridas nas preocupações da bioética, com o objetivo de preservar a vida (macrobioética), como também questões relativas à relação médico-paciente em instituições de saúde, instituições de pesquisa (microbioética)
Princípios Bioéticos
Entre 1932 e 1972, o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América realizou pesquisa envolvendo 600 homens negros (399 com sífilis e 201 sem a doença), da cidade de Tuskegee, no estado do Alabama. O objetivo do projeto era analisar a evolução natural da doença, ou seja, os sujeitos da pesquisa não eram tratados propositalmente. Eles não sabiam que estavam participando de um projeto de pesquisa, ou seja, não lhes foi pedida autorização. A partir da década de 50, já havia cura para a sífilis, mas os sujeitos da pesquisa continuavam sem receber o tratamento. Esse projeto se tornou público por meio da imprensa e inúmeros casos de morte já haviam ocorrido. O caso ficou conhecido como Caso Tuskegee.
Em razão dessa e de outras denúncias de pesquisas envolvendo seres humanos, o governo norte-americano formou uma comissão com o objetivo de definir princípios éticos para pesquisa com seres humanos. Em 1978, o Relatório Belmont, fruto dos trabalhos da comissão, foi publicado pela National Comission for the Protection Of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research e identificou os seguintes princípios:
a) princípio da autonomia: respeito à vontade do sujeito da pesquisa e sua liberdade (sem prejuízo de terceiros), considerando seus valores, crenças, vida e o próprio corpo, bem como sua intimidade como concretização desse princípio temos o termo de consentimento livre e informado;
b) princípio da beneficência: deve-se buscar fazer o bem ao paciente/sujeito da pesquisa, evitando causar danos;
c) princípio da não-maleficência: é considerado um desdobramento do princípio da beneficência e indica a obrigação de não ocasionar danos;
d) princípio da justiça: eqüidade e justiça da distribuição dos riscos e benefícios, como expressão da justiça distributiva.
O modelo dos princípios foi o primeiro a ser proposto e foi adotado em vários países.

Outros modelos foram sendo construídos, como, por exemplo:
modelo libertário – apresenta a autonomia como o valor mais forte;
modelo das virtudes – baseado na tradição aristotélica da ética das virtudes, centram-se no profissional da saúde, a partir da integração do paciente ao processo de decisão;
modelo personalista – sua preocupação é com a fundamentação da ação, ou seja, não pode ferir a dignidade da pessoa humana.



Essa diversidade de perspectivas retrata o pluralismo dos modelos teóricos da bioética, dada a dificuldade de se analisar as dimensões morais humanas sob uma única ótica.
Pessini analisa a limitação dos referidos modelos:
“a experiência ética pode ser expressa em diferentes linguagens, paradigmas ou modelos teóricos [...] Obviamente a convivência com esse pluralismo de modelos teóricos exige diálogo respeitoso pelas diferenças em que a tolerância é um dado imprescindível. Todos esses modelos ou linguagens estão intrinsecamente relacionados, mas cada um em si é incompleto e limitado [...] Não podemos considerá-los exclusivos, mas complementares. As dimensões morais da experiência humana não podem ser capturadas numa única abordagem”.
Embora inúmeras críticas sejam lançadas ao modelo dos princípios, podemos afirmar que a bioética é principialista, pois este modelo continua sendo referência dominante.
Alguns autores sustentam que há hierarquia entre os princípios, mas outros defendem que, havendo conflito entre eles, o caso concreto deverá indicar qual deverá prevalecer.
Sistemas
A forma como as discussões bioéticas são tratadas difere muito entre os países, pois há, também, a influência da cultura.e de questões sociais. Assim, podemos identificar algumas diferenças marcantes entre os sistemas europeu, anglo-americano e latino.
O modelo norte-americano foi dominante nos primórdios da Bioética. Contudo, vem sofrendo forte influência européia, asiática e também latino-americana. O modelo norte-americano é acusado de conferir extensa parcela de autonomia ao paciente, enquanto que o modelo latino-americano privilegia a justiça, eqüidade e solidariedade, sem desconsiderar a vontade do paciente. A bioética norte-americana teve grande influência do pragmatismo filosófico anglo-saxão, apresentando a sistematização principialista. A reflexão ética norte-americana está permeada pela preocupação com o controle social da pesquisa em seres humanos. Já bioética européia privilegia mais a fundamentação.
Segundo Mainetti, atualmente, o desenvolvimento de uma bioética latino-americana representa um grande desafio, pois deverá delimitar para si um modelo que admita valorizar a cultura latina e também pelas condições sociais de seus países, preocupando-se com a eqüidade na alocação de recursos e com a distribuição de serviços de saúde.
Diplomas ético-normativos
A leitura dos seguintes documentos é de extrema importância para que possamos identificar os parâmetros que vêm sendo utilizados:
Código de Nuremberg: resultado do julgamento, pelo Tribunal de Nuremberg de vinte e três criminosos nazistas, responsáveis pelo massacre cometido na II Guerra Mundial nos campos de concentração, dentre elas médicos, que foram considerados criminosos de guerra, quando se tratou pela primeira vez do tema da experimentação em seres humanos.
Declaração Universal do Genoma Humano (UNESCO): a UNESCO, através do Comitê Internacional de Bioética (CIB), aprovou, em 199, documento intitulado “Declaração Universal sobre Genoma Humano e Direitos Humanos”, demonstrando a preocupação com a manipulação do patrimônio genético-humano.
Declaração Universal dos Direitos Humanos das Gerações Futuras: tal declaração expressa a preocupação com as gerações futuras, determinando que a geração presente tem o dever de manutenção e perpetuação da humanidade com respeito à dignidade humana.
Juramento de Hipócrates: apresenta fundamentos seculares filosóficos da ética e da conduta médica. Considerado a carta magna dos profissionais da saúde, estabelece um ideal de conduta a partir dos seguintes postulados: nil nocere (não causar dano) e bonum facere (fazer o bem ao paciente). Apesar de ter mais de 2.500 anos, ainda é uma referência ética para a prática médica, dando ênfase a não-maleficiênci
Biodireito e bioética
A liberdade de pesquisa está prevista no inciso IX do art. 5º. da CRFB. É certo que o legislador ao instituir tal direito não o admitiu de forma absoluta. Na hipótese de conflito entre esse direito e outros, como a vida e a integridade física, deve-se aplicar a técnica da ponderação. Além disso, deve-se frisar que a liberdade de pesquisa não pode levar à coisificação do ser humano (art. 1º. III, CRFB).
A dignidade humana se apresenta como um “elemento universal", ou seja, um padrão de ética amplamente aceito em nível mundial. A legitimidade de um sistema jurídico perpassa pela necessidade de consagração da intangibilidade da dignidade da pessoa humana , eis que a pessoa humana é ponto de referência essencial na temática da dignidade Nesse sentido, segundo Miguel Reale:
“Da análise racional do homem e da consideração de que o homem é por necessidade um animal político, resulta a idéia de que cada homem representa um valor e que a pessoa humana constitui o valor-fonte de todos os valores. [...] A idéia de pessoa humana, a idéia de que cada homem tem uma individualidade racional que como tal deve ser respeitada, eis o valor por excelência, aquele que podemos chamar de valor-fonte."





PAUPÉRIO, Artur Machado. Direito e amor. In: SOUSA, José Pedro Galvãoeito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 304.


O respeito à dignidade humana é a base para a elaboração e construção de todos os direitos humanos fundamentais, ou seja, a dignidade não é considerada como um direito separado e específico, mas a fonte da qual derivam todos os direitos do homem.
A respeito da manipulação do genoma humano, segundo Machado Paupério, “quando as regras de Direito se obstinam em não conhecer a dignidade da pessoa humana, deixam de ser regras propriamente jurídicas, porque, evidentemente, qualquer norma dessa natureza pressupõe um destinatário humano. Já então se está diante, não de um direito injusto, mas da simples ausência do Direito”.
O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado por Gustavo Tepedino como uma “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana”.
Diante das incertezas, da própria mutabilidade do conhecimento científico e também de sua incompletude, como deve o Direito regular a aplicação dos conhecimentos biotecnológicos e biomédicos? Para respondermos esta pergunta, devemos, inicialmente, fazer uma breve exposição sobre como o Direito regulamenta os fatos.
O ordenamento jurídico é composto por princípios e regras:
regras: descrevem um fato ou fatos e se vinculam a suportes fáticos específicos;
princípios: são mandados de otimização de valores, permitindo ao aplicador do direito maior flexibilidade diante de determinado fato concreto.

Assim, considerando a complexidade e a mutabilidade dos fatos, podemos recorrer aos princípios (com maior plasticidade) e às regras (dotadas de alto grau de concretização).
Os princípios são considerados o melhor meio para regulamentar as práticas da biomedicina e da biotecnologia, pois, por sua natureza, teriam condições de acompanhar a mutabilidade dos fatos científicos, preservando o valor que lhe é inerente.
Portanto, o objetivo dessa aula é identificar os princípios presentes no ordenamento jurídico brasileiro que dão conta das questões biojurídicas atuais. Para tanto, devemos analisar a forma como o Direito se comporta diante de questões de forte natureza ética.
Segundo Minahim...
"O Direito deve, porém, na medida do possível, apresentar-se com abertura suficiente para atender ao pluralismo moral, realizando o princípio da tolerância e respeito à diversidade, incentivado nas sociedades ocidentais contemporâneas. Esta, porém, é uma tarefa delicada, em se tratando de temas tão impregnados de crenças, religiosidade e valores distintos.”
Direitos da personalidade, direitos fundamentais e direitos humanos
Inicialmente, cumpre estabelecer uma delimitação de ordem conceitual e metodológica. Na construção do que se denomina “Biodireito”, que para alguns autores é um novo ramo do Direito, encontraremos normas que se apresentam no âmbito dos direitos da personalidade, dos direitos fundamentais e dos direitos humanos. Sendo assim, devemos indicar, preliminarmente, seus objetos:
Direitos da personalidade – tem por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais e são trabalhados no âmbito do Direito Civil.
Direitos Fundamentais – são os direitos do ser humano positivados no âmbito constitucional de determinado Estado.
Direitos Humanos – são os direitos do ser humano reconhecidos em documentos de direito internacional.
Vejam que não são instâncias contrapostas, mas dimensões de tutela da pessoa humana.
Direitos da personalidade
Como já fora visto anteriormente, os direitos da personalidade têm como objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais. Atualmente, há previsão dos direitos da personalidade no Código Civil de 2002 e na legislação esparsa. Contudo, não se trata de uma previsão taxativa, visto que o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado uma cláusula geral de proteção da personalidade, pois a personalidade é vista como um valor a ser tutelado.

A doutrina aponta para as seguintes características dos direitos da personalidade:
a) absolutos – são oponíveis erga omnes, ou seja, impõe o dever de respeito a toda coletividade;
b) gerais – são outorgados a todas as pessoas;
c) extrapatrimoniais – não há conteúdo patrimonial auferível, apesar da lesão poder gerar mensuração econômica;
d) intransmissíveis – são inalienáveis (art. 11 CC 2002);
e) irrenunciáveis – não se pode renunciar (art. 11 CC 2002).
Em alguns casos, pode-se admitir a transmissibilidade de poderes vinculados a determinados direitos da personalidade, como, por exemplo, no caso da doação de órgãos inter-vivos, do direito à imagem, dentre outros:
f) imprescritíveis – não há prazo para seu exercício;
g) vitalícios – terminam com a morte. Porém, há direitos da personalidade que se projetam para além da morte, como, por exemplo, o direito ao corpo morto, à honra.



A doutrina brasileira não é unânime na classificação dos direitos da personalidade. Sendo assim, sem a pretensão de apresentá-los em sua integralidade, podemos indicar: direito à vida, direito ao corpo humano, direito à voz, direito à integridade psíquica, direito à liberdade, direito à intimidade, direito à privacidade, direito ao segredo, direito à honra, direito á imagem, direito à identidade, dentre outros.
Direitos fundamentais e Direitos humanos
Já ressaltamos que a relação entre direitos fundamentais e direitos humanos não é uma relação de oposição, pois são apenas instâncias diferenciadas de regulação da pessoa humana. Devemos ressaltar, ainda, que não há uma identidade entre o rol dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, pois no que respeita aos direitos humanos há necessidade de recepção na ordem interna de um país para que lhe seja atribuída a cogência.
Para Ingo Sarlet, “os direitos fundamentais são, em verdade, concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana”.
Os direitos fundamentais são dotados de aplicabilidade imediata e não são um rol taxativo. (art. 5º. Parágrafos da CRFB):
“ § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).”
Princípios constitucionais do Biodireito
Inicialmente, cumpre esclarecer a importância dos princípios constitucionais. Segundo Luís Roberto Barroso...
“os princípios constitucionais são o conjunto de normas da ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus afins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”.
Ao longo do curso, verificaremos que tais princípios nos auxiliam na solução de questões biojurídicas e são considerados princípios constitucionais do biodireito.
: Direito à vida: compreensão, extensão e limites
A Constituição Federal elenca o direito à vida entre os direitos fundamentais. Podemos conceber que a proteção conferida ao direito à vida é a de não tê-la interrompida por ato de outrem.
Nesse sentido, a legislação penal pune o aborto, o infanticídio e o homicídio.
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que determina, no artigo 4º., nº. 1:
“toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e,em geral, desde o momento da concepção”.
Quando a vida humana começa?
Definir quando a vida humana começa é questão tormentosa com várias correntes, principalmente, após o advento das técnicas de reprodução assistida e da possibilidade de pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias. Vamos nos centrar na explanação sobre algumas teorias: concepção (cariogamia), nidação, e 14º. dia. Para tanto, precisaremos recorrer às lições da biologia e da embriologia.

O espermatozóide, ao penetrar no ovócito, desencadeia a formação de um pronúcleo masculino, no interior do pronúcleo feminino, fazendo com que a cauda do espermatozóide se degenere. Os pronúcleos, ao se contatarem, perdem a capa nuclear, o que leva à duplicação de seus DNAs. Nessa fase, ocorrem diversas transformações, passando o embrião a ter estrutura cromossômica própria, inclusive havendo a determinação do sexo.
Ao progredir pela trompa uterina, o embrião sofre inúmeras transformações mitóticas, dividindo-se, cerca de trinta horas após a fertilização, em duas células, chamadas blastômeros. Ao chegar à cavidade uterina, o endométrio estará aumentado em espessura, permitindo a ocorrência do fenômeno da nidação, que ocorre entre o quarto e o quinto dias após a fecundação,
dando início à gestação.

O processo relatado até então se refere à reprodução natural. Contudo, com a técnica de fertilização in vitro, as fases iniciais já podem ser realizadas fora do útero materno. É o que se passa a examinar. As técnicas de fertilização assistida podem ser divididas em dois grupos:
a) técnicas invasivas – fertilização no interior do organismo materno;
b) técnicas não-invasivas – fertilização fora do organismo materno

Nascituro
O artigo 2º. do Código Civil de 2002 estabelece que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
A natureza jurídica do nascituro é questão controvertida, o que originou as correntes natalista e concepcionista. Os adeptos da teoria natalista sustentam que a personalidade jurídica começa do nascimento com vida. Alguns juristas acreditam que o Código Civil brasileiro teria agasalhado essa corrente, reservando apenas expectativas de direito ao ser por nascer.

Para Reinaldo Pereira e Silva:
“a personalidade jurídica deve ser considerada um parâmetro puramente qualitativo, designando a natural aptidão do ser humano para figurar como sujeito passivo ou sujeito ativo de uma relação de direito. Se não existe pessoa sem personalidade, todo ser humano, porque apto para figurar como sujeito de uma relação de direito, necessariamente deve ser reconhecido como pessoa.”
Segundo Silmara de Almeida Chinelato, adepta da corrente concepcionista:
“Estabelece-se, destarte, que certos direitos e determinados estados, atributos da personalidade, independem do nascimento com vida, o que refuta a tese de que aquela deste depende sempre. Mesmo que ao nascituro fosse reconhecido apenas um status ou um direito, ainda assim seria forçoso reconhecer-lhe a personalidade, porque não há direito ou status sem sujeito, nem há sujeito de direito que tenha completa e integral capacidade jurídica (de direito ou de fato) que se refere sempre a certos e determinados direitos particularmente considerados. [...] a personalidade do nascituro não é condicional, apenas certos efeitos de certos direitos dependem do nascimento com vida, notadamente os direitos patrimoniais materiais, como a doação e a herança. Nesses casos, o nascimento com vida é elemento do negócio jurídico que diz respeito à sua eficácia, aperfeiçoando-a."
Os defensores da teoria natalista estabelecem a definição da condição jurídica de pessoa a partir do nascimento com vida, levando em consideração que a preocupação do legislador do Código Civil não era a de proteger o ser humano, mas sim dar segurança às relações jurídicas e aos sujeitos de Direito. Essa posição parece estar justificada pela primeira parte do artigo 2º do Código Civil Brasileiro de 2002. Contudo, tal teoria não explica o exercício efetivo de direitos pelo nascituro antes do seu nascimento.
Embrião pré-implantatório (ou em situação extracorpórea)
Após analisarmos a situação do embrião implantado – nascituro –, vamos passar para um dos assuntos mais tormentosos: a tutela do embrião em situação extracorpórea. Vimos que, com a técnica da fertilização in vitro, é possível haver concepção fora do ventre materno e, posteriormente, haver criopreservação do embrião.
O Direito brasileiro tutela o embrião pré-implantatório da mesma forma que o implantado? É o que passaremos a analisar.
A primeira indagação que devemos fazer é: a destruição dos embriões pré-implantatórios seria tipificado como crime de aborto?

Para Heloísa Helena Barboza:
“Considerando que a lei penal pune, mas não conceitua o aborto (etimologicamente ab = privação + ortus= nascimento), e que esse é definido como a interrupção da gravidez com a morte do produto da concepção, afirma-se inexistir crime de aborto na fertilização in vitro, visto que a gravidez só existe em organismo vivo, não sendo reconhecida fora dele.”

Já para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho...
“sem violação do princípio da tipicidade, levando-se em conta o fato de a lei penal não definir o que seja aborto, não se poderia negar proteção jurídica a um embrião fecundado in vitro, pelo simples fato de se formar fora do útero materno. O aspecto circunstancial não pode prevalecer sobre a razão da norma. A lei tutela a vida desde a sua formação, e o fato de o desenvolvimento embrionário ocorrer em laboratório não é justificativa para negar a aplicação da lei penal. Afinal, onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito”.
Para Nilo Gonçalves,
“é incontestável portanto que a ocisão dolosa do concepto, ainda que in vitro representa um ato contra a vida, bem máximo tutelado pelo nosso Código Penal”. Não existe uma definição clara no ordenamento jurídico sobre a natureza jurídica do embrião pré-implantatório, apesar de ser possível advogar a tese de que não há tratamento na qualidade de coisa. Para tanto, precisamos analisar alguns diplomas normativos.
Aborto de feto anecefálico
O Direito brasileiro considera o aborto como crime e o tipifica nos artigos 124 a 127 do Código Penal. Contudo, admite sua realização nas hipóteses previstas no artigo 128, I e II do Código Penal (aborto terapêutico e aborto sentimental).
O Poder Judicário brasileiro já foi chamado inúmeras vezes para se pronunciar sobre a possibilidade de realização de aborto de feto anencefálico. No âmbito do STF, tramita a ADPF nº. 54, foi movida pela Confederação dos Trabalhadores na Saúde – CNTS e objetiva que o STF declare inconstitucional, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a interpretação dos artigos 124, 126 e 128, I e II do Código Penal como impeditivos da interrupção da gestação em caso de gravidez de feto anencefálico, reconhecendo o direito subjetivo da gestante em se submeter a tal procedimento.
Argumentos a favor da interrupção
Argumentos contra a interrupção
impossibilidade de incidência dos artigos 124 a 128 do CP, pois equipara o anencéfalo a um morto cerebral;
aumento do risco na gravidez de feto anencéfalo;
autonomia da gestante;
não há vida viável em formação.
a continuidade da gravidez é equiparada à tortura.
não há aumento de risco na gravidez de feto anencéfalo, pois toda e qualquer complicação pode ser revertida clinicamente;
desde a concepção há um ser humano – o direito brasileiro protege a vida humana desde a concepção;
para a decretação da morte encefálica deve haver uma lesão de tronco cerebral e o anencéfalo tem tronco cerebral sem lesão
A técnica da clonagem
O processo da clonagem objetiva a duplicação da carga genética de um ser e pode ser considerado como um método reprodutivo. Na clonagem não ocorre a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, pois o indivíduo é criado a partir da célula somática do indivíduo original, e, portanto, com a mesma carga genética.
Trata-se de processo de reprodução assexuada com a obtenção de indivíduos geneticamente idênticos, como ocorre com os gêmeos univitelinos, que são clones naturais.
A clonagem pode ser realizada de duas formas:
a) Divisão nuclear: a partir da separação das células de um embrião no estágio inicial do seu desenvolvimento;
b) Transferência nuclear: é realizada pela substituição do núcleo de um óvulo por outro, contendo a carga integral de um ser humano
Histórico
Esta técnica ganhou publicidade em julho de 1996, quando no interior da Escócia, foi produzida artificialmente uma ovelha, chamada mais tarde de “Dolly”. A técnica consistiu na retirada de uma célula, que contém toda a carga genética, da mama de uma ovelha adulta, sem a ocorrência de cruzamento ou mesmo de inseminação artificial. Da célula retirada da ovelha utilizou-se o núcleo, que carrega a carga genética, ou seja, o DNA, e por meio de um processo químico esse foi deixado inerte. Extirpou-se o núcleo do óvulo não-fertilizado de outra ovelha fêmea e criou-se um ambiente propício para a divisão das células, tal como se tivesse ocorrido fecundação.
Em 1993, os cientistas Jerry Hall e Robert Stillman, da George Washington University, produziram quarenta e oito clones embrionários humanos, chegando a criar pares de gêmeos e trigêmeos, que foram destruídos seis dias após.
Harry Griffin, bioquímico e diretor de Ciência do Instituto Roslin, afirma que: “A clonagem se seres humanos pode ser possível, sim. Mas nós não faremos nenhum trabalho neste sentido. Só espero que a clonagem humana seja ilegal não apenas na Grã-Bretanha, mas em outros países, que devem criar uma legislação apropriada. Há um potencial para o uso de nossas descobertas, no instituto, na terapia de células”.
Em novembro de 2002, duas notícias acirraram ainda mais o debate em torno da clonagem humana: a primeira relativa à previsão de nascimento do primeiro clone humano para janeiro de 2002 e a segunda relativa a um pedido para clonar embriões humanos para a extração de células tronco, que são células não-especializadas, ou seja, capazes de evoluir para qualquer outro tipo de célula.
O responsável pela primeira foi o ginecologista italiano Severino Antinori, que informou que três de suas pacientes estão grávidas de clones. Os bebês eram todos do sexo masculino, já que os maridos eram inférteis e assim teriam sido clonados. Antinori afirmou que o percentual de êxito no procedimento de clonagem em seres humanos fica entre 10% e 20% e que os graves erros correm em função de má-formação do aparelho cardiovascular e nos pulmões.
A experiência de Antinori não foi confirmada e até hoje, não há provas de que algum cientista tenha conseguido clonar um ser humano.
Clonagem reprodutiva e a clonagem terapêutica
Apesar dos objetivos das técnicas serem diferentes, haverá a formação de um embrião “clone” para a realização das clonagens reprodutiva e terapêutica.
Na clonagem reprodutiva, o objetivo é produzir uma cópia de uma pessoa viva ou morta, com o objetivo de reprodução, ou seja, de transferir o clone para um ventre materno e dar continuidade no processo de gestação, nascimento etc.
Sidney Callaham, do Mercy College, de Nova York, afirmou que “O clone será obrigado a viver uma vida que não é sua. Ou seja: será apenas o substituto de alguém que morreu. Pense nas implicações psicológicas desta situação”.
Na maioria dos casos, as pessoas que desejam recorrer ao método da clonagem com fins reprodutivos almejam a repetição de um ser humano, ou seja, a recriação deste mesmo ser, como se fosse possível copiar todas as dimensões do ser humano, a partir de sua duplicação genética. Sabe-se que da mesma forma que os animais, o ser humano não é resultado única e exclusivamente de sua carga genética, pois a bagagem emocional que cada pessoa traz em si é experiência irrepetível, o que de certa forma traz a segurança de que o homem sempre terá a sua individualidade resguardada, apesar de no plano genético haver a possibilidade de sua duplicação.
A clonagem reprodutiva é proibida na maioria dos países, pois trata-se de técnica de baixa eficiência, levando à inúmeras má-formações, abortos e envelhecimento precoce.
Já a clonagem terapêutica objetiva, a partir da criação de um clone, obter as células-tronco emrbionárias com o objetivo de produzir tecidos ou órgão para transplante. O argumento é o de que o organismo humano não poderia rejeitar o produto do seu próprio corpo. Esta modalidade de clonagem vem sendo admitida em alguns países.

O Projeto Genoma Humano
O Projeto Genoma Humano é o primeiro esforço coordenado internacionalmente na história da Biologia, que se propõe a determinar a seqüência completa do código genético humano, localizando com exatidão os genes e o resto do material hereditário da espécie humana responsáveis pelas instruções genéticas da estrutura humana do ponto de vista biológico.
Outro projeto nos moldes do PGH vem sendo desenvolvido também. Trata-se do Projeto de Diversidade do Genoma Humano, de nível internacional e base antropológica, liderado por Luca Calli-Sforza, que objetiva o estudo da variedade e da riqueza genética da espécie humana, demonstrando a diversidade da humanidade em concomitância com a sua estreita unidade. Esse estudo esbarra justamente na questão de recolhimento de amostras genéticas em populações indígenas na América do Sul.
Em 1988, a HUGO (Human Genome Organization) foi criada por cientistas americanos para coordenar, em nível mundial, o seqüenciamento do genoma humano. As propostas iniciais partiram do Ministério de Energia dos EUA seguidas pelos Institutos Nacionais de Saúde.
Os objetivos do PGH são:
a) identificar os 50 a 100 mil genes no genoma humano;
b) determinar a seqüência do DNA humano;
c) disponibilizar a informação obtida em bancos de dados;
d) desenvolver instrumentos para análise dos dados obtidos;
e) discutir questões éticas, legais e sociais;
f) realizar análises similares em organismos-modelo.
O genoma humano: unitário e individual
O genoma humano é composto pelo ácido desoxirribonucléico e se encontra no núcleo das células. As instruções genéticas estão escritas em seqüências de quatro elementos básicos repetidos: A (adenina), C (citosina), G (guanina) e T (timina), que são chamadas bases do DNA.
O genoma humano é composto de várias bases organizadas em uma seqüência específica e pode ser comparado a um manual de instruções contendo comandos, chamados genes. Cada gene é composto por uma seqüência específica das bases do DNA. Em alguns casos, um único gene pode ser determinante de uma certa característica humana, mas, na maioria das vezes, os genes agem em conjunto.
As variações em cada gene são responsáveis pela diversidade de tipos humanos. Já erros em determinados genes, responsáveis por má formações ou doenças, são chamados de mutações. Contudo, nem toda mutação é responsável por má-formações e doenças, pois pode dar ao ser humano uma nova característica.
A informação genética humana está dividida em pedaços, que são os cromossomos, ou seja, os cromossomos são partes de DNA. O genoma humano é composto de 23 pares de cromossomos em cada célula somática. As células reprodutoras contêm apenas 23 cromossomos, pois no ato da fecundação, forma-se uma nova célula, totalizando os 23 pares de cromossomos.
Projeto Genoma Humano, manipulação, terapia e identidade genética
As duas versões de cada gene são necessárias para proteger de mutações genéticas, pois se uma versão está defeituosa, tem-se a outra para executar a instrução. Quando a célula precisa executar determinada instrução, é feita uma cópia dessa instrução, dentro do núcleo do gene, no chamado RNA (ácido ribonucléico). Essa cópia é levada para fora do núcleo e será executada pelas células após degradada. Apesar de todas as células do corpo humano apresentarem um genoma completo, cada célula executa somente parte
das instruções, ou seja, aquela referente ao tipo e às funções da célula.
Após a fecundação, há a formação da primeira célula de um novo ser, que contém o seu genoma, e os trilhões de células que compõem uma pessoa são formadas a partir de sucessivas divisões.
A cada divisão, o genoma é copiado para as células filhas. Assim, cada célula contém uma cópia completa do nosso genoma, com exceção das chamadas células germinativas (óvulos e espermatozóides) que possuem uma unidade de cada cromossomo e são chamadas de células haplóides.
Quando essas células haplóides se fundem na fecundação forma-se a célula diplóide que contém um novo genoma, composto de duas unidades de cada cromossomo.
No que diz respeito à natureza estática da identidade pessoal, tradicionalmente, a pessoa humana podia ser identificada pelo nome, que a individualiza; pelo estado, que estabelece a sua posição na família e na sociedade e pelo domicílio, que é o lugar de onde irradiam os efeitos jurídicos de seus atos. Segundo Heloísa Helena Barboza, o progresso científico agregou mais um elemento para a identificação do ser humano: o DNA.
Os diagnósticos genéticos pré-implantacional, pré-natal e pós-natal
Nas últimas décadas, tem-se presenciado o desenvolvimento da medicina preventiva, que objetiva evitar as condições de criação de patologias e suas conseqüências. A Medicina, aliada à Biologia molecular e à Genética, proporcionou extraordinários conhecimentos para determinação de diagnósticos.
A revolução no mundo genético mostrou que grande parte das enfermidades tem origem nas células que formam o organismo humano. Assim, desde a fusão dos pronúcleos, com a conseqüente individualização genética, existe a possibilidade de verificação de anormalidades gênicas. A prática da reprodução assistida, e em especial da fertilização in vitro, permitiu o diagnóstico sobre o embrião antes da implantação, a partir da extração de uma célula para a realização de um exame cromossômico ou genético. O resultado destes exames permite a seleção dos embriões a serem implantados.
Já o diagnóstico pré-natal é realizado a partir da análise genética do embrião com o objetivo de se obter informações sobre defeitos congênitos, ou seja, anomalia do desenvolvimento morfológico, estrutural, funcional ou molecular hereditário ou não. A indicação do diagnóstico pré-natal começou no final da década de 60, com o aperfeiçoamento das técnicas de cultura das células fetais suspensas no líquido amniótico para o estudo dos cromossomos a partir da amniocentese. As técnicas de diagnóstico pré-natal são as seguintes:
a) ecografia, que utiliza o ultra-som, mas que não permite a análise genética ou cromossômica, mas apenas malformações somáticas externas ou estruturais;
b) fetoscopia, que é uma técnica que consiste na introdução de fetoscópio, feito de fibras óticas, dentro do útero, para complementar o resultado da
ecografia, tornando possível a retirada de sangue do feto por meio de punção
ou para extrair tecidos fetais;
c) placentocentese, que permite a retirada de sangue fetal da placa corial, mediante a punção da placenta, para exames genéticos;
d) retirada das vilosidades coriais (CVS), consiste na extração de tecidos diretamente do feto, com auxílio da fetoscopia e da ecografia, para a realização de exames genéticos;
e) amniocentese, que consiste na retirada de líquido amniótico no qual estão presentes células fetais de clivagem;
f) cordocentese, punção ecoguiada pelo cordão umbilical.
O diagnóstico genético pós-natal apresenta as seguintes indicações:
a) identificação da causa genética de uma patologia clínica;
b) exame genético pré-matrimonial e pré-concepcional, permitindo ao geneticista orientar o casal ou pessoa que queira ter filhos sobre as possibilidades de um filho com enfermidades ou má-formação de origem genética – isso é possível através de um exame específico, pela técnica do PCR (Polymerase chain reaction), que poderá constatar a incompatibilidade entre os pais;
c) exame genético em trabalhadores para identificar sensibilidade genética a agentes químicos presentes no ambiente de trabalho;
d) exame genético para contratos de seguro, para identificar doenças genéticas;
e) exame genético aplicado em questões judiciais, como, por exemplo, investigações de paternidade/maternidade.
No que diz respeito à natureza estática da identidade pessoal, tradicionalmente, a pessoa humana podia ser identificada pelo nome, que a individualiza; pelo estado, que estabelece a sua posição na família e na sociedade e pelo domicílio, que é o lugar de onde irradiam os efeitos jurídicos de seus atos. Segundo Heloísa Helena Barboza, o progresso científico agregou mais um elemento para a identificação do ser humano: o DNA.
A prova genética
A genética forense consiste na análise do polimorfismo ou variabilidade genética humana aplicada em questões judiciais, tais como investigação de paternidade/maternidade, investigações criminais e identificação humana. A utilização da prova genética, como meio de investigação da origem genética, levanta questões de natureza processual, no que diz respeito à sua admissão, produção de efeitos e obrigatoriedade de realização.
O valor que deveria prevalecer é o da concretização da justiça, importando na obrigação de se submeter ao exame, já que esta obrigação não seria atentatória à personalidade humana, e que ao se negar estar-se-ia atuando em abuso de direito, sofrendo as conseqüências com a sua negativa.
A análise do DNA, como meio de prova, é admitida pelo artigo 145 do CPC quando a realização de prova pericial depender de conhecimento técnico ou científico, não existindo qualquer outro dispositivo que a torne obrigatória. Ou seja, apesar de constar dos meios de provas lícitos, não o torna obrigatório, e o fato do exame genético ter natureza invasiva da personalidade humana faz com que haja a necessidade de consentimento do investigado.
No que respeita à o brigatoriedade de submissão ao exame genético, dois sistemas foram identificados:
a) o que admite a submissão compulsória, penalizando, em alguns casos, com multa ou até admitindo o uso de força policial;
b) o que não admite a realização do exame pericial genético, sem o consentimento, por considerar como ofensa aos direitos da personalidade do investigado.
O direito francês admite a perícia genética somente com o consentimento do investigado. Em linha oposta, está o direito alemão, que admite a realização do exame genético mesmo sem o consentimento do investigado.
Alguns países não admitem a condução coercitiva, reservando a conseqüência da negação apenas para a ordem processual. Outros sistemas determinam a condução compulsória, afirmando que prevalecem os direitos do investigando e não do investigado. Em nível jurisprudencial, verifica-se a existência de precedente judicial do STF protegendo o direito à integridade física do investigado em detrimento da proteção do direito de conhecer à ascendência genética.
A recusa à submissão tem sido resolvida no plano processual, considerando-a juntamente com as outras provas. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entendeu que "embora ninguém possa ser coagido a exame ou inspeção corporal, o investigado que se recusa ao exame pericial de verificação da paternidade, deixa presumir contra ele a veracidade da imputação – CPC, art. 359, II e C PC art. 126. Presunção harmoniosa com o conjunto de prova".
No que diz respeito à lesão ao direito à integridade física do investigado, verifica-se que apesar de se dar num grau mínimo, com a coleta de sangue, fios de cabelo ou com a raspagem da mucosa bucal, a dimensão que se revela é em verdade simbólica, pois permitirá conhecer a sua identidade genética.
Para Silmara Chinelato de Almeida:
“O suposto pai, ao ter a paternidade investigada, sofrerá certa invasão a sua intimidade, pois não há outro modo de pesquisar-se a eventual paternidade de alguém para ser declarado, de modo positivo ou negativo, em relação a quem a reclama. É uma invasão ou acesso justo à intimidade, o que não importa divulgação. O segredo de justiça das ações de investigação de paternidade corretamente ampara a não-divulgação de fatos relativos à intimidade do investigando.”

Em caso paradigmático, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu:
"Investigação de Paternidade - Exame DNA - Condução do Réu ‘debaixo de vara', discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório 'debaixo de vara', para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, considerada a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos".



Esse precedente revela que um dos fundamentos da negativa à submissão compulsória é o princípio da legalidade, ou seja, a suposta inexistência de lei determinando a obrigatoriedade de realização do exame de DNA.
O Ministro Rezek apontou, em voto divergente. Fundamentos legais que permitem a perícia forçada, conforme se verifica:
“ Observa-se uma superlativa atenção do legislador, a partir da Carta de 1988, para com os direitos da criança e do adolescente. As inovações constitucionais no capítulo da família, da criança, do adolescente e do idoso deram nova conformação ao direito da criança, de que é exemplo o artigo 227 da Carta Política. A legislação infraconstitucional tem acompanhado, por igual, os avanços verificados neste exato domínio. Assim, a Lei nº. 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, entre outras.”
A solução apontada pela jurisprudência brasileira é que a recusa deverá ser resolvida no plano processual, ou seja, será considerada em cotejo com o conjunto probatório, posição que foi contemplada nos artigos 231 e 232 do Código Civil de 2002.
Declaração universal so bre genoma humano e direitos humanos
A Declaração Universal sobre Genoma Humano e Direitos Humanos alerta que as investigações sobre o código genético humano e suas implicações abrem imensas perspectivas de melhoramento da saúde dos indivíduos e de toda a humanidade, mas destaca que devem ao mesmo tempo respeitar a dignidade, a liberdade e os direitos da pessoa humana, assim como reprimir qualquer forma de discriminação fundada em características genéticas.
No Título I, denominado “Dignidade Humana e o Genoma Humano”, a Declaração coloca o código genético humano (genoma humano) como a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana, reconhecendo a sua dignidade e a sua diversidade intrínsecas. Enquadra, em sentido simbólico, o código genético (genoma humano) como patrimônio da humanidade, defendendo que cada indivíduo tem direito ao respeito de sua dignidade e direito à igualdade, quaisquer que sejam as suas características genéticas.
A Declaração determina que o código genético humano (genoma humano), por natureza evolutivo, está submetido a mutações naturais, não podendo dar lugar a benefícios pecuniários e que não poderá haver discriminação fundada em características genéticas, cujo objeto ou efeito seria atentar contra direitos e liberdades fundamentais e o reconhecimento de sua dignidade.
Determina, também, que deverá ser protegida, por lei, a confidencialidade de dados genéticos associados com uma pessoa identificável. Toda pessoa terá direito, em conformidade com o direito internacional e o direito nacional, a uma reparação do dano de que haja sido vítima, cuja causa direta e determinante haja sido uma intervenção em seu genoma. Para proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, só a legislação poderá limitar os princípios do consentimento e confidencialidade, devendo haver imperiosas razões e o estrito respeito dos direitos humanos.
A referida Declaração constitui um compromisso apenas moral para os Estados e a comunidade internacional, mas ainda que não tenha algum valor vinculante, apresenta um objetivo bem explícito: o de fixar o marco ético das atividades relativas ao genoma humano, enunciando princípios de caráter duradouro
Declaração Universal sobre Genoma Humano e Direitos Humanos
A Lei nº. 9.279, de 14 de maio de 1996, regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e proíbe o patenteamento de segmento de material genético.
“Art. 8º. - É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Art. 9º. - É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.
Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
IX - O todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
Art. 18 - Não são patenteáveis:
III - O todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º. e que não sejam mera descoberta

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fale a verdade.