A
ação para cobrar a cobertura securitária por vício de construção (o
chamado vício oculto), no caso de apólice pública vinculada ao Sistema
Financeiro de Habitação (SFH), deve ser ajuizada durante o prazo do
financiamento ao qual o seguro está vinculado ou, no máximo, em até um
ano após o término do contrato. Assim, é inviável a pretensão de acionar
o seguro por vícios de construção anos após o fim do financiamento.
Com
esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), por maioria, seguindo o voto da ministra Isabel Gallotti,
rejeitou o recurso de um grupo de proprietários que pretendia usar o
seguro habitacional para reparar problemas estruturais dos imóveis oito
anos após a quitação dos contratos.
Os proprietários compraram
unidades de um conjunto habitacional em 1980, assinando financiamento
que foi quitado em 2000. Oito anos depois, alegando vícios de
construção, eles acionaram a companhia seguradora responsável pela
apólice vinculada ao financiamento.
O Tribunal de Justiça do
Paraná reconheceu a prescrição do direito dos proprietários em mover a
ação, considerando o prazo prescricional de um ano previsto na alínea
"b" do inciso II do parágrafo 1º do artigo 206 do Código Civil.
Fatores externos
Em
seu voto, a ministra Isabel Gallotti fez uma longa explanação sobre as
peculiaridades do seguro habitacional vinculado ao financiamento,
utilizado no Brasil desde a criação do SFH pela Lei 4.380/1964.
Uma
das características apontadas por ela é a cobertura para danos
decorrentes de eventos futuros e incertos, decorrentes de fatores
externos, não incluídos os vícios de construção. Para que estes sejam
considerados compreendidos na cobertura, ressaltou, é imprescindível que
haja cláusula nesse sentido.
"Não é inerente à natureza do
contrato de seguro a cobertura de vício intrínseco à coisa. Ao
contrário, trata-se de risco não coberto, salvo disposição contratual
explícita", afirmou Gallotti ao lembrar que, em regra, a
responsabilidade por defeito de construção é do construtor e de seus
responsáveis técnicos.
Direito público
A ministra
explicou que o caso em julgamento era referente a apólice pública, não
mais disponível após alterações legislativas que restringiram o seguro
habitacional à contratação de apólices privadas.
Na apólice
privada – assinalou –, o risco é da seguradora; na apólice pública, o
risco é garantido por um fundo e submetido a normas de direito público,
sendo inviável aplicar o Código de Defesa do Consumidor para eventual
responsabilização desse seguro quanto aos vícios de construção, já que
não era um serviço contratado livremente no mercado, mas imposto por
lei, com regras estabelecidas pela autoridade pública.
"Penso que
princípios gerais como a boa-fé objetiva, lealdade e confiança recíproca
não podem justificar a obrigação de cobertura de sinistros
expressamente excluídos pela apólice de seguro habitacional", disse ela.
Base atuarial
A
regulamentação da apólice pública – comentou Isabel Gallotti – exclui,
como regra geral, a cobertura de vícios de construção, mas há exceção.
"Em
prol do equilíbrio da apólice única só haverá a cobertura de vício
intrínseco ao imóvel caso se trate de financiamento concedido a mutuário
final (pessoa física) e ainda não decorrido o prazo legalmente previsto
para a responsabilidade objetiva do construtor (cinco anos do
habite-se), exigindo-se, também, seja o responsável identificado,
localizado e não falido."
Segundo a ministra, a cobertura
irrestrita de vícios de construção, por períodos mais longos do que a
responsabilidade do próprio construtor, e em termos não estipulados na
apólice, tornaria o seguro sem base atuarial, inviabilizando
financeiramente o SFH.
Ela afirmou que, uma vez extinto o contrato
de financiamento, extingue-se necessariamente o contrato de seguro a
ele vinculado, cuja finalidade é assegurar a evolução normal do
financiamento, garantindo que as prestações continuarão sendo pagas em
caso de morte ou invalidez do mutuário e que o imóvel dado em garantia à
instituição financeira não perecerá durante a execução do contrato.
Com
a quitação do financiamento – prosseguiu Gallotti –, extingue-se também
o contrato de seguro e cessa o pagamento do prêmio. Ela lembrou que
nada impede o mutuário de adquirir uma segunda apólice para obter
cobertura mais ampla, que supere o período do financiamento e abranja
outros tipos de risco.
Marco inicial
A ministra citou
precedentes do STJ no sentido de que, sendo o vício oculto percebido
somente após a extinção do contrato, a seguradora tem o dever de cobrir o
dano.
Segundo ela, a jurisprudência do tribunal considera que os
vícios ocultos, que se consolidam ao longo dos anos, dificultam a
demarcação do momento exato de sua ciência pelo mutuário e do início do
prazo prescricional; por isso, adotou-se o entendimento de que esse
prazo – que é de um ano – começa a contar quando a seguradora,
comunicada do problema, deixa de pagar a indenização.
No entanto,
para Gallotti, a postergação indefinida do termo inicial da prescrição,
além de incoerente com a finalidade do seguro, "acarreta insustentável
ônus ao sistema, inviabilizando a constituição das reservas técnicas
necessárias ao seu equilíbrio".
Mesmo considerando que a extinção
do contrato não dispensa a seguradora das obrigações constituídas em sua
vigência, a ministra apontou a necessidade de se observar o prazo legal
de um ano para a prescrição das ações de mutuários destinadas a cobrar o
seguro vinculado ao SFH.
"Não se podendo precisar a data exata da
ciência do defeito de construção ensejador do sinistro, o prazo anual
de prescrição inicia-se a partir do dia seguinte ao término da vigência
do contrato de financiamento", concluiu a magistrada.
Destaques de hoje
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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1743505
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